Argentina segue atrativa, mas eleições pedem cautela, dizem analistas do BTG Pactual

Em entrevista à Bloomberg Línea, o economista Andrés Borenstein e a analista Sofia Ordoñez, do banco brasileiro, veem um cenário eleitoral incerto que exige uma postura cautelosa no curto prazo

Buenos Aires: As disparidades nas pesquisas eleitorais indicam uma competição acirrada entre as forças políticas, obrigando os economistas a sinalizar cautela. (Foto: Erica Canepa/ Bloomberg)
05 de Setembro, 2025 | 05:45 PM

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Bloomberg Línea — O BTG Pactual mantém uma visão fundamentalmente otimista sobre a renda fixa argentina denominada em dólares, embora seus analistas recomendem cautela antes das próximas eleições legislativas na província de Buenos Aires, no domingo (7).

Em uma entrevista à Bloomberg Línea, o economista Andrés Borenstein e a analista Sofía Ordoñez, do banco brasileiro, descreveram sua estratégia de “pagar para ver” em um cenário em que as pesquisas eleitorais estão muito dispersas para que se tomem posições agressivas.

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A incerteza eleitoral levou o BTG Pactual a adotar uma posição neutra depois de manter uma recomendação de compra até algumas semanas atrás.

“Decidimos colocar um alerta e um bloqueio antes da votação no Congresso, há algumas semanas, e nos colocamos em uma posição mais neutra”, explicou Ordoñez, que observou as limitações históricas das eleições na previsão de resultados na Argentina e, especialmente, com o comparecimento dos eleitores tão baixo quanto tem sido nas recentes eleições

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Em sua segunda passagem pelo maior banco de investimentos da América Latina, com mais de US$ 300 bilhões em ativos sob gestão, Borenstein destacou o valor de longo prazo de “um país sem déficit”.

“Se isso continuar, a tendência deve ser de queda do risco-país e, portanto, de alta dos títulos”, disse ele, embora tenha esclarecido que um desempenho ascendente no curto prazo não é garantido, dadas as eleições de meio de mandato.

Os títulos argentinos sob a lei de Nova York sofreram pressões de venda nas últimas semanas, acumulando quedas de cerca de 5% desde as máximas de agosto.

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Cenário de paridade eleitoral complica projeções

O resultado do domingo no maior distrito do país será lido como um termômetro do que ocorre em nível nacional na rivalidade entre La Libertad Avanza e o peronismo, a principal força de oposição ao governo de Javier Milei.

O teste definitivo virá em 26 de outubro, nas eleições legislativas que determinarão a composição do Congresso Nacional, no qual o presidente argentino precisa passar de uma posição minoritária para números que lhe permitam avançar com sua agenda de reformas trabalhistas, previdenciárias e tributárias.

A dispersão nas pesquisas pré-eleitorais reforça a postura cautelosa do BTG Pactual. Enquanto um estudo da empresa de consultoria Aresco mostra o Fuerza Patria, liderado pelo governador de Buenos Aires e peronista Axel Kicillof, com 36,7% dos votos contra 34,8% do La Libertad Avanza em nível provincial, a empresa de consultoria Isasi-Burdman projeta o resultado oposto.

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A batalha se intensifica na crucial Terceira Seção Eleitoral (correspondente aproximadamente ao sul e parte do oeste da região metropolitana de Buenos Aires), um bastião histórico do peronismo.

Lá, a Aresco vê o Partido Justicialista à frente com 41,7% a 28,3%, a Opinaia amplia a diferença para mais de dez pontos, mas a Isasi-Burdman prevê uma vitória esmagadora dos libertários com 35% contra 31% em um território tradicionalmente kirchnerista.

Em linha com o consenso do mercado, o banco brasileiro estabeleceu parâmetros para a interpretação dos resultados: uma derrota do partido libertário por menos de cinco pontos percentuais seria digerível para o mercado, enquanto uma diferença maior poderia gerar correções adicionais de baixa para os ativos argentinos.

“Se o La Libertad Avanza sair vitorioso, vemos uma forte correção para cima nos preços”, disse Borenstein, observando que o mercado já precifica uma derrota de cinco a seis pontos para o partido governista.

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Deterioração do ambiente político e econômico

Além do escândalo sobre os áudios vazados envolvendo figuras do governo, os economistas identificam uma deterioração mais ampla do contexto político e econômico argentino.

“O risco pode ter sido muito, muito baixo há três meses, mas hoje não é tão baixo assim”, reconheceu Borenstein, citando indicadores de confiança do governo e do consumidor que mostraram quedas mesmo antes de as gravações serem divulgadas.

De acordo com uma pesquisa da Management & Fit, embora 94,5% estejam cientes do caso de suposto suborno na Agência Nacional de Deficiência e mais de 70% o considerem grave, 82,6% dizem que isso não alterará seu voto.

A economia argentina experimentou uma recuperação “simplesmente impressionante” entre meados de 2024 e fevereiro de 2025, mas desde abril a atividade desacelerou acentuadamente.

“Os salários que haviam se recuperado muito pararam de se recuperar, o crédito que havia crescido muito começou a crescer muito mais lentamente”, detalhou Borenstein, que reduziu suas projeções de crescimento para este ano, juntamente com a maior parte do mercado.

Entretanto, o BTG Pactual avalia que o “efeito estoque” das realizações do governo - principalmente a redução da inflação de 211% para uma projeção de 27-28% ao ano - pode superar o “efeito fluxo” do recente esfriamento econômico.

“Obviamente, é difícil dizer antes da eleição, mas minha impressão é que o efeito estoque supera o efeito fluxo”, disse o economista.

Intervenções cambiais do Tesouro

O anúncio feito pelo governo na terça-feira (2) de que interviria no mercado de câmbio para conter a volatilidade do dólar levantou preocupações específicas entre os investidores externos.

Se “o governo usar esse estoque de depósitos em dólares, serão depósitos que os investidores especularam que seriam usados em janeiro para fazer os pagamentos da dívida”, alertou Ordoñez, observando que isso torna “mais exigente a necessidade de acumular reservas”, à medida que se aproximam os vencimentos de cerca de US$ 4 bilhões que caem em janeiro.

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O BTG Pactual mantém como cenário base que um resultado eleitoral favorável permitiria ao governo melhorar sua situação financeira e acessar novos fluxos de dólares, seja por meio de emissão de dívida local ou de compras em bloco no mercado.

“Se esses fundos não forem suficientes para o pagamento de janeiro, não vejo nenhuma dificuldade em usar parte dos muitos recursos disponíveis do FMI”, disse Borenstein, descartando completamente qualquer risco de inadimplência.

Photographer: Tomas F. Cuesta/Bloomberg

Carry trade limitado

Apesar das altas taxas reais que atualmente marcam o cenário financeiro argentino, os economistas consideram a atratividade do carry trade limitada devido à alta volatilidade.

“Se alguém dissesse que, a partir de agora, não haverá mais volatilidade e você ficará com taxas como as que temos hoje, poderíamos dizer muito bem, mas evidentemente isso não está acontecendo”, explicou Borenstein.

A volatilidade tem se manifestado “em quase todos os cantos do sistema financeiro”, o que afasta os grandes operadores internacionais.

“Não estou dizendo que não há carry trade, mas não um há carry trade maciço, são operações pequenas de alguns participantes”, disse ele. Ordoñez enfatizou que eles recebem mais consultas quando há estabilidade na taxa de câmbio, mesmo com taxas de câmbio menos atraentes: “Recebemos mais consultas há alguns meses do que agora”.

“Todos estão na expectativa e observando um pouco como será a dinâmica cambial após as eleições e, obviamente, também as taxas”, acrescentou Ordoñez.

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As ações argentinas, que acumulam uma queda de cerca de 30% em termos de dólar ao longo de 2025 em alguns casos, têm o maior potencial de recuperação em um cenário favorável.

“Diante de um bom resultado eleitoral e de uma normalização da economia, pode-se pensar que elas teriam a maior alta”, disse Borenstein, embora tenha alertado para os riscos inerentes à “falling knife”. Os analistas setoriais do banco mantêm recomendações de compra para bancos e empresas de energia.

Reservas internacionais

A acumulação de reservas continua a ser crucial para a compressão do risco-país, que fechou agosto em 829 pontos-base, quase o dobro da média latino-americana.

“Na medida em que o governo mostrar esforço para acumular reservas e alguns dos fatores que estamos vendo se materializarem, ele deverá eventualmente ter acesso aos mercados”, projetou Ordoñez, sugerindo que taxas entre 7% e 10% poderiam estar disponíveis no próximo ano.

No entanto, Borenstein foi realista quanto às restrições estruturais: “Não estamos pensando que a Argentina fará comércio como o Brasil, o Chile ou o Uruguai”. Atingir reservas equivalentes a 10% do PIB – cerca de US$ 70 bilhões – “não vemos isso nos próximos dois ou três anos”, disse.

O contexto internacional apresenta luzes e sombras. Embora o esperado corte nas taxas do Federal Reserve possa beneficiar os mercados emergentes, os preços das commodities não estão ajudando: a soja está sendo negociada a US$ 380, quando sua média histórica ajustada pela inflação é de US$ 515, e o petróleo caiu US$ 10 em relação a seis meses atrás.

“Eu não diria que estamos enfrentando um mundo hostil, mas também não é ótimo”, concluiu Borenstein.

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