Ele foi um pioneiro da cerveja artesanal. E diz que o mercado sobreviveu ao hype

Paulo Almeida abriu o Empório Alto dos Pinheiros há 17 anos. E diz à Bloomberg Línea que o mercado de pequenos produtores voltou a crescer após a moda da IPA e de ‘todo mundo quer ter a sua cervejaria’

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Bloomberg Línea — O mercado de cervejas artesanais no Brasil atravessou uma fase de euforia na década passada, quando a percepção era que “toda semana” abria um bar novo especializado.

Grandes empresas compraram marcas pequenas, muitos bares fecharam e o hype perdeu força. O processo pode ser visto como uma natural “correção” do mercado, que agora vive um momento de consolidação.

Essa é a avaliação do empresário Paulo Almeida, um dos pioneiros na venda de cervejarias artesanais no país. Dono do Empório Alto dos Pinheiros (EAP), um dos bares mais emblemáticos do setor em São Paulo, que em 2025 completa 17 anos de atividade, ele disse que o segmento voltou a crescer.

“O mercado não está ruim. A economia enfrentou uma dificuldade desde a pandemia, mas a sensação é de melhora. Em janeiro, por exemplo, faturamos 12% a mais do que no [mesmo mês do] ano passado”, contou o empresário em entrevista à Bloomberg Línea.

A análise dele encontra respaldo nos dados oficiais.

De acordo com os dados mais recentes do Anuário da Cerveja, o número de cervejarias registradas no país saltou de 1.729 em 2022 para um recorde de 1.847 em 2023, o que representou um avanço de 6,8%.

Os dados consolidados de 2024, do Ministério da Agricultura e Pecuária e do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, ainda não foram divulgados.

Todas as regiões do país apresentaram aumento no número de cervejarias, e o estado de São Paulo segue na liderança com um total de 410 cervejarias.

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Essa fase de retomada veio depois de um período sob efeitos relevantes da Covid-19 na economia e no segmento de modo geral, segundo o empresário.

Segundo Almeida, o auge do movimento da cerveja artesanal no Brasil ocorreu entre 2016 e 2017, quando o EAP chegava a faturar R$ 1 milhão por mês.

“Começamos há 17 anos como uma mercearia, que crescia de 3% a 4% ao ano até 2009. Em 2010 veio a virada para a cerveja, que se tornou nosso principal produto, e passamos a crescer 15% ao ano todos os anos até 2017, quando houve uma acomodação e o mercado se estabilizou”, disse.

Então em 2020 veio a pandemia e o cenário mudou.

“Nosso faturamento caiu entre 40% e 50%. Desde então, vem voltando a crescer aos poucos, mas ainda não voltamos para o nível pré-pandemia. Faltam cerca de 10% a 15%, mas desde o fim do ano passado as coisas estão melhorando bastante”, afirmou.

Enquanto o EAP enfrentou uma queda nas vendas da qual ainda não conseguiu se recuperar totalmente, o mercado de cervejas artesanais recebeu um impulso diferente durante a pandemia.

“Naquela época, muita gente saiu do trabalho e recebeu dinheiro de rescisão, e muitos decidiram ser empreendedores. Quem procurava um negócio que não fosse chato pensava logo em cerveja artesanal. Minha visão é que muitos gastaram um ‘dinheirão’ sem saber o que estavam fazendo”, disse.

Foi esse movimento e o recuo que veio em seguida que criaram a sensação de uma “ressaca”. Para Almeida, entretanto, o que aconteceu é que o setor passou por um amadurecimento natural.

“Como tudo o que cresce muito rápido, o amadurecimento é difícil. Muita gente errou, mas muita gente acreditou no trabalho e continuou. Quem se profissionalizou continua no mercado”, disse.

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Em sua visão, a concorrência informal e a aposta no que classificou como “modismos” também criaram distorções.

“Teve a moda da IPA, depois a moda de só vender lançamentos. Isso fez com que as pessoas se cansassem da moda”, disse o empresário.

Artesanato x indústria

A trajetória do EAP acompanha essa evolução do mercado ao longo dos últimos 20 anos.

Quando o bar abriu as portas, começou como uma mercearia especializada em produtos gastronômicos e, aos poucos, passou a se especializar em cervejas.

“No começo vendíamos tudo o que existia. Depois, criamos um critério: vender o que me emociona como consumidor.”

Essa busca por identidade fez com que o EAP deixasse de vender cervejas pasteurizadas, restringisse o portfólio a produtos de qualidade superior e construísse um público que considera fiel.

“Abri mão de um público geral para focar no que quer beber cervejas realmente especiais, mesmo que mais caras. Não queria agradar a todo mundo. Isso diminuiu o público, mas ajudou a criar o cliente fiel”, disse.

No começo, era difícil por causa dos desafios de transporte e armazenamento. “Antes o destaque era a Coruja, do Rio Grande do Sul, que fazia uma cerveja ‘viva’, mas hoje muitas outras marcas passaram a distribuir cervejas assim”, disse.

De acordo com ele, duas das cervejas mais populares no bar atualmente são a tipo lager da Dádiva e a tcheca Pilsner Urquel, que costumam estar disponíveis o ano todo.

“É difícil avaliar a popularidade porque nossa oferta muda muito, mas as tradicionais tchecas e belgas costumam ter um público fiel”, contou. “Existem as mais tradicionais e as mais diferentes, e o que fica no meio disso não chama tanta atenção.”

Segundo Almeida, assim como aconteceu com a própria EAP, a cerveja artesanal também teve seu melhor momento por volta de 2016, quando o mercado viveu o que considerou um momento de glamour e visibilidade.

“No passado, mesmo em restaurantes que serviam bons vinhos e destilados, a cerveja era sempre a popular das grandes marcas. Mudar isso foi revolucionário. A cerveja ganhou espaço nos restaurantes e passou a ter glamour.”

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Para ele, parte da sensação de crise no setor vem de uma inversão no movimento que começou independente e artesanal, mas acabou em ampla medida “abraçado” por grandes marcas.

‘Inimigos da Ambev’

Almeida diz que o foco no pequeno produtor é parte essencial da filosofia do EAP.

“Somos inimigos da Ambev. Não compramos nem ketchup Heinz. Mas o problema não é só uma luta da Ambev contra a artesanal. É toda a indústria contra os pequenos produtores. Valorizamos o artesanal, o pequeno.”

Para ele, como dono de bar, o importante é manter coerência com o que chama de princípios que sustentam o mercado artesanal.

“Ser craft implica uma filosofia de vida. Não dá pra ser mentiroso quando se trabalha em um negócio que vende filosofia de vida. É um movimento. As pessoas valorizam o pequeno.”

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Foi assim que ele deixou de vender cervejas da Eisenbahn, por exemplo, que no começo era uma das marcas fixas na carta da casa. A mudança ocorreu depois que ela foi vendida para a Schincariol (hoje Brasil Kirin) e perdeu o toque de produto artesanal.

O mesmo aconteceu com a Baden Baden, que também passou a fazer parte do conglomerado Kirin e que deixou de ser produzida em Campos do Jordão, onde começou.

Almeida defendeu que a sua proposta de valor vai além da bebida. “Bar existe porque vende experiência. Não é só oferecer bebida, é o lugar, o ambiente. Beber em casa não substitui.”

Isso se reflete, segundo ele, na estrutura familiar do seu negócio de quase duas décadas e na forma como ele enxerga o futuro do EAP.

“Nosso futuro é familiar, como somos até hoje. Eu, meu sogro e minha esposa moramos perto do bar e lucramos um pouco menos para ter mais lazer no trabalho. Não vamos crescer, mas vamos nos manter sem desespero. Estamos preparados para a oscilação do mercado.”

Essa escolha estratégica de não crescer em tamanho e abrir novas unidades, por exemplo, é uma convicção do empresário. “Se crescermos, nós vamos mudar. Estamos felizes com nosso tamanho”, afirmou.

Por outro lado, o EAP diversificou a oferta de produtos. Hoje vende também sidras, vinhos naturais, hidromel e cafés especiais. “O foco é ser artesanal e de pequeno produtor.”

Tendências como as cervejas sem álcool também estão no radar. “Desde o começo vendemos sem álcool. Ultimamente, explodiu. A tendência agora é lager, refrescância, baixo teor alcoólico.”

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