Um ano da eleição de Claudia Sheinbaum no México: o impacto na América Latina

Eleita com apoio do seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, primeira mulher a comandar o país tem popularidade alta, mas fortalecimento não se refletiu ainda em outros países

Claudia Sheinbaum
03 de Junho, 2025 | 12:03 PM

Bloomberg Línea — A vitória eleitoral da presidente mexicana Claudia Sheinbaum completou um ano na segunda-feira (2). Ela se tornou a primeira mulher a alcançar esse feito no México e a oitava a ser eleita chefe de Estado em toda a América Latina.

Ainda assim, a hegemonia do poder continua sendo masculina, e as aspirações presidenciais das mulheres permanecem em grande parte subordinadas ao “patrocínio” dos homens, segundo especialistas consultados pela Bloomberg Línea.

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A vitória de Sheinbaum ocorreu por fatores como as emendas à Constituição mexicana para garantir a paridade de gênero na política — realizadas três vezes, em 2014, 2019 e 2020.

Também pesou o capital político construído pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que posteriormente foi herdado por Sheinbaum, afirmou Georgina Cárdenas Acosta, pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Pesquisas e Estudos de Gênero (CIEG) da Universidade Nacional Autônoma do México.

“Não importava quem fosse o candidato, o escolhido por AMLO venceria”, disse ela à Bloomberg Línea. “O Morena é um partido com amplo apoio da base social do país, e é para isso que eles vêm trabalhando há seis anos.”

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A decisão de AMLO teve tanto peso que a oposição, liderada pelo Partido Ação Nacional, também indicou uma mulher como candidata, Xóchitl Gálvez, segundo a especialista.

“O que aconteceu nas eleições não significa necessariamente que sejamos um país com menor discriminação contra as mulheres”, afirma Cárdenas Acosta. “No México, entre nove e 11 homens cometem feminicídio por dia.”

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No entanto a vitória de Sheinbaum e o dobro dos votos sobre Gálvez também tiveram a ver com seu atraente perfil político, segundo especialistas.

Santiago Carranco, coordenador do laboratório de relações internacionais da Universidade Internacional do Equador, disse que o perfil de Sheinbaum é especialmente marcante, não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também político.

“Sheinbaum é cientista, tem experiência política e conta com o apoio do Morena. Esses fatores a impulsionaram e permitiram que ela se tornasse presidente do México”, afirmou o especialista à Bloomberg Línea.

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Além disso, a imagem de Sheinbaum não foi manchada por episódios quaisquer durante seus primeiros meses no cargo.

Uma pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News e publicada em 28 de abril mostra que 67% dos mexicanos aprovam o desempenho de Sheinbaum, superando os 64% de AMLO. Esse índice cresceu cinco pontos percentuais em relação a março.

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“Também percebemos que os índices de aprovação e popularidade de Sheinbaum ainda são bastante altos”, disse Carranco. Pode estar relacionado, em certa medida, à sua forma de lidar com as ameaças tarifárias de Donald Trump.

Para Manuel Camilo González, cientista político e internacionalista da Pontifícia Universidade Javeriana, na Colômbia, apesar do apoio de AMLO a Sheinbaum, ele não interferiu em sua agenda política, e isso foi fundamental.

“É preciso reconhecer que, durante a campanha presidencial, AMLO deixou Sheinbaum em paz, ou seja, não lhe disse o que fazer, mas permitiu que a candidata apresentasse uma agenda com sua própria marca”, afirmou a especialista.

Para González, o sucesso de Sheinbaum também esteve relacionado à inclusão de uma questão como a violência contra a mulher na agenda pública, com a vantagem adicional de ter sido levantada especificamente por uma mulher, não por um homem.

O “caso” Sheinbaum não se repetiu no Equador, por outro lado.

Luisa González, que participou do segundo turno das eleições presidenciais no país em 13 de abril, não conseguiu seguir os passos da mexicana, apesar de contar com o apoio de um partido de esquerda representativo no país, o Revolución Ciudadana, e da capital política do ex-presidente Rafael Correa.

Embora o cenário de González, em tese, fosse semelhante ao de Sheinbaum, analistas argumentam que ele deve ser analisado com base em nuances.

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“Embora seja verdade que Luisa González tenha uma carreira política trabalhando em estreita colaboração com Rafael Correa e, por sua vez, tenha ocupado uma cadeira na Assembleia Nacional, ela carece dessa mística, essa personalidade que Sheinbaum possuía”, disse Carranco.

Mas não se deve ignorar o ponto de vista dos eleitores, segundo Gabriela Rosas, advogada, assessora política, internacionalista e professora da Universidade Internacional SEK, no Equador.

Rosas compartilhou com a Bloomberg Línea um estudo em que está trabalhando atualmente, que se concentra no nível de participação política das mulheres no poder executivo.

Ela afirmou que, “no Equador, as mulheres não tiveram a capacidade de se consolidar como um símbolo que deixasse uma marca na memória do eleitorado e, por isso, não foram consideradas na hora de eleger uma pessoa para um cargo executivo”.

A especialista também sugeriu que as mulheres equatorianas tendem a votar mais em homens do que em pessoas do seu próprio gênero por três razões: primeiro, que uma estrutura cultural androcêntrica ainda predomina no Equador; segundo, que as mulheres não têm tanta experiência na esfera política “como consequência das desigualdades estruturais presentes no Estado equatoriano”.

Terceiro, Rosas afirmou que “os cidadãos votam em uma figura política, mas não em um partido ou em seu plano de governo”, com um agravante: as mulheres não tiveram maior representação simbólica no poder.

Sheinbaum, um exemplo para a região?

Cárdenas Acosta, pesquisadora da UNAM, disse acreditar que a presidente Sheinbaum pode ser um modelo para outros países latino-americanos que podem “se dar a oportunidade” de eleger uma mulher para o Poder Executivo. No entanto ela questionou algumas decisões de sua administração.

“Por um lado, ela criou a Secretaria da Mulher e, por outro, permite que ela seja liderada por uma mulher que simpatiza com as causas femininas, mas que não é especialista nem feminista reconhecida no assunto”, afirmou.

Além de Sheinbaum, a especialista reconheceu os avanços em termos de paridade política no México, visto que conquistou seu terceiro Congresso com paridade de gênero, embora diga que ainda há muito a ser feito.

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“A hegemonia do poder continua masculina porque, por exemplo, na Câmara dos Deputados e no Senado, quase não há mulheres representando mulheres.”

“Se as mulheres se tornam líderes de seus partidos políticos, então essas decisões continuam sendo tomadas por homens”, disse Cárdenas Acosta.

Carranco, que reconheceu a “ótima gestão diplomática” de Sheinbaum durante seu mandato, especialmente diante das ameaças tarifárias de Trump, e, por outro lado, a redução das disparidades de gênero na região, devido a instrumentos institucionais que garantem a participação política das mulheres, afirmou que a atenção também deve ser voltada para outras áreas.

“Há a questão do eleitor”, disse a especialista equatoriana. “O machismo ainda existe. Não posso fornecer dados específicos, mas há uma hipótese de como ser mulher acaba afetando as eleições.”

A perspectiva regional está alinhada com a internacional. Segundo a ONU Mulheres, mulheres ocupam cargos de chefes de Estado ou de governo em apenas 25 países. “No ritmo atual, a igualdade de gênero nos mais altos níveis decisórios não será alcançada pelos próximos 130 anos”, afirmou a organização.

Carlos Cuevas

Comunicador social, periodista y magíster en escrituras creativas con más de ocho años de experiencia profesional. Exreportero en El Tiempo, exeditor de fin de semana en Infobae Colombia y exeditor de breaking news en Revista Semana.