Bloomberg Línea — A Argentina tem o produto e as celebridades que o bebem, mas ainda não capitalizou o impulso para fazer suas exportações de erva-mate decolarem. E o crescimento da popularidade gobal da bebida acaba beneficiando o Brasil, maior exportador do produto.
Enquanto Lionel Messi, Antoine Griezmann, James Hetfield, do Metallica, e o ator Jason Momoa são mostrados bebendo em cabaças de bombilla tradicionais diante de milhões de fãs, a Argentina exportou apenas 15% dos 302,8 mil toneladas de erva-mate que produziu em 2024. Já o Brasil vendeu 48,9 mil toneladas no mesmo ano, 41% a mais do que uma década antes.
O crescimento das vendas externas é uma oportunidade que o governo de Javier Milei está buscando promover por meio da desregulamentação do setor da erva-mate.
“Você tem o mundo inteiro para conquistar. Você tem [Franco] Colapinto [da Fórmula 1] e Leo Messi bebendo mate, [Antoine] Griezmann. Acho que a indústria da erva-mate está muito encapsulada em sua bola de cristal”, disse o ministro da desregulamentação de Milei, Federico Sturzenegger, em uma entrevista à Bloomberg Línea.
“Estamos totalmente disponíveis para ajudar as províncias, para ajudar o setor, para liberar os obstáculos e facilitar a conquista do mundo. Acho que é um produto muito nobre e não vejo por que ele não poderia ter um futuro extraordinário”, acrescentou.
Embora a eliminação das restrições no mercado de carne bovina tenha catapultado a Argentina para um recorde histórico de exportação em 2024, a erva-mate enfrenta um desafio mais complexo, já que historicamente tem sido uma bebida de nicho fora do Cone Sul da América do Sul.
O consumo de erva-mate fora da Argentina não está crescendo na mesma proporção que o observado no mercado interno, explicou a este jornal Juan Carlos Theas, representante da Cooperativa Yerbatera Andresito para o mercado internacional.
Atualmente, quase 80% das exportações argentinas estão concentradas no mercado árabe, especialmente em países com comunidades sírio-libanesas, que sustentam uma demanda tradicional, estável e ligeiramente crescente, disse ele.
No entanto, nas duas últimas décadas, alguns sinais encorajadores começaram a aparecer: a marca Yerba Madre, anteriormente conhecida como Guayakí e fundada pelo argentino Alex Pryor, começou a atacar o mercado dos EUA no formato de uma bebida gelada vendida em latas. Mais tarde, a Coca-Cola lançou sua própria linha de Honest Yerba-Mate.
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Atualmente, o mercado global de erva-mate vale cerca de US$ 2,4 bilhões, de acordo com a Future Market Insights, que projeta que ele chegará a US$ 4,3 bilhões até 2035. Devido à liderança da Argentina no consumo local, o setor é dominado por marcas argentinas, incluindo Las Marías, com 20-24% do mercado global, seguida por Taragüí (12-16%), CBSe (8-12%) e Rosamonte (6-10%).
A China será o mercado de crescimento mais rápido, com 8,2% ao ano, seguida pela Alemanha (7,1%) e pelos EUA (6,5%), de acordo com a Future Market Insights.
Brasil no topo
Apesar de ser o país com o maior consumo de erva-mate, a Argentina não lidera o ranking de exportação.
Entre 2014 e 2024, as exportações brasileiras de erva-mate cresceram 14,3 mil toneladas, passando de 34,6 mil toneladas em 2014 para 48,9 mil toneladas em 2024, segundo dados do Banco Mundial. Ou seja, um crescimento de 41%.
No mesmo período, as vendas argentinas para outros países cresceram em uma porcentagem menor, 30%, para 44 mil toneladas, de acordo com dados do Instituto Nacional da Erva-Mate (INYM).
Somente em 2024, o Brasil abriu 13 novos mercados, incluindo Rússia, Japão, Reino Unido, México e Coreia do Sul, além de fechar acordos com a União Econômica Eurasiática para exportar erva-mate em seu formato simplificado, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária do gigante sul-americano.
A história ecoa o setor de soja, onde a Argentina estagnou com o aumento das tarifas de exportação, enquanto o Brasil, sem restrições regulatórias ou tributárias, decolou. A Argentina produziu 61 milhões de toneladas em 2014 e caiu para 48 milhões de toneladas em 2023, enquanto o Brasil saltou de 97 milhões para 155 milhões de toneladas no mesmo período.
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Com a erva-mate, o padrão ameaça se repetir: enquanto a Argentina tem o produto, as marcas e o “marketing gratuito” das celebridades, o Brasil conseguiu a execução para conquistar novos mercados.
Na ausência de um mercado externo, o setor de erva-mate enfrenta atualmente uma perspectiva adversa em nível local.
A safra recorde de 2024 na Argentina, com 982 mil toneladas de folhas verdes produzidas, reduziu os preços ao produtor em 50%. “Na ausência de expectativas de inflação e sem financiamento acessível, ninguém compra erva por precaução”, como nos últimos anos, explica Darío Bruera, da Federação de Associações Rurais e Florestais de Misiones (FARM).
Impacto de redes sociais
O caso da Cachamai, uma marca do Grupo Werthein, ilustra o potencial de exportação da Argentina. “Recentemente, fizemos uma venda de erva-mate para o Vietnã graças a uma operação comercial com um tiktoker”, disse Graciela Rastelli, CEO da marca, à Bloomberg Línea.
Não se trata apenas de celebridades globais: há um fenômeno crescente de influenciadores no TikTok e no Instagram divulgando o mate como uma bebida energética natural, uma alternativa ao café e ao chá, entre o público jovem, abrindo portas que as estratégias tradicionais não conseguiram. O Vietnã se junta aos mercados da Cachamai ao lado dos Estados Unidos, Alemanha, México, Japão, França, Nova Zelândia e Costa Rica.
“O fato de celebridades como Lionel Messi, Franco Colapinto e James Hetfield, do Metallica, beberem mate em público ajuda a aumentar a conscientização sobre essa infusão em todo o mundo“, disse Rastelli. Para o executivo, o fato de atletas de alto desempenho como Griezmann e Luis Suárez beberem “é uma excelente carta de apresentação para a infusão”.
Ele também enfatizou que “há instituições médicas internacionais que começaram a falar sobre as excelentes condições naturais que o mate tem para o organismo”.
“Agora estamos analisando a possibilidade de vender para a Tailândia. Muitas dessas possibilidades são geradas pela divulgação internacional do produto na imprensa global e nas redes sociais”, acrescentou.
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Estratégias regional e global
Darío Bruera propõe uma abordagem mais conservadora para o crescimento da erva argentina: primeiro conquistar os mercados vizinhos. “O Brasil, o Chile e o Uruguai são grandes consumidores per capita, mas eles compram principalmente a erva brasileira”, diz o líder da FARM. A oportunidade é concreta: “Hoje temos uma erva mais barata do que eles em dólares”, mas isso exige “uma política bastante agressiva como país”, com instrumentos financeiros e fiscais específicos para desenvolver produtos adaptados ao paladar de cada mercado.
A desregulamentação promovida por Sturzenegger teve efeitos positivos imediatos, para Bruera. Mais de 20 novas marcas surgiram e muitos produtores descobriram que o envase de sua própria erva os deixa 30% mais lucrativos do que a venda de folhas verdes para grandes empresas. “Colocando sua própria erva em uma embalagem, produzindo sua própria erva, eles obtêm 30% ou 40% a mais de lucratividade com seu produto”, diz Bruera, que vê com bons olhos a eliminação das restrições ao plantio de erva e a liberalização dos preços.
E com um alcance global em mente, o relatório da Future Market Insights destaca que a inovação em sabores e formatos é “pronta para beber ” e “pronta para beber ”pronto para beber será fundamental para capturar o crescimento projetado, especialmente na Ásia e na Europa. As empresas argentinas têm a experiência e a qualidade; agora precisam se adaptar aos novos consumidores em outras latitudes.
“Fora da Argentina, do Paraguai, do Uruguai e do sul do Brasil, o mate não é um hábito social, mas mais individual”, observa Rastelli, um insight quando se trata de desenvolvimento de produtos. “Não temos dúvida de que o consumo de mate continuará crescendo, e até mesmo o uso da erva-mate como matéria-prima para fazer várias bebidas”, disse.
O desafio é transformar a tradição em inovação sem perder a essência. Mais de 50% do mercado global prefere a folha solta, o formato tradicional que a Argentina domina, mas o segmento de bebidas prontas para beber e produtos funcionais está crescendo mais rapidamente, de acordo com o relatório da Future Market Insights.
Para Theas, da Cooperativa Andresito Yerbatera, o verdadeiro potencial de expansão da erva-mate está no segmento de infusões em sachês, conhecido na Argentina como “mate cocido”.
“O mercado de infusões e bebidas funcionais é o que precisa ser desenvolvido”, disse ele, e alertou que hoje esse mercado é abastecido principalmente pela erva-mate brasileira, como resultado do forte crescimento do Brasil nos últimos 15 anos. Nesse sentido, ele destacou que, entre os três maiores produtores da região, o Brasil é o único que ainda tem espaço para continuar expandindo seu consumo interno.