Por que a América Latina é a região mais desigual do mundo há 30 anos, segundo a Cepal

Baixo crescimento econômico, políticas sociais fracas e grandes lacunas na concentração de riqueza, deixaram países latino-americanos presos na desigualdade, disse o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, à Bloomberg Línea

Desigualdad en São Paulo, Brasil. La Imagen muestra lujosos edificios al lado de las favelas.
30 de Julho, 2025 | 11:57 AM

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Bloomberg Línea — O baixo crescimento econômico, as políticas sociais fracas e as grandes lacunas na concentração de riqueza, que as democracias não conseguiram reduzir, deixaram a América Latina e o Caribe presos como a região mais desigual do mundo por 30 anos, disse o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, à Bloomberg Línea.

O índice de Gini - uma medida da desigualdade de renda - flutuou entre 50 e 52 (de um máximo de 100) na última década na América Latina. Em 2024 , o Brasil tinha os níveis mais altos de desigualdade (estimados em 51,3) entre as grandes economias, de acordo com dados do Banco Mundial.

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Outros países onde a desigualdade de renda é considerada extremamente alta são Colômbia, Guatemala, Panamá e Honduras.

O Haiti, a economia mais pobre da América Latina e do Caribe, não tem um Gini tão alto (41,1 entre 2010-2022) porque a maioria de sua população tem renda igualmente baixa, o que tende a refletir uma menor desigualdade nas medições, apesar da pobreza extrema.

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“Nos últimos 30 anos, a América Latina e o Caribe têm apresentado consistentemente os níveis mais altos de desigualdade de renda do mundo, conforme medido pelo índice de Gini”, disse Salazar-Xirinachs. “Embora esses níveis tenham diminuído durante esse período, a região continua a ter a distribuição de renda mais concentrada do mundo.

A Cepal indica que a distribuição da riqueza é ainda mais concentrada do que a da renda.

De acordo com dados da ONG Oxfam, na região, o 1% mais rico acumula mais de US$ 40 de cada US$ 100 de riqueza total.

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Por outro lado, os 50% mais pobres (incluindo os setores vulneráveis, as pessoas que vivem na pobreza e as classes médias) acumulam apenas US$ 1 de cada US$ 100 de riqueza total.

Na Colômbia, no Chile e no Uruguai, cerca de 1% da população controla entre 37% e 40% da riqueza total, alerta o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

A Cepal afirma que os principais fatores que acentuam a desigualdade na região incluem a baixa capacidade de crescimento econômico, um fenômeno que caracterizou uma segunda década perdida entre 2014 e 2023, exacerbada pela pandemia de Covid-19, e da qual ainda não conseguiu sair.

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Isso também está associado a um dinamismo muito baixo do mercado de trabalho, já que a região teve a menor taxa de criação de empregos em seis décadas durante esse período.

Além disso, Salazar-Xirinachs disse que as grandes diferenças de produtividade entre setores e regiões (heterogeneidade produtiva) “são a base onde grande parte da desigualdade de renda está enraizada”.

A América Latina também enfrenta sistemas tributários “regressivos”, concentrados principalmente em impostos indiretos sobre bens e serviços.

Em 2023, eles representaram, em média, cerca de metade das receitas tributárias, sendo o IVA a principal fonte de receita, representando 28,5% do total das receitas tributárias.

Também são identificadas políticas sociais e de proteção social fracas, que não conseguem reduzir a desigualdade enraizada na produção.

Também pesam na equação os sistemas de educação e treinamento vocacional com sérias deficiências; a desigualdade de gênero que é estrutural; sistemas de atendimento insuficientes ; e altas desigualdades e segregação espacial em áreas urbanas.

De acordo com Salazar-Xirinachs, “tudo isso é exacerbado pela discriminação e pelas violações de direitos humanos sofridas por determinados grupos da população, além dos fatores mencionados acima“.

Concentração de riqueza

Foto Aéreas de un lujoso condominio ubicado en el barrio de Barra da Tijuca, Río de Janeiro, Brasil, 25 de junio de 2024

De acordo com o Secretário Executivo da Cepal, a extrema concentração de riqueza é “uma das expressões mais visíveis e persistentes da desigualdade e é um dos fatores que mais contribuem para sua reprodução”.

A riqueza é menos suscetível do que a renda às flutuações do mercado de trabalho e se mantém mais forte ao longo do tempo.

A maior concentração de riqueza está negativamente associada à mobilidade social entre gerações. Ou seja, quanto maior a concentração, menor a mobilidade social.

“A concentração excessiva de riqueza pode ter efeitos negativos sobre o crescimento econômico e aumentar a desconfiança do público em relação às elites e instituições“, de acordo com Salazar-Xirinachs.

Em meio à desaceleração e redução do crescimento econômico na América Latina, a riqueza acumulada pelos que estão no topo continuou a crescer, de acordo com a Oxfam.

A Oxfam argumenta que, mais de 40 anos após a recuperação das democracias na região, elas não conseguiram cumprir a promessa de reduzir as desigualdades e garantir direitos para todos.

Estrutura tributária regressiva

Pesos colombianos

Salazar-Xirinachs considerou que, para avançar em direção a um sistema tributário mais progressivo, é essencial uma governança forte, especialmente nas instituições e administrações tributárias.

“Isso inclui o fortalecimento da tributação direta e a avaliação sistemática dos gastos com impostos”, disse o secretário executivo da Cepal.

Isso deve ser apoiado por um amplo diálogo social e uma colaboração eficaz entre as instituições do setor público, o setor privado e outros atores relevantes.

Na região, as receitas do imposto de renda de pessoa física - um dos principais instrumentos para o avanço da progressividade nos sistemas - são relativamente baixas.

Em 2023, sua participação média na região foi inferior a um terço das receitas de IVA, atingindo apenas 9,2% das receitas tributárias.

Em comparação, nos países da OCDE, o imposto de renda de pessoa física foi, em média, de 23,6% em 2022.

Isso é agravado pela cobrança limitada de impostos sobre a propriedade e a riqueza, o que restringe ainda mais a capacidade redistributiva dos sistemas tributários da região.

Além disso, o uso extensivo de gastos tributários na América Latina, como isenções e alíquotas reduzidas, prejudica a arrecadação de impostos e limita a capacidade do Estado de implementar políticas públicas.

Embora justificados como incentivos econômicos ou sociais, esses benefícios geralmente se concentram nos setores de renda mais alta, exacerbando a desigualdade.

Até 2024, a receita perdida com essas desonerações representou entre 1,2% e 8,8% do PIB entre os países latino-americanos.

A Oxfam alerta para o fato de que os impostos que não são pagos por indivíduos de alto patrimônio líquido e por aqueles com as rendas mais altas “são enormes”, incluindo heranças subtributadas.

“Pouquíssimos países da região têm impostos sobre grandes fortunas, por exemplo”, diz a organização.

O problema dessa subcobrança é que ela reduz o espaço fiscal dos países e retira recursos para financiar políticas que garantam direitos para toda a população.

Na região, os mais ricos pagam cerca de US$ 20 em impostos para cada US$ 100 de renda, enquanto os 50% mais pobres contribuem com o dobro, adverte a Oxfam.

De acordo com o relatório Econonuestra da Oxfam, a América Latina e o Caribe poderiam mobilizar muito mais recursos implementando reformas tributárias progressivas que gerariam uma receita de US$ 264,34 bilhões.

Esses recursos seriam suficientes para tirar 70 milhões de pessoas da pobreza extrema, financiar US$ 75,6 bilhões em sistemas abrangentes de atendimento e dobrar os gastos com ações climáticas com um adicional de US$ 13 bilhões por ano.

Desigualdad en Brasil

Juan Ruiz, economista-chefe do BBVA Research para a América Latina, adverte que a desigualdade persistente na região deve ser enfrentada por meio de um programa de reforma abrangente.

Em sua opinião, eles devem ter como objetivo aumentar a produtividade, aumentar o investimento privado e, acima de tudo, gerar empregos de qualidade para ajudar a reduzir a informalidade.

“A região é uma das mais desiguais do mundo, e esse é um dos elementos que também temos de abordar com a agenda de reformas”, diz ele.

O economista lembra que a desigualdade não é um fenômeno recente na América Latina.

“Não se trata de um elemento novo, não é que isso tenha sido gerado pelo buraco que temos desde 2015″, diz Ruiz. “A América Latina é uma região onde a desigualdade sempre foi muito alta”.

Embora reconheça o progresso no passado, como durante o ciclo de alto crescimento entre 2003 e 2015, quando “os níveis de pobreza na região foram bastante reduzidos e os indicadores de desigualdade começaram a cair”, ele adverte que nos últimos anos houve estagnação.

De fato, a regressão em termos sociais foi acentuada pela sucessão de crises que a região enfrentou.

“O que nos preocupa agora é que, tendo entrado nesse platô - ou rotina -, só vamos recuperar os níveis de renda per capita de 2015 em 2025“, disse Ruiz.

Essa recuperação lenta, segundo ele, mascara uma deterioração nos ganhos sociais anteriores: “Houve retrocessos na redução da pobreza e também na redução da desigualdade.

Daniel Salazar Castellanos

Profesional en comunicaciones y periodista con énfasis en economía y finanzas. Becario de EFE en el programa de periodismo de economía de la Universidad Externado, Banco Santander y Universia. Exeditor de Negocios en Revista Dinero y en la Mesa América de la agencia española de noticias EFE.