Bloomberg Línea — A América Latina está passando por uma transição demográfica caracterizada por um processo de envelhecimento acelerado, o que implica repensar os sistemas de saúde e previdência, mas também a necessidade de políticas para o parto e cuidados de acordo com os tempos futuros.
Isso é o que indica um relatório da Universidade Austral da Argentina e da Rede de Institutos Familiares Universitários da América Latina (Redfam).
“A região deixou de ser uma sociedade jovem para se tornar uma sociedade de jovens adultos em 2021 e, segundo as projeções, se tornará uma sociedade envelhecida até 2050″, diz o relatório.
Apenas dois países latino-americanos ultrapassam o limite mínimo de substituição de gerações, que é de 2,1 filhos por mulher, e garantem a substituição de mulheres em idade reprodutiva: Paraguai (2,4) e Bolívia (2,6).
Peru e Equador são os únicos países alinhados com a taxa de fertilidade total (TFR) da região de 1,8.
Os demais estão abaixo desse teto: México (1,6), Brasil (1,5), Argentina (1,4), Uruguai (1,3), Colômbia (1,2) e Chile.
Embora a transição demográfica, que implica uma redução nas taxas de natalidade e mortalidade, seja um processo que vem ocorrendo em todo o mundo, na América Latina ela começou mais tarde do que na Europa, mas foi mais acelerada.
“Esse fenômeno na América Latina implicou em uma queda muito mais abrupta na taxa de natalidade, mas intensamente acentuada na Argentina, tanto que caiu 40% nos últimos 10 anos”, disse Dolores Dimier, doutora em Filosofia pela Universidade de Navarra e secretária do Instituto de Ciências da Família da Universidade Austral, à Bloomberg Línea.
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A transição, por outro lado, “foi mais gradual na Colômbia”, mas não menos marcante. “É o segundo país da América Latina com a segunda maior queda nas taxas de natalidade”, acrescenta Dimier.
Países com população mais velha
Apesar de suas taxas de natalidade em queda, a Argentina e a Colômbia não têm as populações mais velhas da América Latina, de acordo com um cálculo da idade média de cada país da região.
“É a idade em que metade da população é mais jovem e a outra metade é mais velha. Quanto maior a idade média em um país, mais velha é sua população”, explica o relatório da Universidad Austral e da Redfam.
O Uruguai, com uma idade média de 36,4 anos, é o país mais envelhecido da região, seguido pelo Brasil (34,8) e pelo Chile (34,3).
O caso uruguaio é atípico, pois é o país com o menor crescimento populacional: aumentou apenas 500.000 habitantes desde 1985 e não ultrapassa os 3,5 milhões. Em um determinado momento, o ex-presidente José Pepe Mujica advertiu que o Uruguai apresentava “sinais perigosos de extinção”.
Em seguida vêm Argentina (32,9), Equador (32,5), Colômbia (32,0), México (30), Venezuela (29,34), Paraguai (29,0) e Bolívia (25,2).
Outra descoberta do relatório é o índice de envelhecimento: ele indica que na região há pelo menos 12 pessoas com 80 anos ou mais para cada 100 pessoas com 65 anos ou mais.
“É urgente considerar a necessidade de reestruturar seus sistemas de saúde, previdência e proteção social para atender às demandas de uma população cada vez mais envelhecida dentro de alguns anos”, diz o relatório.
“Devemos também redefinir a alta proporção de idosos para que eles representem um valioso capital social e humano para contribuir com o desenvolvimento participativo.
Menos filhos
Dolores Dimier explica que a queda na taxa de natalidade está associada, entre outras coisas, ao nível de escolaridade das mulheres e sua entrada no mercado de trabalho.
“Na Argentina, a taxa de ingresso de mulheres em todos os níveis de ensino, seja secundário, superior ou universitário, é muito maior do que a dos homens”, disse. “Isso marca uma tendência em que as mulheres investem a maior parte de seu projeto de vida no desenvolvimento profissional.”
Além disso, os latino-americanos estão tendo filhos em idades relativamente mais avançadas e, como quanto mais velhos ficam, menor é a probabilidade de terem filhos, as famílias estão ficando menores, disse Andrés Giraldo Palomino, professor do departamento de economia da Universidad Javeriana da Colômbia.
“Na América Latina, a idade média para ter o primeiro filho era por volta dos 20 anos, e agora está perto dos 26. À medida que as mulheres se afastam das idades mais jovens, elas não querem ter mais filhos”, diz Giraldo Palomino.
A globalização, que trouxe consigo a transmissão de novos valores e ideias culturais, como a de que entrar no mundo adulto não significa necessariamente formar uma família, ter um parceiro estável ou ser pai, é outro fator.
Em junho passado, um relatório do Fundo de População das Nações Unidas constatou, após uma pesquisa em 14 países, que, se os jovens estão tendo menos filhos do que antes, não é porque querem, mas por causa da insegurança econômica, discriminação de gênero, pouco apoio do parceiro e pessimismo em relação ao futuro.
Embora os jovens queiram ter pelo menos dois filhos, 18% consideram isso impossível, de acordo com o relatório. Além disso, 31% dos adultos com mais de 50 anos pesquisados disseram que tiveram menos filhos do que gostariam.
O relatório da Universidad Austral e da Redfam sugere que as novas políticas demográficas na região não devem abordar apenas o grupo populacional mais velho, mas também incentivar as taxas de natalidade e a paternidade, “que valorizam o papel das mães e dos pais e fortalecem as relações familiares”.
Dimier acredita que uma maneira de incentivar a taxa de natalidade é fornecer apoio financeiro aos jovens, como garantir maior acesso ao crédito, e reduzir os encargos sociais sobre a família, por exemplo, eliminando o imposto de renda para as mães.
Mas as políticas públicas nos países da região também devem se concentrar no reconhecimento do capital social e humano dos idosos.