Bloomberg Línea — “A Copa será fantástica. Baterá todos os recordes.” Foi dessa forma que Donald Trump chegou bradando ao Kennedy Center na capital dos Estados Unidos nesta sexta-feira (5) para o sorteio dos grupos da Copa do Mundo de 2026.
Os números que envolvem a próxima edição do Mundial de futebol ajudam a explicar o entusiasmo do presidente americano e de executivos de marketing mundo afora: serão 3 países, 16 cidades-sede, 48 seleções e 104 jogos até a final, marcada para o dia 19 de julho, no MetLife Stadium, em Nova Jersey.
A dimensão do torneio chama a atenção não apenas dos fãs de futebol mas de todo o ecossistema de entretenimento, especialmente porque os Estados Unidos seguem como principal exportador global da indústria do espetáculo e abrigam algumas das marcas esportivas mais valiosas do planeta.
Será também a volta do evento esportivo mais assistido do planeta a um mercado capitalismo desenvolvido, depois de quatro edições em países emergentes: África do Sul (2010), Brasil (2014), Rússia (2018) e Catar (2022).
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A combinação entre o apetite comercial da Fifa, o mercado consumidor da América do Norte e o novo desenho grandiloquente do torneio cria o ambiente ideal para uma escalada sem precedentes em patrocínios, produtos e experiências associadas ao evento.
Para quem esperava que o sorteio dos grupos funcionasse como uma prévia empolgante da Copa para o marketing esportivo, no entanto, o clima em Washington DC soou tímido.
Pelas ruas da capital americana, a presença do Mundial por meio de materiais de divulgação da FIFA e ativações de patrocinadores oficiais tem sido discreta, assim como a circulação de lendas do esporte mais assistido do mundo.
As baixas temperaturas na capital americana - abaixo de zero grau Celsius e sensação próxima de 10º C negativos e com neve - nesta sexta contribuíram para reduzir a participação popular nas ruas e no entorno do local do sorteio.
Mesmo com a escolha de um palco icônico – o John F. Kennedy Center for the Performing Arts, à beira do rio Potomac e ao lado do histórico condomínio Watergate –, diferentes marcas preferiram lançar ativações e produtos longe do evento oficial da FIFA.
Nos últimos dias, movimentos paralelos reforçaram essa percepção de descentralização para longe de uma cidade que não foi selecionada para receber nenhum dos 104 jogos do Mundial.
A Panini optou por fazer o lançamento de seu tradicional álbum de figurinhas nas proximidades de Nova York (a fabricante de material esportivo Adidas fez o mesmo algumas semanas atrás com o lançamento da bola oficial do Mundial), enquanto a Visa apresentou em Miami, uma das sedes da Copa, sua nova série de cartões comemorativos do Mundial.
O que já se vê é um calendário de anúncios que não depende exclusivamente da agenda da Fifa, mas se distribui por diferentes cidades americanas e formatos, sinalizando uma lógica mais fragmentada e competitiva para capturar a atenção do torcedor-consumidor.
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A Copa além das ativações conhecidas
Ficou para trás o tempo em que Copa do Mundo era sinônimo quase automático de promoção de televisores, de sanduíches temáticos em redes de fast food (leia-se McDonald’s) ou de coleções de “mini-craques”.
Esses produtos continuam no radar, mas, no mercado esportivo mais desenvolvido do mundo, as marcas buscam elevar o patamar das ações relacionadas ao torneio (veja mais abaixo).
O foco agora passa por experiências mais sofisticadas, integrações tecnológicas e narrativas que combinem alcance global com segmentação e dados.
“Tudo começou com um patrocínio global, mas, ao longo dos nossos quase 20 anos de parceria com a FIFA, nós redefinimos o que isso significa”, afirmou Dario Cutin, vice-presidente de Comunicação Corporativa da Visa para América Latina e Caribe, à Bloomberg Línea.
“Não buscamos apenas ter maior visibilidade ou colocar nossa marca em uma placa à beira do gramado; nosso objetivo é criar experiências significativas de valor agregado.”
Segundo o executivo, a relação com o Mundial se transformou em plataforma para testar novos formatos de engajamento e serviços financeiros adaptados ao comportamento do torcedor.
Essa busca por experiências mais imersivas aparece com clareza no pacote que a Visa estruturou para clientes selecionados.

Para um grupo de consumidores considerados prioritários, a gigante de pagamentos promete a possibilidade de acompanhar a execução do hino nacional ao lado do banco de reservas de sua seleção, em uma área normalmente restrita a comissões técnicas e membros da organização.
A ideia é aproximar o torcedor da perspectiva das estrelas do espetáculo – independentemente de se tratar da Marselhesa ou do hino de qualquer outra equipe em campo.
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Fifa eleva a régua das ativações
Do lado da FIFA, o plano é usar a escala inédita da Copa de 2026 para testar limites comerciais e criativos em parceria com as marcas.
“A América do Norte é um grande mercado consumidor e um hub global para o entretenimento e o esporte, portanto, esse ambiente amplifica o que fazemos”, afirmou Nick Brown, diretor de Parcerias Comerciais da FIFA, à Bloomberg Línea.
Para o executivo, o contexto norte-americano potencializa o alcance do torneio e cria uma vitrine privilegiada para novos formatos de engajamento.
“Teremos na próxima edição muitos exemplos de ativações de patrocínio que surpreenderão e agradarão os torcedores - experiências que nunca vimos antes em uma Copa do Mundo.”
A Lenovo, empresa de origem chinesa que patrocina pela primeira vez a Copa do Mundo, promete a introdução da Inteligência Artificial no Mundial de futebol.
Os mais curiosos, porém, terão que esperar: a gigante de tecnologia promete revelar suas principais novidades apenas durante a maior feira do setor do planeta, a Consumer Electronics Show (CES), que começa em 6 de janeiro.
Em um painel na última quinta-feira (4) em Washington DC, que antecedeu o sorteio, o diretor de Inovação e Tecnologia da Fifa, Johannes Holzmüller tranquilizou os puristas do “jogo bonito”: “Eu não rotularia [a adoção de IA pelo futebol] como um novo esporte. Para nós é sempre importante encontrar um equilíbrio entre o que podemos melhorar e qual é a tradição do nosso esporte.”
‘American way’ de patrocinar
Para o brasileiro Ricardo Fort, especialista em marketing esportivo e ex-diretor global de patrocínios de Coca-Cola e Visa, a geografia do torneio ajuda a explicar o novo desenho das campanhas.
“Acredito na premissa de que o marketing nessa Copa do Mundo será diferente. Acontecendo principalmente nos Estados Unidos, é inevitável que a ativação do evento seja fortemente influenciada pelo jeito americano de patrocinar”, disse.
O executivo lembrou que, embora os parceiros globais da Fifa não sejam majoritariamente americanos, no nível de patrocinadores do evento e de apoiadores, a presença de empresas dos EUA é dominante.
Fort afirmou esperar movimentos relevantes de companhias como Home Depot, Verizon e Bank of America, que tendem a explorar formatos pouco usuais em Copas anteriores.
Uma das que se anteciparam foi a Verizon, operadora de telecom que lançou uma campanha estrelada pelo ex-craque inglês David Beckham que sorteia “ingressos dourados” que darão direito à entrada em campo em jogos da Copa.
“Outro fator relevante será a interseção do esporte com o entretenimento e com as celebridades. O que acontece nas provas de Fórmula 1 de Miami e Las Vegas são bons exemplos do que imagino que veremos nos jogos da Copa do Mundo”, avaliou o executivo, em referência a eventos que combinam hospitalidade premium, aparições de artistas e ativações de alto valor agregado.
Na avaliação de Fort, a tecnologia será outro eixo central das ativações.
“Em relação à tecnologia, essa é a primeira Copa do Mundo que vivemos com a inteligência artificial presente. Acredito que, mesmo que superficialmente, muitas marcas tentarão incluir a tecnologia em suas campanhas e ativações”, projetou.
O uso de IA deve aparecer em ferramentas de personalização de conteúdo, atendimento automatizado, experiências imersivas em segunda tela e soluções de medição de impacto em tempo real.
Por outro lado, o especialista reconheceu que o novo cenário tende a alimentar críticas sobre uma eventual “super comercialização” do Mundial.
“Muitas pessoas devem reclamar dessa ‘super comercialização’ da Copa, mas vejo essas novidades todas como muito bem-vindas”, disse Fort.
Segundo o executivo, a identidade de cada edição se constrói justamente a partir do “tempero” colocado pelos países-sede, e, nesse sentido, o modelo americano de entretenimento e negócios deve reforçar a condição da Copa como o evento mais interessante do mundo – dentro e fora de campo.








