Combater a crise dos apagões em Cuba custaria US$ 10 bilhões, segundo especialista

País sofreu quatro eventos de falta ampla de energia em um ano e não há solução de curto prazo para os problemas energéticos da ilha, disse o pesquisador Jorge Piñón, da Universidade do Texas, em entrevista à Bloomberg Línea

Pedestre em Havana, Cuba
29 de Setembro, 2025 | 09:23 AM

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Bloomberg Línea — Cuba registrou quatro apagões nacionais ao longo do ano. O mais recente ocorreu em 10 de setembro devido a uma falha na usina termoelétrica Antonio Guiteras, uma das oito usinas desse tipo existentes no país.

Os cortes diários de energia na ilha se intensificaram e o governo, que, além de manter os antigos sistemas de geração de energia, está apostando na instalação de parques solares em busca de uma solução, reconheceu a “gravidade” do colapso “seriedade” do colapso.

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Jorge Piñón, diretor do Programa de Energia para a América Latina e o Caribe da Universidade do Texas em Austin, disse à Bloomberg Línea que os apagões em Cuba não têm uma solução de curto prazo. Pelo contrário, seriam necessários de três a cinco anos de trabalho, além de um investimento de até US$ 10 bilhões.

Cuba necesitaría US$10.000 millones para superar los apagones, ¿cuál es el origen de la crisis?

O especialista também investiga por que a ilha está enfrentando uma crise de energia e como a biomassa da cana-de-açúcar pode ser a chave para enfrentá-la.

Por que a crise energética de Cuba tem se agravado nos últimos anos?

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Como as usinas termoelétricas são antigas, estão em operação há mais de 35 anos e não tiveram a mínima manutenção operacional e quase nenhuma manutenção de capital.

Nos últimos seis meses, pelo menos 40% das unidades de geração de energia de carga básica estiveram fora de serviço, seja para manutenção ou para manutenção de capital. E as que estão operando o fazem com menos de 80% da capacidade, porque são unidades fracas e não se pode exigir mais delas.

Essas usinas termoelétricas respondem por 40% da geração de energia. O restante é fornecido por grupos geradores, usinas flutuantes em barcaças turcas e, em menor escala, por energias renováveis.

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O que essa falta de manutenção tem a ver com as sanções dos EUA contra Cuba?

Se Cuba tivesse o câmbio e o dinheiro disponíveis, não para a manutenção operacional, mas para o capital, teria sido capaz de fazer isso. É verdade que o embargo coloca obstáculos financeiros para a capitalização ou recapitalização do sistema cubano. Mas essa não é a causa principal.

Há vários projetos que Cuba não conseguiu concluir, como um parque eólico em La Herradura, Las Tunas, um projeto 100% financiado pela China. Outro exemplo é Ciro Redondo, uma usina de biomassa que custou US$ 186 milhões, também pagos pela China, para gerar 62 MW, que está inativa devido à falta de biomassa de cana-de-açúcar.

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Cuba precisa de uma transformação econômica, acho que essa é a realidade, e a principal causa de tudo isso é a centralização do modelo econômico cubano.

E a manutenção que a Unión Eléctrica (UNE) de Cuba está fazendo agora, não é suficiente?

Não, porque é um problema estrutural e eles estão resolvendo com remendos, como dizemos.

O problema é que as usinas, que já estão obsoletas, operam com petróleo nacional extrapesado com alto teor de enxofre, o que é prejudicial, muito prejudicial, para elas.

Portanto, é um ciclo vicioso: eles consertam as usinas, mas elas quebram novamente por causa do petróleo bruto que as alimenta.

Qual é a situação dos grupos geradores?

Os grupos geradores, ou o que é chamado de energia distribuída, foram instalados em 2006, durante a famosa revolução energética, mas também exigem alta manutenção e funcionam com óleo com alto teor de enxofre. Eles são uma cópia carbono das usinas termoelétricas.

As usinas flutuantes em barcaças turcas ajudaram Cuba por pelo menos dois anos. O problema é que a ilha alugou todos os equipamentos, mas também teve que fornecer o combustível e, como não tinha dinheiro disponível para pagar o aluguel, restam apenas dois dos oito anos originais. Os outros foram para o Equador, a Guiana e a República Dominicana.

Cuba planeja instalar 50 parques solares até 2025 e pretende que 37% da energia seja gerada por fontes renováveis até 2030

Eu apoio as energias renováveis, como a solar, a eólica e a biomassa que esse plano prevê, mas não se pode colocar todos os ovos na mesma cesta.

Cuba optou por pequenos parques solares, cada um com 21 MW, em toda a ilha, mas sem um sistema de fornecimento de bateria, de modo que eles só podem ajudar o sistema de eletricidade em dias ensolarados e, quando há dias nublados, a contribuição é baixa. E à noite, por sinal, eles não podem contribuir.

Os franceses acabaram de construir um parque solar nos arredores de Houston, aqui no Texas, de 720 MW, com 225 MW de armazenamento de bateria.

Então, qual é a fórmula para sair da crise energética pela qual Cuba está passando?

É preciso haver um equilíbrio, de onde virá o restante da energia de que a ilha precisa? Eles continuarão queimando combustível doméstico ou petróleo bruto, que, a propósito, está diminuindo. Os poços cubanos foram descobertos pelos russos em 1972-1973.

Aplaudimos a meta de 37% de energia renovável, mas e o restante? Deveria ser gás natural liquefeito, seguindo os passos da República Dominicana, Porto Rico e Panamá.

O gás natural liquefeito pode ser trazido de Trinidad e Tobago, de uma futura Venezuela, de Angola, de qualquer número de mercados, para abastecer usinas termelétricas em vez de líquidos com alto teor de enxofre.

Além de optar por usinas que usam gás natural liquefeito, o que mais pode funcionar?

Cuba tem um potencial gigantesco de biomassa, assim como o Brasil, que usa a biomassa da cana-de-açúcar para gerar eletricidade. Mas das 56 usinas de açúcar que estão, entre aspas, operáveis, apenas 15 conseguiram terminar a última safra, e a ilha teve de importar açúcar no ano passado.

Eu esqueceria a perfuração de petróleo e apostaria no campo cubano, no conserto das usinas de açúcar e no aumento da produção de cana-de-açúcar.

Se você me disser amanhã: ‘Ei, aqui está uma nota de US$ 20, onde você a coloca? Eu diria biomassa, porque ela me dá açúcar, eletricidade e etanol, que, como combustível, pode reduzir a necessidade de importar gasolina.

Existe uma solução de curto prazo para as interrupções de energia na ilha?

Não há solução de curto prazo. Não há solução com remendos aqui e ali. É um problema estrutural.

A Siemens, da Alemanha, e a Total, da França, estiveram em Cuba em 2018 e, depois de dois anos lá, pensando em construir uma usina de gás natural, não conseguiram. Levaria de três a cinco anos e não havia dinheiro para construí-la, nem financiamento.

O consumidor cubano não pode pagar e o Estado também não. E Cuba não faz parte dos sistemas bancários internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, para pagar por esses projetos, porque um banco exigirá certas garantias do país.

Como você pode ver, a única coisa é que os russos ou os chineses lhe forneçam novas usinas de energia. Não vejo uma solução no curto prazo.

Quanto dinheiro seria necessário para Cuba substituir todas as usinas termoelétricas obsoletas?

Fizemos o cálculo usando um banco de dados da Agência Internacional de Energia e considerando o projeto de energia renovável de Cuba para 2030. Com base na geração de 60% da energia com usinas que usam 100% de gás natural, seriam necessários entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões e de três a cinco anos de trabalho.

Você acha que, eventualmente, a China ou a Rússia poderiam usar esse dinheiro para renovar o sistema de energia de Cuba?

Não, Cuba é como um peão no xadrez, uma peça pequena. Para a Rússia e a China, é mais importante ter uma Venezuela e uma Guiana. Eles querem demonstrar apoio político a Cuba, mas não apoio econômico que garanta uma renda de longo prazo.