Bloomberg — As ações de consumo doméstico, ligadas ao desempenho da economia brasileira, ensaiam uma recuperação pela primeira vez em anos, com as expectativas de um ciclo de flexibilização monetária e uma expectativa por possível mudança de governo no próximo ano, que ofuscam as altas taxas de juros e a desaceleração da economia.
Oito das 10 empresas com melhor desempenho no Ibovespa estão no rol de companhias dependentes do mercado doméstico. As ações da Cogna e da C&A são as que mais se destacam neste ano, com altas de 198% e 118%, respectivamente.
Gestores que enxergam uma oportunidade de desbloquear ganhos expressivos em ações que estavam desvalorizadas ajudaram a impulsionar o índice em 22% em 2025.
O índice de small caps da B3 supera o Ibovespa em sete pontos percentuais, com alta de 29% neste ano.
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As expectativas de cortes da Selic aumentaram na quarta-feira passada, quando o Federal Reserve reduziu as taxas de juros dos EUA em 0,25 ponto percentual e estipulou mais dois cortes até o final do ano.
Naquele mesmo dia, o Banco Central manteve a Selic em 15% e citou a inflação persistente e a elevada incerteza sobre tarifas e a economia americana.
“A sinalização do Banco Central de que o próximo movimento não é mais de alta ajuda bastante os papéis domésticos,” disse Alexandre Silverio, CEO e responsável pela gestão de renda variável da Tenax Capital.
“A queda do dólar também tira muita atratividade dos ‘players’ de commodities, então as pessoas começam a rotacionar suas posições de commodities para empresas que vão se beneficiar mais do cenário de uma economia doméstica, que seguem com PIB crescendo e com perspectiva de queda de juros prevista no ano que vem.”
As exportadoras, que normalmente impulsionam o índice, são as que apresentam o pior desempenho neste ano em meio a um cenário de dólar global mais fraco.
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Apostas de cortes
Tudo isso sinaliza um novo ciclo para o mercado de ações brasileiro, machucado por fortes saídas de capital em meio à alta das taxas de juros.
Fundos de ações locais registraram saídas de R$ 16 bilhões em 2024, com a migração dos investidores para instrumentos de renda fixa.
Enquanto isso, empresas mais dependentes da economia local — de varejistas a construtoras — viram seu desempenho e resultados serem prejudicados por mais de três anos de juros de dois dígitos.
As altas taxas de juros também pesaram sobre a economia brasileira e devem desacelerar o crescimento do PIB para 2,2% este ano, de acordo com a última pesquisa Focus do Banco Central.
No ano passado, o PIB cresceu 3,4%.
Construtoras, utilities e varejo estão entre os maiores beneficiários de um ciclo de flexibilização monetária, de acordo com um relatório do Citi. O relatório destacou a construtora Cyrela, a concessionária Energisa e o Magazine Luiza.
O Magazine Luiza, por exemplo, caminha para seu primeiro ano positivo desde 2020.
As ações subiram 34% até agora em setembro, elevando seus ganhos acumulados no ano para impressionantes 69%.
A varejista tem altos níveis de alavancagem, o que significa que cortes nas taxas reduziriam custos, ao mesmo tempo em que também beneficiam os consumidores que dependem de financiamento para grandes compras.
As ações domésticas são aquelas em que o “mercado vê oportunidade em termos de ganhos de capital”, disse Raphael Figueredo, estrategista de ações da XP.
“Os investidores já estão concentrados em ativos que se beneficiam de altas taxas de juros, como setores defensivos, bond proxies e ações financeiras.”
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Trade eleitoral
Em outro sinal de otimismo, os investidores têm precificado uma transição para um governo mais favorável aos negócios nas eleições do próximo ano.
Em particular, alguns apostam na vitória do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas — que até agora negou que vai concorrer à Presidência.
Marcelo Motta, do JPMorgan, tem aconselhado os clientes a começarem a se posicionar para a eleição de 2026. Ele favorece empresas com beta mais alto — aquelas com ações mais arriscadas e voláteis — que têm índices preço/lucro mais baixos, como as construtoras Cyrela, Tenda e Eztec.
“Embora corramos o risco de sermos um pouco precipitados em relação a essa mudança de preferência, acreditamos que nos próximos 12 meses essa tese se mostrará correta, visto que, historicamente, o desempenho das construtoras tem sido mais vinculado ao sentimento do que aos fundamentos”, escreveu Motta em um relatório recente.
No geral, os investidores na América Latina aumentaram o risco em suas carteiras para o nível mais alto desde 2021, de acordo com o último Latam Fund Manager Survey do Bank of America.
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Mesmo que os investidores ainda preferam estratégias de alta qualidade e crescimento, a alocação em beta alto aumentou.
Ativos de risco em todo o mundo estão em destaque, já que o ciclo de flexibilização do Federal Reserve abre caminho para que as economias em desenvolvimento também reduzam as taxas de juros.
O declínio do apelo do dólar e a rotação para fora dos EUA também estão forçando os investidores a buscar oportunidades em outras regiões.
“Cortes nas taxas de juros estão chegando”, escreveram estrategistas do Bank of America, liderados por David Beker, em nota. “E o Brasil tem uma das histórias mais fortes de corte de juros nos mercados emergentes.”
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