Morre José Mujica, ex-guerrilheiro que se tornou presidente do Uruguai

Durante sua presidência, de 2010 a 2015, Mujica ficou famoso pela austeridade de seu estilo de vida e pela agenda progressista em questões como a legalização da maconha, do aborto e do casamento gay

Durante sua presidência, que durou de março de 2010 a março de 2015, Mujica ficou famoso pela austeridade de seu estilo de vida
Por Ken Parks
13 de Maio, 2025 | 04:54 PM

Bloomberg — José “Pepe” Mujica, o ex-guerrilheiro de esquerda que passou mais de uma década na prisão antes de se tornar presidente do Uruguai, morreu nesta terça-feira (13). Ele tinha 89 anos.

O presidente Yamandu Orsi confirmou a morte de Mujica nas redes sociais, escrevendo: “Obrigado por tudo o que o senhor nos deu e pelo seu profundo amor pelo seu povo”.

PUBLICIDADE

Diagnosticado com câncer de esôfago em abril de 2024, Mujica havia dito que estava interrompendo o tratamento depois que o câncer se espalhou para o fígado, informou o jornal semanal Busqueda em 9 de janeiro.

Durante sua presidência, que durou de março de 2010 a março de 2015, Mujica ficou famoso pela austeridade de seu estilo de vida.

Ele normalmente dirigia para os escritórios presidenciais a partir de sua pequena casa de campo nos arredores de Montevidéu em um fusca velho. Ele doava a maior parte de seu salário para instituições de caridade, o que lhe rendeu o título de presidente mais pobre do mundo.

PUBLICIDADE

Leia também: Mujica: ‘Não há nada que faça os jovens apaixonarem-se. E a culpa não é deles’

Seu governo ganhou reconhecimento por sua legislação progressista em questões como a legalização do aborto e do casamento gay, além de colocar o Uruguai no caminho para se tornar um líder regional em energia eólica.

Ele reassentou dezenas de refugiados sírios e fechou um acordo com o governo do presidente dos EUA, Barack Obama, para levar seis detentos que estavam presos há mais de uma década na Baía de Guantánamo, em Cuba, como suspeitos de terrorismo.

PUBLICIDADE

Mujica apoiou o projeto de lei que legalizou a maconha em dezembro de 2013, colocando o Uruguai na vanguarda de um movimento global. Ele apresentou a legislação a seus céticos compatriotas como uma forma de privar as gangues de drogas de dinheiro e uma oportunidade de transformar o Uruguai em um ímã para investimentos em cannabis.

A rápida recuperação dos preços das commodities após a crise financeira global de 2008-2009 ajudou a economia do Uruguai a registrar um crescimento médio anual de 5% durante o mandato de Mujica, aumentando sua popularidade.

Ele também era conhecido por falar de forma simples e cometer gafes. Sem perceber que estava falando em um microfone aberto em uma coletiva de imprensa, ele criou uma confusão diplomática em 2013 quando disse que a presidente argentina Cristina Fernandez de Kirchner era pior do que seu marido “vesgo”, uma referência ao ex-presidente Nestor Kirchner.

PUBLICIDADE

Leia também: Cannabis no Uruguai: As lições para a América Latina sobre uma lei histórica

Raízes humildes

José Alberto Mujica Cordano nasceu em 20 de maio de 1935, em uma família pobre da capital Montevidéu.

Na década de 1960, ele se juntou ao movimento MLN-Tupamaros, que travou uma violenta insurgência contra os governos da época. Ele foi preso várias vezes, recebeu vários ferimentos a bala e, certa vez, conseguiu sair da prisão com outros prisioneiros usando um túnel.

Detido pela última vez em 1972, passou mais de uma década na cadeia sob a ditadura militar que governou o país de 1973 a 1985.

Em um discurso de 2020, ele contou que passou seis meses com as mãos amarradas às costas com arame, dias sentado em sua própria sujeira e dois anos tomando banho com um pano mergulhado em um copo d’água.

“Passei por tudo nesta vida, mas não odeio ninguém”, disse ele.

Ele serviu como senador e ministro da agricultura do país antes de se candidatar à presidência, prometendo melhorar a educação, reduzir a pobreza e combater o crime. Na eleição de novembro de 2009, ele derrotou o ex-presidente Luis Alberto Lacalle para se tornar o 40º presidente do Uruguai.

Leia também: Yamandú Orsi vence as eleições no Uruguai e marca volta da esquerda ao poder

Mujica foi membro da chamada Maré Rosa de presidentes de esquerda - outros foram Fernandez de Kirchner, na Argentina, e Hugo Chávez, na Venezuela - que chegaram ao poder em toda a América do Sul no início do século XXI, quando a demanda da China por matérias-primas alimentou um boom econômico sem precedentes na região.

Mujica acolheu o investimento estrangeiro e evitou as políticas econômicas populistas adotadas por Fernandez e Chávez, que acabaram empobrecendo seus países.

Legado misto

Apesar de sua popularidade global, os críticos afirmam que Mujica deixou um legado confuso em seu país ao fazer pouco para resolver as deficiências na educação pública e ao sobrecarregar seu sucessor com folhas de pagamento do governo inchadas e altos déficits.

A decisão de Mujica de nomear um desistente da faculdade de medicina, com ligações políticas, para dirigir a empresa estatal de petróleo levou a perdas e resgates de US$ 1,4 bilhão. Os planos de construir um novo porto de águas profundas e um terminal de regaseificação de gás fracassaram.

Sua lei assinada sobre a maconha ainda não gerou a avalanche de investimentos e exportações que seus apoiadores prometeram, enquanto as violentas gangues de drogas seguem poderosas.

Leia também: Como o Uruguai se tornou um refúgio de bilionários da América Latina

Ainda assim, Mujica sempre foi classificado como um dos políticos mais populares do Uruguai. Depois de deixar o cargo, ele atuou como senador até outubro de 2020.

Permaneceu ativo na política e exerceu influência significativa na Frente Ampla como o último membro sobrevivente de um triunvirato de líderes de esquerda que tiraram o partido do deserto político para governar o país de 2005 a 2020.

Mujica era conhecido como uma voz de moderação dentro da Frente Ampla e mantinha relações construtivas com a oposição.

Ele era casado com Lucia Topolansky, outra ex-militante do Tupamaro, que serviu como senadora e vice-presidente de 2017 a 2020.

Veja mais em bloomberg.com