Quero Argentina fora do Mercosul e sem banco central, diz Javier Milei

Em entrevista à Bloomberg News, candidato presidencial que liderou as eleições primárias no domingo diz que um ajuste fiscal de 13% do PIB evitaria um novo calote da dívida

Candidato presidencial na Argentina pretende abandonar o peso e adotar o dólar como moeda
Por Scott Squires - Ignacio Olivera Doll - Manuela Tobias
16 de Agosto, 2023 | 04:41 PM

Bloomberg — O candidato mais votado nas eleições primárias da Argentina, Javier Milei, prometeu fechar o banco central do país, ao mesmo tempo em que afirmou que fará todo o esforço para evitar um novo default na dívida soberana do país caso vença a votação de outubro.

Milei, cuja vitória surpreendente no domingo (13) abalou os mercados, disse à Bloomberg News que seu ajuste fiscal melhorará a reputação e o perfil de crédito da Argentina, tornando um default desnecessário.

Seu plano inclui reduzir os gastos em magnitude equivalente a pelo menos 13% do Produto Interno Bruto (PIB) antes de meados de 2025, por meio da redução significativa de obras públicas, diminuição do número de ministérios, eliminação de subsídios e restrições de capital que permitiriam às empresas transacionar em dólares americanos.

De forma mais drástica, ele também planeja fechar o banco central - que ele considera “sem motivo para existir” - e dolarizar a economia de US$ 640 bilhões.

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“Farei todo o esforço para evitar um default, obviamente”, disse Milei em uma entrevista de duas horas em Buenos Aires, na quarta-feira (16). “Se você fizer o ajuste fiscal necessário, o financiamento estará lá.”

Os ativos argentinos foram vendidos por investidores após Milei, um outsider que poucos consideravam um concorrente sério até então, sair na frente nas primárias, vistas como um termômetro para as eleições presidenciais em um país em que as pesquisas são notoriamente imprecisas.

Essa queda forçou o governo a desvalorizar sua taxa de câmbio oficial, controlada rigorosamente, em 18% quando os mercados abriram na segunda-feira (14).

Na primeira entrevista à mídia estrangeira após sua vitória surpreendente, Milei detalhou seu plano de abandonar o peso argentino em favor do dólar americano como uma maneira de reduzir a inflação, que está em 113% ao ano, e intensificou suas críticas ao banco central, que chamou de “a pior porcaria que existe na Terra”.

“Os bancos centrais estão divididos em quatro categorias: os ruins, como o Federal Reserve, os muito ruins, como os da América Latina, os terrivelmente ruins e o banco central da Argentina”, disse ele.

Títulos argentinos com vencimento em 2030 caem ao mínimo e dois meses

Se Milei vencer a presidência, ele disse que planeja entregar as chaves do banco central ao economista Emilio Ocampo, seu assessor informal no programa de dolarização, para que ele possa fechá-lo.

Ocampo também ajudará nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que tem um programa de empréstimo de US$ 44 bilhões com o país. O candidato afirma que não tem planos de pedir mais dinheiro ao FMI.

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“Um déficit fiscal é imoral”, disse Milei. “Se você vive continuamente com um déficit fiscal, vai ficar insolvente.”

Milei disse que já desenvolveu um plano para dolarizar a economia, uma medida que ele promete que seria uma das primeiras em caso de vitória nas eleições de 22 de outubro - em primeiro turno.

A Argentina seguiria o modelo de El Salvador, ao permitir que as pessoas escolhessem voluntariamente entre as moedas. Uma vez que dois terços da base monetária fossem convertidos, a economia seria totalmente dolarizada, afirmou.

“Se ninguém quiser ter pesos na Argentina, a pergunta é quanto os pesos valem em termos reais? Ninguém os quer, não estamos falando de água no meio do deserto. Estamos falando de algo que ninguém quer”, disse Milei.

Críticas ao Mercosul

O ex-deputado obteve mais votos do que a coalizão pró-negócios liderada por Patricia Bullrich e o bloco peronista do atual governo com o ministro da Economia, Sergio Massa. Institutos de pesquisa apontavam que Milei ficaria em terceiro lugar. Os investidores estão preocupados que o país esteja caminhando para a quarta reestruturação de dívida - leia-se calote - nas últimas duas décadas.

Entre as principais preocupações dos mercados está o fato de que Milei, um outsider político, não conseguiria uma base de apoio no Congresso para seus planos. O político de 52 anos, que não hesita em criticar os políticos que, segundo ele, têm roubado os argentinos por décadas, disse que convocará referendos se não puder obter consenso legislativo para aprovar suas medidas.

“Se eu diminuir o risco cambial e o risco de crédito, isso significa que o risco do país despencará. Significa que os títulos vão literalmente decolar”, disse ele. “A verdade é que é uma negociação bastante simples. Ou, se você comprar e segurar, por exemplo, os retornos em um ano seriam acima de 200%.”

Na entrevista abrangente, Milei também criticou a China e os líderes de esquerda da América Latina que ele considera “socialistas”, disse que buscaria sair do bloco comercial do Mercosul e que se moveria rapidamente para desregulamentar os mercados de commodities.

Milei colocou os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Andrés Manuel López Obrador, do México, Gabriel Boric, do Chile e Gustavo Petro, da Colômbia, os líderes de esquerda das principais economias da América Latina, em guarda.

Questionado sobre como seria sua relação com eles, disse: “Não tenho parceiros socialistas”. Em contrapartida, sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro é “excelente.”

Milei depreciou a aliança comercial que a Argentina criou com Brasil, Paraguai e Uruguai há mais de três décadas. O Mercosul, cercado por divisões internas, tem lutado para implementar um acordo de livre comércio com a União Europeia fechado há quatro anos.

“O Mercosul é uma união aduaneira de má qualidade que cria distorções comerciais e prejudica seus membros”, afirmou.

-- Com a colaboração de Walter Brandimarte, Patrick Gillespie e Sydney Maki.

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