Por que a eleição na Argentina também importa para os planos da China

Gigante asiático amplia investimentos no país como parte de sua investida global, mas estratégia depende do próximo presidente: Javier Milei ou Sérgio Massa

Sergio Massa y Javier Milei rumbo al balotaje
Por Manuela Tobías
14 de Novembro, 2023 | 01:02 PM

Bloomberg — O empréstimo de US$ 6,5 bilhões feito no mês passado pela China à Argentina foi uma possível tábua de salvação para o candidato presidencial Sergio Massa. Também foi uma aposta significativa do país asiático em seu futuro na América Latina, um campo de batalha crucial em sua competição geopolítica com os EUA.

A votação em segundo turno na Argentina neste domingo (19) tem repercussões muito além da acirrada eleição local: Massa, da coalizão peronista no poder, que busca laços mais fortes com a China, contra o outsider libertário Javier Milei, que se referiu à nação asiática como “assassina”.

Para a China, uma vitória de Massa a colocaria em posição privilegiada para colher os benefícios de ser uma das únicas fontes de financiamento para a nação sul-americana com problemas de caixa, em que a inflação de três dígitos está em alta e a economia deve encolher novamente este ano.

Já uma vitória de Milei provavelmente reduziria a influência da China na Argentina por pelo menos os próximos quatro anos.

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“O acordo do banco central é político, mas há razões comerciais e econômicas válidas por trás disso”, disse Yu Lingqu, vice-diretor do centro de estudos financeiros do China Development Institute, um think tank estatal em Shenzhen. “A China quer usá-lo para desenvolver o comércio e o investimento industrial com a Argentina.”

Os US$ 6,5 bilhões do Banco Popular da China são uma parcela do que agora é uma linha de swap cambial de US$ 18 bilhões, que permite à Argentina intervir em um mercado de câmbio cada vez mais instável, pagar por importações em yuan em vez de dólares e evitar a inadimplência com o Fundo Monetário Internacional.

“O timing é intencional”, disse Margaret Myers, diretora do Programa Ásia e América Latina no Diálogo Interamericano, sobre o swap de moeda. “É feito em um momento em que fica muito claro que esta eleição pode seguir duas direções muito diferentes.”

A relação entre China e Argentina floresceu desde que a ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner fechou o acordo para a linha de swap em 2009, quando a grande crise financeira sufocou o fluxo de dinheiro para a Argentina. Desde então, a China investiu bilhões no país, em tudo, desde lítio e usinas de energia solar no norte até uma estação espacial na região sul da Patagônia.

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Os laços se fortaleceram ainda mais nos últimos anos, com a Argentina aderindo à iniciativa “Belt and Road” de Xi Jinping em 2022.

A China anunciou planos de ingressar no grupo Brics de mercados emergentes no próximo ano. E o país ajudou a Argentina a evitar o calote em um programa de US$ 43 bilhões com o FMI, oferecendo a linha de swap de crédito para realizar pagamentos da dívida em junho e julho.

Os investimentos da China na Argentina refletem apenas uma fração de sua influência total na América Latina, onde tem minado a dominância dos EUA nas últimas décadas.

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Por meio da iniciativa “Belt and Road”, a China despejou bilhões na construção de estradas, pontes, trens, redes elétricas e usinas de energia em toda a região. Também voltou sua atenção para os governadores, além dos líderes nacionais, construindo relacionamentos que lhe permitiram investir até nas áreas mais remotas, avançando para se tornar o principal parceiro comercial da América do Sul.

Ainda assim, os EUA fornecem mais investimentos diretos estrangeiros do que qualquer outro país na Argentina, totalizando US$ 132 bilhões na última década, segundo dados do governo.

A rivalidade EUA-China agora está afetando a maioria das relações internacionais da Argentina, desde a adoção da tecnologia 5G até a possível compra de aviões militares.

A intenção da China de cooperar em projetos nucleares pacíficos com a Argentina e as negociações para estabelecer um porto na Terra do Fogo, a província mais ao sul do país, também adicionaram tensão, disse uma pessoa familiarizada com a cena diplomática em Buenos Aires, que não pôde ser identificada ao discutir deliberações privadas.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, não quis comentar sobre a eleição na Argentina, mas disse que “a China e a Argentina são parceiros estratégicos abrangentes. A China está pronta para trabalhar com a Argentina para buscar novos sucessos nas relações bilaterais.”

Massa e Milei não poderiam ser mais diferentes, sendo o primeiro à frente de um estado gigantesco que tem acionado a máquina de impressão de dinheiro para aumentar os salários públicos e os cheques de bem-estar antes da votação.

Embora Massa tenha brincado sobre criar uma república “Argenchina”, ele também buscou estreitar os laços com os EUA. Ainda assim, sua presidência garantiria a continuidade de políticas que já permitiram ao gigante asiático ganhar uma posição.

“Se Massa vencer a eleição, implementaremos uma política externa pragmática centrada em interesses nacionais, onde nossos parceiros comerciais não são escolhidos por razões ideológicas ou caprichos pessoais”, disse Gustavo Martinez Pandiani, assessor de assuntos externos de Massa e atual embaixador argentino na Suíça.

Um governo de Massa buscaria ter uma relação “excelente” com a China, assim como com os EUA e a Europa, disse Pandiani. Eles continuariam projetos e relações existentes, tentando reduzir o déficit comercial com a China exportando mais bens argentinos, como lítio e cobre.

Milei, por sua vez, prometeu cortar gastos públicos e dolarizar a economia. Sua presidência potencial seria uma grande incógnita para a China, mesmo que sua campanha amenize seus comentários em busca de votos centristas.

“As pessoas não são livres na China, não podem fazer o que querem e, quando o fazem, são mortas”, disse Milei em uma entrevista à Bloomberg News em agosto. “Você negociaria com um assassino?” Milei esclareceu que não atrapalharia acordos comerciais privados entre empresas argentinas e chinesas.

Diana Mondino, indicada por Milei para o cargo de ministra das Relações Exteriores, amenizou as declarações inflamadas em uma entrevista por telefone, dizendo que ele nunca propôs romper com a China.

Um governo de Milei não impediria as empresas de operar como de costume, mas evitaria acordos secretos com a China ou qualquer outra nação com condições desconhecidas, como o swap de moeda, disse ela. Ele também aboliria uma série de controles destinados a proteger as reservas de dólar, mas que muitas vezes apenas exacerbam as escassezes.

“Talvez se Milei acabar liberando a taxa de câmbio e suspendendo os controles de capital, a China ficaria mais feliz, mas o ruído geopolítico de um potencial presidente criticando a China representa um problema”, disse Marcelo Elizondo, presidente do capítulo argentino da Câmara de Comércio Internacional.

Há uma sensação no governo de que a China pode não acionar toda a linha de swap se Milei vencer, dada sua hostilidade em relação à China, disse um funcionário do governo não autorizado a discutir publicamente o swap. Mondino disse que Milei pagaria a dívida se fosse eleito.

Quando o presidente argentino Alberto Fernández anunciou o swap no mês passado em uma entrevista de rádio em Pequim, ele enfatizou o papel da China como “um bom amigo” e deu um aviso velado sobre o que poderia acontecer se Milei assumisse o cargo.

“Há um cara louco por aí que diz que não vai concordar ou negociar com o país X, quando na realidade, esses países ajudam muito a Argentina”, disse Fernández em referência à China e ao Brasil, maior parceiro comercial da Argentina, que Milei também rotulou de socialista. “Essas são as coisas que os argentinos precisam saber para apreciar, porque, caso contrário, ficamos confusos.”

Foi durante essa mesma viagem que o presidente Xi Jinping disse a Fernández que a China estava pronta para trabalhar com a Argentina para fortalecer as relações, acrescentando que a China apoia os esforços da Argentina em manter a estabilidade econômica e financeira.

Ainda assim, a relação não tem sido tão positiva. Enquanto a China vê a Argentina como um investimento estratégico de longo prazo, o governo incumbente em grande parte olhou para o país asiático para “apagar incêndios” imediatos e limitou oportunidades de longo prazo devido à sua instabilidade financeira.

Alguns dos maiores projetos da China, como uma usina nuclear em Buenos Aires, estão parados por falta de financiamento local, enquanto represas hidrelétricas em Santa Cruz, no sul, ainda não se concretizaram anos após empréstimos iniciais.

Tema no último debate

Massa pressionou Milei sobre suas opiniões sobre a China no debate presidencial de domingo à noite.

“Brasil e China, você vai manter relações com eles?” Massa perguntou a Milei, que insistiu que o relacionamento comercial seria canalizado por meio de negócios privados. Massa retrucou: “Os países estabelecem relações.”

Um governo de Milei provavelmente seguiria o exemplo de outros líderes conservadores da região, como o ex-presidente Mauricio Macri, que fez movimentos tímidos para se distanciar da China, mas enfrentou a dura realidade de uma crise financeira que impediu a Argentina de acessar os mercados de crédito e paralisou os investimentos, de acordo com Benjamin Gedan, diretor do Programa da América Latina do Wilson Center.

“Milei seria insensato se cortasse genuinamente os laços comerciais com a China”, disse Gedan. “Mesmo que a Argentina tivesse uma economia resiliente e robusta, não poderia sobreviver às consequências econômicas.”

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