Cães-robôs ganham espaço na polícia dos EUA e já atuam até em confrontos armados

Quadrúpedes robóticos têm sido usados em resgates de reféns, suspeitas de bombas e para lidar com suspeitos armados; mais de 60 equipes no país já utilizam modelo da Boston Dynamics, o que levanta questões éticas

Spot, the four-legged robot from Boston Dynamics Inc.Source: Boston Dynamics Inc.
Por Samantha Kelly
23 de Novembro, 2025 | 11:15 AM

Bloomberg — Spot, o robô quadrúpede da Boston Dynamics, ficou conhecido principalmente por seus vídeos virais dançando músicas como “Uptown Funk”. Mas além das acrobacias que fazem sucesso na internet, a capacidade de subir escadas e abrir portas indica um papel potencialmente controverso como ferramenta policial.

Cinco anos após sua estreia comercial, o robô de 34 quilos — do tamanho de um pastor-alemão — vem sendo usado cada vez mais por forças de segurança locais para lidar com confrontos armados, resgates de reféns e incidentes com materiais perigosos — situações em que enviar um humano ou um cão de verdade poderia colocar vidas em risco.

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Mais de 60 equipes antibomba e unidades táticas (SWAT) nos Estados Unidos e no Canadá já utilizam o Spot, segundo dados inéditos fornecidos pela Boston Dynamics à Bloomberg News.

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O uso desse tipo de tecnologia levanta questões sobre ética, supervisão e os riscos de ferramentas de padrão militar serem aplicadas no ambiente civil.

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Órgãos de defesa e segurança pública adotam cada vez mais tecnologias de ponta para reforçar suas operações. O financiamento para tecnologia de defesa ultrapassou US$ 28 bilhões em 2025 — alta de 200% em relação ao ano anterior, mesmo com o desaquecimento do mercado de venture capital em geral, de acordo com dados da PitchBook.

Os robôs, em particular, vêm ganhando espaço entre agências de segurança. O ICE, órgão de Imigração e Alfândega dos EUA, gastou recentemente cerca de US$ 78.000 em um robô da fabricante canadense Icor Technology capaz de realizar tarefas semelhantes às do Spot e ainda lançar bombas de fumaça, segundo registros de contratos.

A função do Spot dentro das equipes policiais varia. Em 2022, ele se aproximou de um homem que havia batido o carro ao tentar sequestrar o próprio filho em St. Petersburg, na Flórida, para monitorar a situação e verificar se ele estava armado.

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No ano passado, em Massachusetts, em dois episódios distintos, o robô ajudou a avaliar um acidente envolvendo resíduos químicos em uma escola de North Andover e atuou quando um suspeito em Hyannis fez a mãe refém com uma faca e atirou contra policiais.

O Spot foi enviado para encurralá-lo, e os agentes depois utilizaram gás lacrimogêneo para prendê-lo.

“Cumpriu sua função”, disse o policial John Ragosa, integrante da equipe antibomba da Polícia Estadual de Massachusetts e operador do Spot na missão de resgate. “O suspeito ficou atordoado, pensando: ‘Que cachorro é esse?’”

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O robô, cujo preço começa em cerca de US$ 100.000, pode operar de forma autônoma em muitas situações — realizando checagens de manutenção, detectando vazamentos de gás e inspecionando equipamentos com defeito — mas ainda depende de operadores humanos, como Ragosa, para decisões críticas.

Usando um tablet que lembra um controle de videogame, o operador conduz a máquina enquanto acompanha uma transmissão ao vivo feita pelo sistema de câmeras embutido. Outros sensores integrados cuidam da navegação e do mapeamento.

Em operações de alto risco, os agentes também podem assistir às imagens em telas maiores instaladas nas proximidades.

A tecnologia do Spot segue em evolução. A empresa adicionou recentemente um modo que ajuda o robô a se movimentar em superfícies escorregadias. E trabalha para aprimorar sua capacidade de manipular objetos no mundo real.

O uso de robôs em emergências está longe de ser novidade. Equipes antibomba utilizam robôs terrestres desde os anos 1980, mas sua adoção se ampliou nos anos 2000, segundo Robin Murphy, professora emérita de ciência da computação e engenharia da Texas A&M University.

O que diferencia o Spot, afirmou ela, é o design com quatro patas — que dá ao robô muito mais agilidade e destreza do que máquinas tradicionais que se movem sobre trilhos ou rodas.

Cerca de 2.000 unidades do Spot estão em operação no mundo, segundo a Boston Dynamics. As utilizações incluem organizações como o Ministério da Defesa da Holanda e a polícia nacional da Itália.

Embora a maior parte dos clientes da empresa ainda seja formada por indústrias — fabricantes e concessionárias de serviços públicos — o interesse de forças policiais disparou nos últimos dois anos, afirmou Brendan Schulman, vice-presidente de políticas públicas e relações governamentais da Boston Dynamics.

A Polícia Estadual de Massachusetts possui atualmente dois robôs Spot — um comprado em 2020 e outro em 2022 — cada um custando cerca de US$ 250.000, incluindo acessórios, e financiado principalmente por verbas estaduais, disse Ragosa.

Ele afirma esperar que a corporação adquira uma terceira unidade em breve. Outras grandes cidades também já montaram frotas: Houston opera três Spots, enquanto Las Vegas tem um, segundo a Boston Dynamics.

Nem todos os departamentos têm estrutura para possuir robôs avançados, disse Murphy, acrescentando que a questão é avaliar se o alto custo e a complexidade dos robôs com patas realmente compensam a mobilidade extra.

Os custos não são a única preocupação. Grupos de defesa de liberdades civis e especialistas em tecnologia alertam que o uso de robôs semiautônomos pela polícia pode normalizar uma abordagem mais militarizada da segurança pública.

Em 2021, o Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) suspendeu temporariamente o uso limitado do Spot após forte reação do público, com críticos questionando tanto a despesa — em meio a restrições orçamentárias — quanto o papel mais amplo do robô em atividades de vigilância.

O NYPD retomou o programa posteriormente e comprou duas unidades, segundo a Boston Dynamics.

Algumas forças policiais de maior porte também utilizam robôs de padrão militar, como os PackBots, originalmente desenvolvidos pela iRobot. Essas máquinas portáteis podem ser operadas remotamente, usar atuadores para lidar com armas ou inspecionar pacotes suspeitos e ainda se comunicar com suspeitos em situações de reféns por meio de um sistema de áudio.

Eles são usados há anos em operações de resposta a desastres — inclusive nos escombros do World Trade Center após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando ajudaram a vasculhar destroços.

A Boston Dynamics também afirma exigir que seus clientes na área de segurança pública descrevam exatamente como pretendem usar o Spot antes do envio de cada unidade.

Beryl Lipton, pesquisadora sênior do Electronic Frontier Foundation (EFF), disse que as empresas têm limitações quando tentam restringir o uso de suas ferramentas depois que elas entram nas mãos da polícia.

“Não dá para confiar somente na boa vontade de uma empresa em praticamente nenhuma dessas tecnologias”, afirmou. “Não importa quem fabrica a arma — em geral, existem regras para seu uso.”

Do ponto de vista da vigilância, Lipton disse que o EFF defende a existência de leis estaduais — e, idealmente, federais — que estabeleçam diretrizes básicas sobre o que é aceitável.

Embora reconheça que não pretende “ficar esperando” por regulações específicas para cada caso de uso, ela ressaltou a necessidade de divulgação pública e participação ativa de câmaras municipais e órgãos de fiscalização eleitos.

Ela também demonstrou preocupação de que o uso de cães-robôs permita que forças policiais deem uma aparência mais simpática à adoção de tecnologias capazes de ampliar seu aparato.

“Uma das coisas que nos deixam mais cautelosos sobre esses chamados cães-robôs é essa normalização e essa forma quase afetuosa de chamá-los de ‘cães’”, afirmou. “Isso cria uma percepção pública amigável quando, na realidade, não se trata de um cão — é mais uma peça da tecnologia policial.”

Ryan Calo, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Washington especializado em legislação sobre robótica, afirmou que a tecnologia pode aprofundar o ceticismo do público em relação às forças de segurança e reforçou que diretrizes claras são essenciais para um uso seguro.

“O desconforto que as pessoas sentem diante de robôs não é apenas um capricho psicológico”, disse. “Eles causam estranhamento por um motivo.

O uso excessivo de robótica na polícia vai desumanizar ainda mais os agentes e enfraquecer laços comunitários que foram fundamentais para o policiamento ao longo dos anos.”

Ragosa, da Polícia Estadual de Massachusetts, disse que sua corporação também utiliza drones e outros tipos de robôs em certas missões. Mas a vantagem do Spot, em sua visão, é que ele consegue acessar locais onde muitos drones não chegam e operar de forma mais eficiente do que outros robôs.

A bateria também dura mais, acrescentou: cerca de uma hora e meia no Spot, contra 20 a 30 minutos nos drones.

Ele também pode ter desempenho melhor em ambientes internos e ser treinado para executar missões autônomas sem um operador remoto, disse Calo. “Poucos drones conseguem fazer isso com confiabilidade”, afirmou.

Ainda assim, Calo acredita que a robótica pode desempenhar um papel valioso quando usada com transparência e dentro de limites claros.

“Não acho que todo policial precise de um parceiro robótico”, afirmou. “Mas o uso de robôs em determinadas situações previamente especificadas por escrito faz sentido. Ninguém quer que policiais arrisquem a vida ou deixem de compreender a situação em uma emergência — nem queremos viver em um Estado policial robótico.”

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