Do estádio ao mercado: esporte se torna ativo de US$ 2,5 tri, mas faltam investimentos

Relatório da Apollo Sports Capital aponta para lacuna de financiamento em setor esportivo de ativos ainda escassos

Show de fogos pirotécnicos ao redor de um modelo gigante do Troféu da Copa do Mundo da FIFA.
22 de Dezembro, 2025 | 11:37 AM

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Bloomberg Línea — O negócio do esporte se tornou um ecossistema de mais de US$ 2,5 trilhões, com fluxos de receita que vão desde mídia e mercadorias até bem-estar e entretenimento ao vivo, segundo um relatório da plataforma Apollo Sports Capital.

No entanto, a plataforma argumenta que, apesar desse tamanho, o setor continua subfinanciado e com baixo uso de dívidas em face de fluxos de caixa estáveis.

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A tese central é que existe uma lacuna entre o valor dos ativos esportivos e a forma como eles são financiados.

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Essa lacuna abre espaço para o crédito privado, estruturas híbridas e capital institucional. O esporte como um todo, de acordo com o relatório, combina escassez de ativos, contratos indexados à inflação e uma base de demanda que não depende de ciclos tecnológicos.

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O ponto de partida é histórico. Durante grande parte do século XX, o valor de um clube dependia do estádio e do público.

A televisão mudou isso. A globalização o ampliou. Hoje, as equipes funcionam como plataformas de conteúdo com receitas recorrentes. A Apollo ressalta que os direitos de transmissão ultrapassam US$ 60 bilhões por ano.

“O esporte transcende culturas e tempo e, apesar de sua história, alcance global e crescimento recorde, o setor esportivo continua subfinanciado, subalavancado e subcapitalizado”, diz o relatório.

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“Os credores tradicionais e os investidores de capital há muito tempo tratam o setor como um nicho, o que leva a uma estrutura de mercado ineficiente e a lacunas significativas de financiamento na camada intermediária da estrutura de capital.”

Capital institucional e lacuna de financiamento

Esse diagnóstico é reforçado pelos dados. A Apollo estima que as franquias esportivas operam com um nível de dívida próximo a 10% do valor, em comparação com faixas de 40% a 70% em setores como infraestrutura ou imóveis.

O contraste é maior quando se consideram os contratos de mídia de longo prazo, como os da NFL, que garantem mais de US$ 110 bilhões até 2033.

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O relatório argumenta que as receitas esportivas apresentam características de previsibilidade. " Esses contratos de longo prazo, vinculados à inflação, proporcionam visibilidade e durabilidade da receita que se assemelham estruturalmente a ativos de infraestrutura ou serviços públicos", de acordo com os analistas da Apollo.

Além disso, a pandemia acelerou um processo que já estava em andamento. A queda nas receitas forçou as ligas e os clubes a revisar as regras de propriedade. Nos Estados Unidos, a MLB, NBA, NHL e, posteriormente, a NFL permitiram a entrada de fundos privados como acionistas passivos. Na Europa, o capital institucional se expandiu para os clubes das principais ligas.

A Apollo interpreta essa reviravolta como uma normalização que abre espaço para novas formas de financiamento. As avaliações cresceram mais rapidamente do que a capacidade dos proprietários tradicionais.

O resultado foi uma abertura para investidores com escala e estrutura.

“À medida que o mercado amadurecer, as estruturas de capital se normalizarão e os investidores com flexibilidade para negociar entre dívida e patrimônio estarão mais bem posicionados para capturar o valor do crescimento“, diz o relatório.

Darreen Reed, sócia da Prime Financial, resume a lacuna com uma comparação direta. “Um projeto imobiliário comercial genérico é normalmente financiado com uma relação empréstimo/valor de 65%. O Dallas Cowboys está em cerca de 10%”, diz Reed. “Um é uma commodity com risco para o locatário. O outro é um monopólio global com fluxos de caixa protegidos contra a inflação”, acrescenta.

A analogia aponta para a escassez. “A NFL tem 32 franquias. Você não pode criar um concorrente”, ressalta Reed. “A liga garantiu mais de US$ 110 bilhões em contratos de mídia até 2033”, acrescenta.

“O Green Bay Packers tem uma lista de espera de 140.000 pessoas por ingressos para a temporada. Isso funciona como um bônus perpétuo”, conclui.

Do seu ponto de vista, a mudança não requer a venda do controle. “Se você alavancar uma franquia de US$ 5 bilhões de 10% para apenas 35% do valor do empréstimo, o que ainda representa metade do risco da maioria dos imóveis, você desbloqueia mais de US$ 1 bilhão em liquidez sênior garantida sem vender nenhum patrimônio”, diz Reed. “Comprar a equipe costumava ser a única opção. Mas para o próximo ciclo, o verdadeiro alfa parece estar no financiamento“, acrescenta.

O relatório da Apollo concorda com a abordagem. Ele propõe crédito sênior, financiamento de estádios e estruturas híbridas que combinam cupom e participação no valor. A tese é que o setor permite retornos com um perfil de crédito e exposição ao crescimento de longo prazo.

Riscos, governança e limites do modelo

Os influxos de fundos não estão isentos de tensões. Ali Jouay, analista da Cash on the Pitch, apresenta uma troca entre oportunidades e riscos.

“Os fundos privados podem ajudar os clubes históricos a se modernizarem e sobreviverem em um mercado que se tornou brutalmente competitivo”, diz Jouay. “Muitos proprietários tradicionais não têm o capital ou o know-how comercial para lidar com o aumento dos salários, os custos de infraestrutura e as restrições do fair play financeiro.

Desse ponto de vista, o capital institucional traz disciplina e estrutura. " Eles podem transformar um clube administrado como uma empresa familiar em uma empresa profissional que sabe como alavancar direitos de mídia, patrocínios e bases de fãs globais", diz Jouay.

Ele também ressalta que o apoio financeiro pode se traduzir em pessoal, instalações e sistemas analíticos que têm um impacto esportivo.

O limite aparece no horizonte de tempo.

“O futebol não segue uma lógica de retornos trimestrais”, alerta Jouay. “Quando um fundo prioriza a lucratividade de curto prazo, ele pode prejudicar a estabilidade esportiva, vender jogadores importantes ou reduzir os orçamentos de treinamento”, diz o analista. “Para muitos torcedores, um clube é uma instituição cultural, não apenas um ativo comercial.

O risco financeiro também está presente. “Os clubes geralmente têm receitas voláteis, altos custos fixos e controle limitado sobre muitos determinantes de gastos”, explica Jouay. “Os fundos podem alavancar demais um clube ou tratá-lo como um ativo de compra e venda (...) Se a estratégia de saída falhar, o clube pode ficar exposto ou insolvente”, conclui.

Fútbol mundial

O relatório da Apollo reconhece essas restrições e destaca a importância de estruturas com covenants e limites de empréstimos. A tese não propõe um modelo uniforme, mas soluções sob medida que respeitem as regras da liga e os fluxos contratuais.

A Apollo conclui que o processo está apenas começando. “Acreditamos que o mercado de financiamento esportivo continua em um estágio inicial de desenvolvimento institucional e está subvalorizado em relação à trajetória de crescimento do setor”, diz o relatório.

“À medida que as estruturas se aprofundam, os retornos se concentrarão nos investidores capazes de operar em toda a estrutura de capital”, acrescenta.

Nesse contexto, a Apollo vê o esporte como um ativo com suas próprias características.

Ele não depende de interrupções tecnológicas ou modismos do consumidor. O público permanece, a demanda por conteúdo ao vivo persiste, os contratos garantem a receita, mas a lacuna está no financiamento.

A mudança do estádio para o mercado já aconteceu. A discussão agora se volta para a forma de financiar um negócio que combina escala global, contratos de longo prazo e ativos escassos.

A Apollo acredita que, para o capital, a oportunidade não está apenas na propriedade, mas na arquitetura financeira que sustentará o próximo estágio do esporte como indústria.