Bloomberg — Autoridades argentinas começaram a preparar o retorno do país aos mercados internacionais de títulos. A expectativa é que as condições sigam favoráveis o suficiente para permitir a venda dos papéis no início do ano que vem, segundo pessoas com conhecimento do assunto que falaram com a Bloomberg News e pediram anonimato porque as discussões são privadas.
Independentemente de isso ocorrer ou não, o simples fato de o governo considerar a possibilidade mostra a dimensão da guinada vivida pelo país nos últimos dois meses.
Em setembro, pânico tomou conta dos mercados argentinos diante do temor de que o programa de austeridade fiscal do presidente Javier Milei fosse desmontado por uma oposição cada vez mais confiante no Congresso.
O peso despencou e os rendimentos dos títulos em dólar dispararam acima de 17%, levando o governo Trump a enviar rapidamente ajuda emergencial a Milei para conter a onda de vendas.
Leia também: Aprovação de Milei cresce após vitória de seu partido nas eleições legislativas
A estratégia funcionou. Os mercados primeiro se estabilizaram e depois registraram forte recuperação quando o partido de Milei conquistou mais cadeiras do que o previsto em uma votação no fim de outubro.
Os yields agora rondam 10%, ou cerca de seis pontos percentuais acima dos Treasuries americanos. Isso os coloca próximos dos níveis que o ministro da Economia, Luis Caputo, sinalizou a investidores estar disposto a aceitar para emitir novos títulos, segundo pessoas a par do tema.
A Argentina está fora do mercado desde que deu seu terceiro calote neste século, durante a pandemia. Milei, economista de linha libertária, definiu como meta central desde que assumiu em 2023 recuperar o acesso a investidores de dívida até o início de 2026.
Isso também traria uma injeção de dólares para pagar compromissos externos — há cerca de US$ 4,5 bilhões vencendo em janeiro e valor semelhante em julho — e recompor as reservas internacionais, hoje bastante esvaziadas.
“Provavelmente não estamos muito longe” do retorno argentino aos mercados globais, disse Gorky Urquieta, cohead de dívida de mercados emergentes na Neuberger Berman. “Um yield abaixo de 10% é o número mágico.”
Segundo pessoas com conhecimento das discussões, uma nova emissão seria apenas um passo dentro de uma série de operações de dívida. Há conversas com vários bancos sobre alternativas que poderiam ajudar a reduzir os spreads e permitir que a Argentina volte a acessar os mercados.
As ideias incluem uma operação de recompra (repo) que ofereceria um incentivo em dinheiro a investidores como parte de uma troca de dívida, afirmaram as fontes. Uma transação de liability management com um repo para levantar até US$ 5 bilhões e cobrir os vencimentos de janeiro usando títulos de importadores como garantia, além de uma troca dívida-por-educação (“debt-for-education swap”) — semelhante ao swap ambiental do Equador — também estão na mesa.
“Desde a eleição, estamos mais perto do que nunca de recuperar o acesso aos mercados”, disse Caputo em um evento em Buenos Aires na quarta-feira (3), acrescentando que o governo está “muito confiante” em uma queda do risco-país nas próximas semanas.
Caputo — que no mês passado afirmou a investidores que a Argentina pretendia recomprar títulos com vencimento em 2029 e 2030 — disse que o país também recebeu ofertas de bancos entre US$ 6 bilhões e US$ 7 bilhões e avalia quanto captar para garantir que as reservas não caiam com os compromissos de janeiro.
A Argentina até poderia ir ao mercado agora — sobretudo diante da demanda constante por ativos de alto rendimento em mercados emergentes. Mas o governo espera uma compressão de cerca de 100 a 150 pontos-base na curva, disseram pessoas a par dos planos, para que os custos se aproximem dos 7% a 8% pagos pelas maiores empresas do país.
A aprovação das reformas trabalhista e tributária pelo novo Congresso, que toma posse em 10 de dezembro com o partido libertário de Milei como maior bancada na Câmara, poderia ser o gatilho, acrescentaram as fontes.
A Argentina “vai ao mercado”, disse Pramol Dhawan, chefe de gestão de portfólios de mercados emergentes da Pacific Investment Management Co. Trata-se de “uma questão provavelmente para o ano que vem”.
O apetite por dívida argentina tem sido evidente nas últimas semanas. Empresas e províncias já emitiram mais de US$ 4 bilhões em títulos em dólar desde a eleição de 26 de outubro, ante apenas US$ 130 milhões nos três meses que antecederam o pleito, segundo dados compilados pela Bloomberg.
E há mais por vir. A petroleira e produtora de gás Vista Energy pretende acessar o mercado nesta quarta-feira, e praticamente todas as províncias estariam considerando novas emissões. Santa Fe realiza reuniões com investidores antes de uma oferta planejada, e Chubut também estaria preparando uma operação.
Se a Argentina conseguir resolver os papéis com vencimento em 2029 e 2030, até nomes mais arriscados, como Chaco, poderiam voltar ao mercado, disse uma das fontes.
Os planos de Caputo para vender nova dívida, antecipados no início do ano passado, sempre foram recebidos com certo ceticismo. Naquele momento, alguns títulos argentinos rendiam cerca de 20% considerando o yield-to-worst.
E, mesmo com o novo otimismo, persistem dúvidas. Segundo alguns analistas, a Argentina ainda precisa reforçar as reservas em dólar — o que exigiria mudar o regime cambial que Caputo e Milei prometeram manter.
Em relatório divulgado nesta semana, o economista Ivan Stambulsky e o estrategista Jason Keene, ambos do Barclays, afirmaram que mesmo se o país conseguir um repo para cobrir os pagamentos de janeiro, fizer uma oferta pelos títulos de 2029 e 2030 e recuperar o acesso ao mercado, ainda assim precisará de compras “substanciais” de dólares.
“Uma melhora significativa de liquidez exige compras agressivas de dólares, algo que consideramos improvável sob esse regime cambial”, escreveram.
A última vez que a Argentina voltou aos mercados globais de crédito, fez isso em grande estilo. O país vendeu US$ 16,5 bilhões em títulos, estabelecendo um recorde de captação em um único dia para um emergente.
Investidores apresentaram ofertas que somaram US$ 68,6 bilhões, e os yields ficaram abaixo do que papéis com classificação semelhante pagavam.
Uma dúzia de outras emissões se seguiu — incluindo um título de 100 anos — até que o país voltasse a dar calote, pela nona vez desde sua independência em 1816.
-- Com a colaboração de Manuela Tobias, David Feliba, Ignacio Olivera Doll e Stephen Wicary.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Investidores buscam a ‘próxima Argentina’ com eleições na América Latina
Werthein lança holding, elege Brasil como prioridade e avalia data center no país