Bloomberg — É um momento de perplexidade no mundo dos ingredientes da gastronomia de luxo. Produtos de prestígio estão agora no fast food.
O caviar adorna os nuggets de frango; as trufas aparecem no homus do supermercado e nas mordidas da Starbucks; a carne de wagyu compõe hambúrgueres e entrou no cardápio do Burger King no Reino Unido. Até mesmo a lagosta -- de um vermelho vivo e festivo - passou de peça central que chama a atenção para uma mistura de macarrão com queijo.
No entanto, o caranguejo mantém sua mística. Ele é amado por sua carne de sabor delicado e textura fina, e por suas ovas gordurosas e ricas e tomalley, categorias culinárias em si. Agora, espécimes grandes e vivos dos cantos mais distantes do mundo, como o caranguejo-das-neves do Japão e o caranguejo real (king crab) vermelho da Noruega, são os significantes de luxo desta estação.
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“Mesmo o caranguejo mais barato que vendemos costuma custar o dobro do preço da lagosta do Maine ou da Nova Escócia”, diz Ian Purkayastha, fundador da Regalis Foods. “O preço do caranguejo real está definitivamente no patamar mais alto de todos os tempos.”
Como seus estoques e sua disponibilidade foram duramente afetados por convulsões políticas e ambientais, os crustáceos agora são vendidos no atacado por US$ 70 a US$ 85 o quilo, disse ele.
Os consumidores de varejo podem gastar mais de US$ 1.200 para receber em suas casas um único caranguejo vermelho norueguês vivo de 4 quilos da Regalis. Isso, acredite ou não, é a boa notícia, acrescenta ele: “O preço vai continuar subindo, e muito. Não é possível cultivar um caranguejo real”. Não seria uma surpresa se os preços da iguaria no atacado chegarem a US$ 200 o quilo dentro de cinco anos.
O menu de quase R$ 5.000
Os clientes e operadores de restaurantes americanos estão adotando o luxo do caranguejo. Com a explosão de refeições no estilo omakase (experiência gastronômica japonesa onde o cliente confia totalmente ao chef a escolha e o preparo dos pratos), a qualidade supera a quantidade mais do que nunca.
O recém-inaugurado Sushidokoro Mekumi, na Hudson Square, em Nova York, filial de um restaurante com duas estrelas Michelin em Kanazawa, na costa oeste do Japão, oferece um jantar omakase centrado em caranguejo por US$ 888 (cerca de R$ 4.900) por pessoa, sem bebidas, durante algumas semanas neste inverno.
A estrela atual da refeição é o caranguejo-das-neves macho, transportado de Kanaiwa, uma cidade portuária na província de Ishikawa, para Nova York em dois dias, a um custo de atacado de até US$ 675 cada. São necessários três para cada noite, com capacidade para oito pessoas. Todos os assentos de dezembro estão esgotados, mas há vagas disponíveis para janeiro.
O chef Hajime Kumabe, da Mekumi, mantém a simplicidade para transmitir o quão bom é o ingrediente: “Quase nunca adicionamos mais nada - apenas um pouco de sal como tempero”.
Entre os 18 a 20 pratos estão o kani gayu, um delicado mingau de arroz feito apenas com caranguejo, caldo de caranguejo, arroz e sal; o mokuzugani, ou caranguejo japonês, simplesmente grelhado no carvão binchotan; e o kobako gani, uma fêmea de caranguejo-das-neves cozida imediatamente após ser pescada por pescadores no Japão, treinados para fazê-lo de acordo com as especificações do restaurante. Sua carne é preparada com as ovas internas e externas e servida em sua casca.
Um caranguejo ainda mais precioso e caro chegará a Nova York no final do ano. Taiza gani, um caranguejo da neve das águas frias de Kyoto, é tão raro que até mesmo no Japão é conhecido como “caranguejo fantasma”.
Apenas cinco barcos têm permissão para pescá-lo. Ele será servido por duas noites no novo restaurante kaiseki Muku, em Tribeca; os menus de US$ 1.295 se esgotaram rapidamente.
A preciosidade do caranguejo não decorre apenas de seu estado imaculado ou da distância percorrida; também está no trabalho necessário para levá-lo ao prato.
No Yamada, os chefs podem levar 45 minutos de trabalho concentrado para extrair a carne de apenas um kegani de 1 quilo, ou caranguejo de crina - apenas um dos crustáceos que provavelmente aparecerão em seu cardápio de início de inverno de US$ 295, com 10 pratos.
Também é possível encontrar o caranguejo da neve de Hokkaido no chawanmushi, um saboroso creme de ovos, e o caranguejo Dungeness no prato final do donabe.
O arroz de R$ 500
Fora de Nova York, o caranguejo está presente na Crab Experience, inspirada no kaiseki, duas vezes por semana no Kinkan, um restaurante tailandês-japonês em Los Angeles.
“O caranguejo é o meu prato favorito”, diz a chef proprietária Nan Yimcharoen, que cresceu cozinhando e comendo caranguejo com sua avó em Bangkok.
Ao longo do jantar de 11 pratos, no valor de US$ 250, ela serve pratos como Hanasaki gani - um caranguejo real espinhoso de Hokkaido - cozido no vapor com saquê e shumai de vieiras e camarões, coberto com caranguejo-da-neve e sawagani, um pequeno caranguejo de rio japonês, frito e comido inteiro.
No Angler, o restaurante de frutos do mar com fogo vivo no Embarcadero de São Francisco, os clientes mais experientes sabem que devem pedir o crab rice (arroz de caranguejo), que custa US$ 100 (cerca de R$ 550).
A experiência é composta de dois pratos: uma concha de caranguejo recheada com a carne coberta com o molho XO do Angler e arroz de algas koshihikari com manteiga de caranguejo, ovas de salmão curadas com saquê e lascas de alho crocantes.
A variedade de caranguejos muda sazonalmente e de acordo com a pesca do dia: O caranguejo real está no horizonte; os caranguejos box e Dungeness apareceram recentemente (se não for possível obter caranguejos bons das águas da Califórnia, o prato simplesmente não estará disponível).
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O Dungeness, que James Beard chamou de “uma refeição que os deuses destinaram apenas aos puros de paladar”, também é uma atração marcante (e o item mais caro do cardápio) em dois dos notáveis restaurantes regionais indianos do país.
No Semma da Unapologetic Foods, no West Village de Nova York, os clientes são aconselhados a encomendar o Kanyakumari Nandu Masala de US$ 145 (cerca de R$ 800) para duas pessoas, que inclui um caranguejo de 1 a 1,5 quilo cozido com cominho, pimenta-do-reino, sementes de coentro “e outros temperos numerosos demais para mencionar”, diz o chef Vijay Kumar.
O caranguejo vem acompanhado de arroz de coco e parotta com bordas crocantes, para molhar o molho e contrastar com a textura da carne sedosa do caranguejo. (O caranguejo é uma obsessão nos restaurantes da Unapologetic Foods.) Enquanto isso, no Nadu, o novo restaurante do chef Sujan Sarkar em Chicago, cerca de 15 clientes por semana pedem o Keralan Crab Milagu Fry, disponível nos tamanhos grande e maior por US$ 135 cerca de R$ 742) e US$ 185 (cerca de R$ 1.000). Para isso, um caranguejo Dungeness inteiro é cozido com molho de tomate e pimenta Tellicherry e servido com arroz ghee.
A experiência de R$ 11.000
E ainda há a cerimônia em torno do caranguejo real vivo.
No outono deste ano, no Octo, um restaurante coreano-chinês no centro de Nova York, Steve e Christina Jang (proprietários do New Wonjo BBQ, um restaurante de destaque em Koreatown) começaram a oferecer um banquete com a criatura em três partes: cozido no vapor com manteiga, alho, molho de soja, repolho e cogumelos sobre macarrão vermicelli; frito a seco no estilo Sichuan; e como arroz frito, com tomalley. Um caranguejo de 4 quilos, suficiente para cinco ou seis pessoas, saiu recentemente por US$ 850 (cerca de R$ 4.675), disseram eles, acrescentando que estão mantendo o preço baixo enquanto divulgam o produto.
No Carbone Riviera, que foi inaugurado no Bellagio, em Las Vegas, em novembro, a comida tem que fazer hora extra para competir com o brilho: junto com obras de arte de Miró, Picasso e Renoir, o restaurante tem o Fortuna, um iate Riva de 10 metros de comprimento para dar aos clientes selecionados uma visão melhor das famosas fontes do hotel.
O caranguejo real do restaurante pode ser o crustáceo ideal para o trabalho. Ele vem preparado no “Mulberry Style”, para refletir os abundantes sabores italianos e chineses da Mulberry Street, que passa pela Little Italy e Chinatown de Nova York. Com preço de US$ 175 a US$ 200 por quilo, um grande pode chegar a mais de US$ 2.000 (cerca de R$ 11.000). É, potencialmente, o item mais caro em um local que é, para muitas pessoas, o que significa luxo.
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