Bloomberg Línea — Existe um aparente contraste entre a oferta e a demanda de vinhos no Brasil.
Um levantamento dos cem melhores rótulos à venda no país por uma revista especializada apontou que o mais barato entre os grandes vinhos no mercado custa R$ 336.
Além disso, o Brasil tem sido citado como “porto seguro” para muitas vinícolas estrangeiras, que querem aumentar sua presença no mercado local, muitas delas com foco especialmente no mercado premium.
Por outro lado, estudos sobre o comportamento do consumidor mostram que o ticket médio no carrinho do brasileiro não passa de R$ 50.
O abismo entre os dois segmentos pode passar a impressão de que não existem vinhos bons e baratos no país. Mas é possível comprar uma boa garrafa por menos de R$ 100 no Brasil, ainda que a tarefa se torne mais difícil a cada ano, segundo especialistas.
“O universo de bons vinhos abaixo de R$ 100 está encolhendo”, disse o crítico e sommelier Marcel Miwa em entrevista à Bloomberg Línea.
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A constatação aparece com nitidez na terceira edição do Guia dos Vinhos, publicação independente da qual Miwa é co-autor. O trabalho avalia rótulos disponíveis no mercado nacional em degustações às cegas e já soma mais de 1.600 garrafas provadas nos últimos três anos.
Segundo Miwa, enquanto na edição 2024 os rótulos nessa faixa mais baixa de preço representavam 24% do total, agora caíram para 17,5%.
O guia organiza as degustações às cegas em três faixas de preço: até R$ 100, de R$ 101 a R$ 200 e de R$ 201 a R$ 300.
Os provadores sabem apenas país, região e se o vinho é tinto ou branco. Não se misturam estilos nem categorias de preço. Segundo Miwa, isso ajuda a dar contexto e comparar vinhos “com seus pares de prateleira”.
“O tema do guia nasceu justamente desse incômodo com o bolso. Nós trabalhamos com vinho o dia inteiro, mas, na hora de comprar para nós mesmos, é o bolso de pessoa física que pesa”, disse.
Ele explicou que a preocupação com preço é também um retrato do consumidor médio.
“Na maioria das vezes, a primeira diretriz quando escolhemos um vinho é a coluna da direita, ou seja, quanto eu posso gastar para essa noite”, explicou.
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A partir dessa metodologia, o movimento ficou claro.
“Dentro dessa perspectiva, a constatação foi chocante. Na faixa de até R$ 100 diminuiu tudo. A pontuação média diminuiu, a quantidade de amostras diminuiu”, disse.
“A constatação geral foi que está mais difícil comprar vinhos até R$ 100.”
O encolhimento aparece com mais força nos tintos.
No ano passado, quatro rótulos portugueses entraram no Top 10 da categoria de tintos até R$ 100. Na edição atual, o ranking foi dominado por Chile e Argentina, com uma menção brasileira da vinícola Pizzato.
Entre os brancos, Portugal ainda conseguiu dois rótulos entre os “Dez Mais”, mas o topo do pódio ficou com um alvarinho brasileiro da Miolo.
A chamada “diáspora portuguesa” é, para o guia, um efeito direto do peso da tributação para vinhos da União Europeia.
“Nessa barreira de R$ 100, a questão tributária começa a fazer diferença. Os europeus começam a perder vantagem nessa faixa”, avaliou Miwa.
Ainda assim, há vinhos abaixo de R$ 100 que se destacam. “Existem bons vinhos abaixo de R$ 100, sim. Encontramos vinhos de 93 pontos nessa faixa”, disse.
Um destaque é o Trivento Reserve Malbec, da Argentina, que custa R$ 75 e recebeu nota 93. “Ele tem tudo o que buscamos nos malbecs bem mais caros: expressão floral, tanino mais firme, frescor. Fugiu daquela compota, daquela geleia que nos acostumamos a ver”, disse.
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Também teve a nota mais alta o chileno Metropolitano, produzido pelo Grupo Wine, o mais barato da lista, por R$ 47. “É um cabernet que tinha fruta e frescor. Não tenta mascarar nada com madeira. A gente costuma esperar alguns defeitinhos nessa faixa de preço, mas é um vinho super honesto, super franco”, afirmou.
Entre os brancos até R$ 100, o primeiro lugar foi justamente o alvarinho brasileiro da Miolo, que custa R$ 88, recebeu 92 pontos e que segue a tendência mais marcante das últimas edições: a busca por frescor.
Para o guia, o consumidor brasileiro acompanha um movimento global que deixou para trás a era da concentração e da madeira pesada.
O frescor, a acidez, o sabor de fruta limpa e o álcool mais contido favorecem vinhos simples bem-feitos, muitas vezes produzidos em regiões mais frias ou com vinificações menos intervencionistas.
Para Miwa, o mercado tem ficado mais difícil para quem quer comprar vinhos baratos, mas ainda oferece alternativas acessíveis e de boa qualidade.
“A constatação de que está mais difícil comprar vinhos até R$ 100 reforça a importância de fazer essa curadoria”, disse.
Como reduzir os riscos na escolha
Enquanto o guia foca em uma curadoria ampla e baseada em degustação completamente às cegas, há outros especialistas que defendem a existência de vinhos bons e baratos no Brasil, mas com uma expectativa mais moderada.
“Nessa faixa de preço abaixo de R$ 100, o objetivo é diminuir o risco de entrar em fria. É importante encontrar uma bebida boa e saborosa, mas não dá para esperar achar o melhor vinho, que vá encantar”, disse Julio Ziegelman, criador do canal Assunto Vinho no YouTube, à Bloomberg Línea.
Ex-executivo do mercado financeiro e estudante do diploma da WSET, Ziegelman construiu uma audiência justamente ao testar, às cegas, rótulos de preços variados, desde os mais caros e premiados aos mais baratos encontrados no supermercados.
Em um vídeo recente, ele avaliou quatro vinhos que custavam até R$ 30. “Eu esperava que os vinhos fossem aceitáveis, nada mais do que isso, mas dois dos vinhos eram bons”, contou.
Ele faz questão de explicar o sistema que adota nas análises: classifica os vinhos em quatro categorias: aceitável, bom, muito bom e excelente.
Um vinho aceitável é aquele que não tem defeito, mas também não proporciona muito prazer. Um vinho bom é aquele que proporciona algum prazer, mas não necessariamente emociona.
Quando organizou as notas dos vinhos baratos que analisou, Ziegelman encontrou um retrato que considerou positivo do mercado brasileiro. Entre 23 vinhos avaliados até R$ 100 desde o ano passado, apenas três ficaram abaixo de 86 pontos, faixa que ele classifica como aceitável. Seis rótulos tiveram entre 90 e 92 pontos.
Ele ponderou que há uma pré-seleção, já que escolhe para o canal vinhos pedidos pelo público ou que julga promissores, mas vê espaço real para boas compras.
Em nome da citada redução de riscos, o apresentador elencou dicas a serem seguidas na hora de comprar um vinho barato. A primeira é buscar safras recentes, já que vinhos econômicos envelhecem rápido e podem chegar cansados à prateleira.
A segunda é evitar vinhos com álcool muito alto em rótulos baratos, porque em vinhos de produção em massa o equilíbrio costuma ser mais difícil quando o teor alcoólico sobe.
Outro filtro importante, em sua avaliação, é aproveitar a vantagem tributária do Mercosul.
Dado um mesmo custo de produção, vinhos de Argentina, Chile e Uruguai tendem a chegar ao Brasil com preço final mais competitivo do que equivalentes europeus.
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Além disso, recomenda ficar com as uvas e as regiões mais conhecidas de cada país e região, como Malbec de Mendoza na Argentina ou Cabernet Sauvignon e Carménère no Chile.
Produtores familiares ao consumidor e, quando houver, denominações de origem também entram na lista de elementos que diminuem a chance de erro.
Nos vídeos voltados a iniciantes, Ziegelman destacou ainda o papel dos tintos chilenos de perfil mais “redondo”, com fruta madura e pouca aspereza, como uma porta de entrada previsível para quem quer gastar pouco e não quer ser desafiado por taninos firmes e acidez alta.
Bons, mas caros
Na análise do Guia dos Vinhos, quando a barra de preço sobe acima dos R$ 100, o cenário de qualidade melhora e a diversidade cresce.
“Na faixa de R$ 101 a R$ 200, os europeus entram com tudo”, disse Miwa.
Mas é no intervalo entre R$ 201 e R$ 300 que ele disse enxergar a categoria mais vibrante do mercado brasileiro, com tintos de perfis muito distintos e brancos de oito origens diferentes, da Alemanha ao Etna.
“Encontramos vinho com perfil de super toscano. É um jeito de provar um estilo de vinho de R$ 1.000 gastando bem menos”, disse.
O guia optou por parar em R$ 300 por entender que, acima disso, o preço passa a refletir cada vez mais marca, história e escassez do que custo de produção.
Miwa citou a lógica associada ao crítico Robert Parker.
“A partir de R$ 300 você começa a pagar outros valores: história, tradição, marca, oferta e demanda. O Parker dizia que, na lógica norte-americana, o custo de um vinho, por melhor que seja, chega no máximo a US$ 100. Tudo o que é cobrado a partir daí é especulativo”, afirmou.









