Bloomberg Línea — O baixo crescimento econômico, as políticas sociais fracas e as grandes lacunas na concentração de riqueza, que as democracias não conseguiram reduzir, deixaram a América Latina e o Caribe presos como a região mais desigual do mundo por 30 anos, disse o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, à Bloomberg Línea.
O índice de Gini - uma medida da desigualdade de renda - flutuou entre 50 e 52 (de um máximo de 100) na última década na América Latina. Em 2024 , o Brasil tinha os níveis mais altos de desigualdade (estimados em 51,3) entre as grandes economias, de acordo com dados do Banco Mundial.
Outros países onde a desigualdade de renda é considerada extremamente alta são Colômbia, Guatemala, Panamá e Honduras.
O Haiti, a economia mais pobre da América Latina e do Caribe, não tem um Gini tão alto (41,1 entre 2010-2022) porque a maioria de sua população tem renda igualmente baixa, o que tende a refletir uma menor desigualdade nas medições, apesar da pobreza extrema.
“Nos últimos 30 anos, a América Latina e o Caribe têm apresentado consistentemente os níveis mais altos de desigualdade de renda do mundo, conforme medido pelo índice de Gini”, disse Salazar-Xirinachs. “Embora esses níveis tenham diminuído durante esse período, a região continua a ter a distribuição de renda mais concentrada do mundo.
A Cepal indica que a distribuição da riqueza é ainda mais concentrada do que a da renda.
De acordo com dados da ONG Oxfam, na região, o 1% mais rico acumula mais de US$ 40 de cada US$ 100 de riqueza total.
Por outro lado, os 50% mais pobres (incluindo os setores vulneráveis, as pessoas que vivem na pobreza e as classes médias) acumulam apenas US$ 1 de cada US$ 100 de riqueza total.
Na Colômbia, no Chile e no Uruguai, cerca de 1% da população controla entre 37% e 40% da riqueza total, alerta o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A Cepal afirma que os principais fatores que acentuam a desigualdade na região incluem a baixa capacidade de crescimento econômico, um fenômeno que caracterizou uma segunda década perdida entre 2014 e 2023, exacerbada pela pandemia de Covid-19, e da qual ainda não conseguiu sair.
Isso também está associado a um dinamismo muito baixo do mercado de trabalho, já que a região teve a menor taxa de criação de empregos em seis décadas durante esse período.
Além disso, Salazar-Xirinachs disse que as grandes diferenças de produtividade entre setores e regiões (heterogeneidade produtiva) “são a base onde grande parte da desigualdade de renda está enraizada”.
A América Latina também enfrenta sistemas tributários “regressivos”, concentrados principalmente em impostos indiretos sobre bens e serviços.
Em 2023, eles representaram, em média, cerca de metade das receitas tributárias, sendo o IVA a principal fonte de receita, representando 28,5% do total das receitas tributárias.
Também são identificadas políticas sociais e de proteção social fracas, que não conseguem reduzir a desigualdade enraizada na produção.
Também pesam na equação os sistemas de educação e treinamento vocacional com sérias deficiências; a desigualdade de gênero que é estrutural; sistemas de atendimento insuficientes ; e altas desigualdades e segregação espacial em áreas urbanas.
De acordo com Salazar-Xirinachs, “tudo isso é exacerbado pela discriminação e pelas violações de direitos humanos sofridas por determinados grupos da população, além dos fatores mencionados acima“.
Concentração de riqueza

De acordo com o Secretário Executivo da Cepal, a extrema concentração de riqueza é “uma das expressões mais visíveis e persistentes da desigualdade e é um dos fatores que mais contribuem para sua reprodução”.
A riqueza é menos suscetível do que a renda às flutuações do mercado de trabalho e se mantém mais forte ao longo do tempo.
A maior concentração de riqueza está negativamente associada à mobilidade social entre gerações. Ou seja, quanto maior a concentração, menor a mobilidade social.
“A concentração excessiva de riqueza pode ter efeitos negativos sobre o crescimento econômico e aumentar a desconfiança do público em relação às elites e instituições“, de acordo com Salazar-Xirinachs.
Em meio à desaceleração e redução do crescimento econômico na América Latina, a riqueza acumulada pelos que estão no topo continuou a crescer, de acordo com a Oxfam.
A Oxfam argumenta que, mais de 40 anos após a recuperação das democracias na região, elas não conseguiram cumprir a promessa de reduzir as desigualdades e garantir direitos para todos.
Estrutura tributária regressiva

Salazar-Xirinachs considerou que, para avançar em direção a um sistema tributário mais progressivo, é essencial uma governança forte, especialmente nas instituições e administrações tributárias.
“Isso inclui o fortalecimento da tributação direta e a avaliação sistemática dos gastos com impostos”, disse o secretário executivo da Cepal.
Isso deve ser apoiado por um amplo diálogo social e uma colaboração eficaz entre as instituições do setor público, o setor privado e outros atores relevantes.
Na região, as receitas do imposto de renda de pessoa física - um dos principais instrumentos para o avanço da progressividade nos sistemas - são relativamente baixas.
Em 2023, sua participação média na região foi inferior a um terço das receitas de IVA, atingindo apenas 9,2% das receitas tributárias.
Em comparação, nos países da OCDE, o imposto de renda de pessoa física foi, em média, de 23,6% em 2022.
Isso é agravado pela cobrança limitada de impostos sobre a propriedade e a riqueza, o que restringe ainda mais a capacidade redistributiva dos sistemas tributários da região.
Além disso, o uso extensivo de gastos tributários na América Latina, como isenções e alíquotas reduzidas, prejudica a arrecadação de impostos e limita a capacidade do Estado de implementar políticas públicas.
Embora justificados como incentivos econômicos ou sociais, esses benefícios geralmente se concentram nos setores de renda mais alta, exacerbando a desigualdade.
Até 2024, a receita perdida com essas desonerações representou entre 1,2% e 8,8% do PIB entre os países latino-americanos.
A Oxfam alerta para o fato de que os impostos que não são pagos por indivíduos de alto patrimônio líquido e por aqueles com as rendas mais altas “são enormes”, incluindo heranças subtributadas.
“Pouquíssimos países da região têm impostos sobre grandes fortunas, por exemplo”, diz a organização.
O problema dessa subcobrança é que ela reduz o espaço fiscal dos países e retira recursos para financiar políticas que garantam direitos para toda a população.
Na região, os mais ricos pagam cerca de US$ 20 em impostos para cada US$ 100 de renda, enquanto os 50% mais pobres contribuem com o dobro, adverte a Oxfam.
De acordo com o relatório Econonuestra da Oxfam, a América Latina e o Caribe poderiam mobilizar muito mais recursos implementando reformas tributárias progressivas que gerariam uma receita de US$ 264,34 bilhões.
Esses recursos seriam suficientes para tirar 70 milhões de pessoas da pobreza extrema, financiar US$ 75,6 bilhões em sistemas abrangentes de atendimento e dobrar os gastos com ações climáticas com um adicional de US$ 13 bilhões por ano.

Juan Ruiz, economista-chefe do BBVA Research para a América Latina, adverte que a desigualdade persistente na região deve ser enfrentada por meio de um programa de reforma abrangente.
Em sua opinião, eles devem ter como objetivo aumentar a produtividade, aumentar o investimento privado e, acima de tudo, gerar empregos de qualidade para ajudar a reduzir a informalidade.
“A região é uma das mais desiguais do mundo, e esse é um dos elementos que também temos de abordar com a agenda de reformas”, diz ele.
O economista lembra que a desigualdade não é um fenômeno recente na América Latina.
“Não se trata de um elemento novo, não é que isso tenha sido gerado pelo buraco que temos desde 2015″, diz Ruiz. “A América Latina é uma região onde a desigualdade sempre foi muito alta”.
Embora reconheça o progresso no passado, como durante o ciclo de alto crescimento entre 2003 e 2015, quando “os níveis de pobreza na região foram bastante reduzidos e os indicadores de desigualdade começaram a cair”, ele adverte que nos últimos anos houve estagnação.
De fato, a regressão em termos sociais foi acentuada pela sucessão de crises que a região enfrentou.
“O que nos preocupa agora é que, tendo entrado nesse platô - ou rotina -, só vamos recuperar os níveis de renda per capita de 2015 em 2025“, disse Ruiz.
Essa recuperação lenta, segundo ele, mascara uma deterioração nos ganhos sociais anteriores: “Houve retrocessos na redução da pobreza e também na redução da desigualdade.