Menos vodca, mais vinho: como Putin quer fazer dos vinhedos um símbolo da força russa

Produção de vinho na região cresce 25% desde a invasão russa em grande escala à Ucrânia, em fevereiro de 2022; para aumentar as vendas, o governo propôs uma cota de “prateleira de vinhos russos”

Para aumentar ainda mais as vendas, o governo propôs uma cota de “prateleira de vinhos russos”, que exigem que pelo menos 20% dos vinhos vendidos em lojas de varejo sejam produzidos internamente
Por Sofia Sorochinskaia
15 de Agosto, 2025 | 11:43 AM

Bloomberg — No desfile do Dia da Vitória, celebrado em 9 de maio, Moscou recebeu os líderes mundiais com vinhos do sul da Rússia e da Crimeia, a península ucraniana que foi anexada ilegalmente em 2014.

Não há registro do que o presidente da China, Xi Jinping, ou o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, fizeram com os vinhos, mas a escolha não foi acidental.

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Em uma reunião com Mikhail Razvozhayev, governador da maior cidade da Crimeia, Sevastopol, o presidente Vladimir Putin enfatizou que “somente vinhos russos” foram servidos no evento que marcou o 80º aniversário da derrota da Alemanha nazista.

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A produção de vinho aumentou em 25% desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, de acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), um órgão intergovernamental que monitora os padrões globais para a produção de vinho.

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O vinho é um setor pequeno da economia russa, mas o negócio faz parte de um esforço patriótico mais amplo empregado por Putin para promover a autossuficiência econômica, à medida que Moscou tenta driblar as sanções ocidentais e reanimar uma economia em declínio.

A produção está em seu nível mais alto em uma década, com mais de um terço do vinho russo vindo da região de Krasnodar, no Mar Negro.

O consumo doméstico também aumentou, e chegou a 8,1 milhões de hectolitros, ou mais de 1 bilhão de garrafas, em 2024.

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(Fonte: dados compilados via Bloomberg)

Em contraste, a produção de vodca, a bebida mais associada à Rússia, caiu 26,3% para 760.000 hectolitros nos dois primeiros meses de 2025, o nível mais baixo em quase uma década, informou o RBC, um dos maiores grupos de mídia privados da Rússia.

Mas o crescimento das vendas de vinho nacional tem dois lados para Moscou. Ele também reflete o impacto das sanções que mantém muitos vinhos ocidentais fora das prateleiras dos supermercados e dos cardápios dos restaurantes.

No ano passado, a Rússia aumentou as tarifas sobre os vinhos dos chamados países “hostis” - uma lista elaborada em 2021 que inclui os EUA e alguns dos principais produtores de vinho da Europa - dobrando as taxas existentes para 25%.

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Isso empurrou os vinhos importados, que eram populares entre os russos - como o Prosecco ou o Vinho Verde - para uma faixa de preço mais cara e forçou os consumidores a recorrer a alternativas domésticas, disse Yaroslav Guryev, finalista de 2023 da Copa Sommelier de Moscou, a competição anual de degustação de vinhos.

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As importações caíram pela metade no primeiro trimestre de 2025, informou a RIA Novosti, a agência de notícias estatal da Rússia.

A Simple, uma das maiores importadoras de bebidas alcoólicas do país, disse à Bloomberg News que o vinho russo agora está em segundo lugar, atrás apenas do italiano, em todos os seus canais de vendas domésticos.

“Os vinhos russos estão agora em lugares onde não estavam antes”, disse Mikhail Nikolaev, principal fabricante de vinhos da Nikolaev & Sons, uma fazenda familiar e vinícola na região de Krasnodar. “A conscientização está crescendo.”

Nikolaev disse que a principal vantagem é que muitos vinhos russos são semelhantes em estilo aos de regiões importantes, como o norte da Itália ou a França, mas geralmente a um custo menor.

As políticas governamentais dos últimos anos também aumentaram a conscientização sobre o vinho nacional, acrescentou.

“Quanto às pessoas que os escolhem em vez dos importados, ainda não sinto isso.”

Um fenômeno de “patriotismo do vinho” tem alimentado essas mudanças, disse Denis Rudenko, membro da Associação Russa de Sommelier.

Alguns consumidores agora evitam vinhos de países com relações tensas com a Rússia, e outros bebem exclusivamente vinhos nacionais como um ato de lealdade política, disse Rudenko.

Russia impulsiona produção de vinho

Para aumentar ainda mais as vendas, o governo propôs uma cota de “prateleira de vinhos russos”, que exigem que pelo menos 20% dos vinhos vendidos em lojas de varejo sejam produzidos internamente.

Alguns políticos defenderam um aumento da cota para 30% a 40%. Putin também ordenou reformas regulatórias para facilitar as mudanças no uso da terra para os vinhedos, no início deste ano.

Razvozhayev, o governador de Sevastopol, disse durante sua reunião com Putin que 738 milhões de rublos (US$ 9,5 milhões) foram alocados este ano, com o apoio do governo federal, para expandir os vinhedos na região de Sevastopol, e acrescentou que mais dinheiro estava sendo disponibilizado para construir novas vinícolas, plantar videiras e desenvolver o turismo.

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Embora a Rússia tenha assumido o controle de fato de Sebastopol e da Crimeia, a comunidade internacional considera a área parte da Ucrânia, e seu futuro provavelmente será um fator em qualquer eventual acordo de paz entre os dois países.

A Crimeia foi a segunda maior região vinícola da Ucrânia em 2013, de acordo com o Serviço Estatal de Estatísticas do país.

Mas após a anexação russa, um ano depois, os EUA e a UE impuseram uma proibição total à importação de quaisquer produtos da península, restringindo os mercados para os produtores de vinho locais à Rússia.

Moscou respondeu com proibições de carne, laticínios, frutas e vegetais da UE, dos EUA e de outros estados.

Para Pavel Shvets, dono da Vinícola UPPA na região de Sevastopol, a anexação acabou com seu sonho de exportar seu vinho para a Europa e os EUA, mas ele disse: “Nos últimos anos, temos visto um boom. O número de produtores de vinho que iniciaram seus projetos aqui, o volume é incrível”.

Mas, segundo ele, há muita incerteza na Rússia: “O mercado é muito instável e não sabemos o que acontecerá amanhã”.

A economia de guerra da Rússia - que impulsionou a produção em setores ligados ao exército e, inicialmente, levou a um crescimento recorde dos salários - também desempenhou um papel no sucesso dos produtores de vinho locais.

Mais recentemente, entretanto, esse sentimento foi substituído por preocupações de que a economia poderia entrar em recessão, o que levou o banco central a cortar as taxas de juros em julho.

Ironicamente, o levantamento das sanções ocidentais e a reabertura do mercado para mais vinhos importados, caso a guerra na Ucrânia termine - Putin e seu colega norte-americano, Donald Trump, devem se reunir para conversações no Alasca na sexta-feira - poderia causar um transtorno para os produtores nacionais.

Rudenko disse que, especialmente fora das grandes cidades, ainda há uma “falta de confiança e a percepção de que é impossível fazer um bom vinho na Rússia”.

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