Bloomberg — Poucos dias depois de uma reunião na Casa Branca com o presidente Donald Trump, Jensen Huang foi aclamado por uma plateia em um palco em Pequim.
Em sua terceira viagem à China este ano, o nono homem mais rico do mundo anunciou esta semana que a Nvidia (NVDA) retomará as vendas de seus chips H20 na China, uma reversão abrupta da política do governo Trump.
Ele também fez a palestra de abertura de uma grande feira da cadeia de suprimentos em Pequim - falando brevemente em mandarim, conforme solicitado por seu anfitrião, o ex-funcionário do Ministério do Comércio da China Ren Hongbin - com um apelo claro para estreitar os laços comerciais.
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O episódio mostra que Huang, de 62 anos, tem se tornado cada vez mais hábil em executar uma delicada dança diplomática que beneficia sua empresa e ajuda as maiores economias do mundo a administrar suas diferenças.
O chefe da Nvidia há muito tempo mantém distância da política. Em janeiro, ele estava entre os poucos magnatas americanos da tecnologia que não participaram da cerimônia de posse de Trump, passando aquela semana na China, onde sua empresa tem cerca de 4.000 funcionários, e em Taiwan.
No entanto, tentar evitar que Washington e Pequim intensifiquem uma rivalidade que transformou sua tecnologia em uma arma agora se tornou uma parte essencial de seu trabalho - quer ele goste ou não.
Como Trump e o presidente chinês Xi Jinping ainda não definiram uma data para um encontro presencial que deve ocorrer nos próximos meses, uma questão mais ampla é se Huang poderia emergir como uma espécie de intermediário.
Enquanto Elon Musk, da Tesla, e Tim Cook, chefe da Apple, caíram em desgraça com Trump em diferentes graus, Huang manteve laços calorosos com o imprevisível líder americano.
“Huang está obviamente em boas relações com o governo Trump. No entanto, seu negócio de chips é um dos maiores pontos de conflito entre Pequim e Washington”, disse Feng Chucheng, sócio fundador da Hutong Research.
“É possível que os dois líderes queiram esse canal de comunicação, mas será que ele está disposto a isso?”
A Nvidia não quis comentar.
Ainda não se sabe quanto acesso Pequim concederá a Huang. Durante a viagem mais recente à China, o chefe da empresa de chips se reuniu com o vice-primeiro-ministro He Lifeng, que lidera as negociações da guerra comercial, e com o ministro do comércio Wang Wentao, mas não teve uma audiência com o alto escalão de líderes. “Seria uma honra ver o presidente Xi”, disse Huang. “Só que não fui convidado.”
A diplomacia se tornou prática obrigatória para os chefes corporativos que desejam manter grandes negócios nas maiores economias do mundo, dadas as sensibilidades políticas e as suspeitas de cada capital em relação à outra. Da mesma forma, Cook, da Apple, tem visitado regularmente a China enquanto procura se relacionar com o governo Trump.
Não está claro qual é a influência dos executivos, além de facilitar o caminho para suas próprias operações comerciais. As expectativas de que Musk - cujo gigante dos veículos elétricos tem uma presença significativa na China - se tornasse um canal de apoio nas relações entre os Estados Unidos e a China nunca se concretizaram.
O CEO da Tesla permaneceu calado sobre questões envolvendo Pequim este ano, antes de deixar o governo de Donald Trump.
Embora Huang tenha pouca ambição política, ele argumentou para sucessivos governos dos Estados Unidos que o endurecimento da proibição de exportação de chips apenas incentivaria a China a desenvolver um setor de produção nacional.
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Sua justificativa é simples: permitir que a Nvidia concorra com a campeã da China, a Huawei Technologies, em seu próprio território é essencial para que os Estados Unidos vençam a corrida da IA.
O Ministério do Comércio da China disse nesta sexta-feira (18) que os Estados Unidos deveriam abandonar sua “mentalidade de soma zero” e acabar com suas restrições comerciais “injustificadas” ao comentar sobre Washington ter suspendido a proibição dos chips H20.
Huang, cuja empresa se tornou a primeira a atingir um valor de mercado de US$ 4 trilhões neste mês, descartou as especulações de que teria influenciado a recente mudança de posição de Trump. Falando a um grupo de repórteres em Pequim, o CEO disse: “Não acho que o fiz mudar de ideia”.
Sensibilidade cultural
Ao longo dos anos, Huang demonstrou ser bem versado na cultura chinesa e capaz de se tornar popular em suas viagens.
Fotos do executivo dançando com um colete florido - tradicional do nordeste da China - durante a festa anual de sua empresa no ano passado se tornaram virais na internet do país asiático.
Os meios de comunicação estatais chineses destacaram esta semana as boas notícias sobre os chips H20, que ainda estão aquém dos produtos mais avançados da Nvidia.
Por sua vez, o americano naturalizado nascido em Taiwan elogiou os pesquisadores e empreendedores chineses de tecnologia, citando empresas locais de IA, posando para fotos com o CEO da Xiaomi, Lei Jun, e dizendo aos repórteres que é “infelicidade” do povo americano que os veículos elétricos da Xiaomi não estejam disponíveis nos Estados Unidos.
“Ele é um CEO habilidoso que, assim como o CEO da Apple e outros, deve navegar pelos ecossistemas de tecnologia da China e de fora da China o máximo possível”, disse Kurt Tong, ex-cônsul geral dos Estados Unidos em Hong Kong e sócio do Asia Group.
O bilionário nascido em Taiwan evitou polêmicas. Ele foi rápido em esclarecer seus comentários depois de se referir à democracia autônoma como um “país” no ano passado, enquanto visitava um dos mercados noturnos da ilha.
Essa referência desagradou a Pequim, e um porta-voz do escritório que cuida dos assuntos de Taiwan pediu que ele “estudasse a história”.
Dias depois, Huang disse: “Eu não estava fazendo um comentário geopolítico, mas agradecendo a todos os nossos parceiros de tecnologia daqui por todo o seu apoio e contribuições para o setor”.
Isso contrasta com o também titã da tecnologia Musk, que disse publicamente que Taiwan deveria estar efetivamente sob o controle de Pequim, alinhando-se com a visão de Xi sobre o assunto.
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Huang limitou seus comentários sobre o Estreito de Taiwan à forma como as restrições dos Estados Unidos aos chips poderiam influenciar os cálculos de Pequim sobre uma possível invasão da ilha, onde grande parte dos semicondutores do mundo, incluindo os da Nvidia, são fabricados.
“Você tem que se perguntar: em que momento eles simplesmente dizem: ‘Que se dane. Vamos para Taiwan. Não temos nada a perder’. Em algum momento, eles não terão nada a perder”, disse ele à Bloomberg Businessweek em 2023.
A tecnologia é um setor particularmente sensível para que um CEO atue como ponte entre as duas nações, devido ao desejo estratégico de ambos os lados de se dissociarem no longo prazo, disse Dominic Chiu, analista sênior da consultoria Eurasia. Mas ainda pode haver uma abertura mais imediata.
“No curto prazo, em meio a essas negociações, acordos transacionais e idas e vindas, pode haver algum espaço para que essas empresas de tecnologia sejam pontes”, disse Chiu.
-- Com a colaboração de Ian King, Josh Xiao, Lucille Liu, Jessica Sui, Colum Murphy, Luz Ding e Alan Wong.
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