De fenômeno pop ao copo: o desafio de Jack Daniel’s para ganhar mercado no Brasil

Marca americana enfrenta o paradoxo de ser mais lembrada do que consumida no país e tenta deixar de lado a imagem de uísque como bebida ‘pesada’ para ampliar seu público consumidor, conta a diretora Laura Barros em entrevista à Bloomberg Línea

Shot glasses containing various brands of Jack Daniel's whiskey sit on a bar counter during a media preview of the Jack Daniel's Lynchburg Barrel House, an official bar operated by maker Brown-Forman Corp., in Tokyo, Japan, on Thursday, Jan. 23, 2014. While demand for alcohol in Japan is dropping, worldwide sales of whiskey and other spirits are projected to climb an average of 4.9 percent each year through 2017, data compiled by Bloomberg show. Photographer: Yuriko Nakao/Bloomberg
Por Daniel Buarque
06 de Julho, 2025 | 07:15 AM

Bloomberg Línea — Poucas marcas de bebida no mundo têm tanto “soft power” quanto o uísque americano Jack Daniel’s.

Com uma imagem forjada há mais de um século na cultura pop, especialmente na música (com associação a nomes que vão de Frank Sinatra a Lemmy, do Motörhead), o Tennessee whiskey é facilmente reconhecido por consumidores e tem presença no imaginário popular do público mesmo em países como o Brasil.

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O desafio encarado pela empresa no país é o de sair desse imaginário e ir parar no copo, transformando reconhecimento em consumo real.

“É uma das poucas marcas do mundo que tem uma disponibilidade mental maior do que a disponibilidade física”, disse Laura Barros, diretora de marketing da Jack Daniel’s no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

O uísque tem força de marca entre brasileiros, mas ainda não é necessariamente consumido em seu pleno potencial. “Tem mais gente que conhece a marca do que algum dia consumiu e sabe onde comprar”, explicou.

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Para converter awareness em vendas no Brasil, a Jack Daniel’s aposta na estratégia de fazer o consumidor experimentar e finalmente conhecer a bebida, independentemente do que possa pensar sobre uísque.

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“Chamamos de ‘liquid to lips’. As pessoas têm que provar pela primeira vez. Muitas vezes isso não acontece no supermercado, mas em um ponto de dose, em um evento, em uma casa de show”, disse Barros, ao explicar como a empresa atua para promover esse “encontro”.

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A lógica é trabalhar primeiro a experiência, depois a gôndola, segundo ela.

Para isso, a empresa investe em festas, bares e patrocínios, além de apostar em apresentações menores do produto, como garrafas de 375 ml, e nas versões da bebida prontas para beber (ready to drink, ou RTDs), que ganham espaço nas geladeiras de conveniência.

“Quando a pessoa já provou em algum lugar, ao chegar no supermercado e ver uma garrafa, mesmo menor, já teve o primeiro contato”, disse.

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“Tem muita gente que ainda pensa que uísque é pesado, que é para um público mais velho, que é bebida de homem. Trabalhamos ativamente para tirar esse viés. Além da bebida tradicional, as bebidas prontas para beber e os uísques saborizados (Honey, Fire e Apple) ajudam a quebrar esse estigma”, disse.

São produtos criados para suavizar barreiras de entrada no mundo da marca.

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Além do uísque

Este trabalho de “desmistificar” a bebida significa na prática ampliar a categoria de Jack Daniel’s no Brasil. A marca não se vê em competição com outros rótulos de uísque, ou mesmo outras bebidas destiladas, mas, sim, como um produto a ser consumido em momentos de festa e descontração.

“A nossa concorrência é tudo o que disputar o bolso do consumidor”, explicou Barros.

“Hoje, com inflação e orçamento apertado, você escolhe: vai sair para a balada ou vai ficar em casa com Netflix? Disputamos momentos de consumo, não só categorias”, disse. A estratégia é associar diferentes versões da bebida aos momentos de lazer das pessoas, independentemente de faixa de renda ou de idade.

Esse entendimento faz a empresa calibrar portfólio e presença.

“Queremos ter o RTD na loja de conveniência, o Jack normal no Cash & Carry [modelo de venda de atacado, com acesso ao consumidor de varejo] e bebidas de mais alta gama como Single Barrel no auto [atendimento] presente. Quanto mais oportunidades dentro da nossa própria marca, mais ocupamos esses momentos”, disse.

Isso ganha relevância, segundo a executiva, porque o consumidor brasileiro médio muitas vezes não faz distinção entre os tipos de uísque – escocês, americano, japonês, single malt, bourbon etc. –, e foca no que agrada ao paladar.

Por isso o foco não é o mercado formado apenas por consumidores tradicionais de uísque, mas todos os que tomam bebidas alcoólicas em momentos de festa.

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É nesse contexto que, segundo ela, Jack Daniel’s Apple, com sabor de maçã, se consolidou como um exemplo de sucesso no mercado doméstico. “Caiu no gosto do brasileiro por causa do frescor, da suavidade.”

Da mesma forma, a criação de drinks regionais também faz parte do plano. Um dos mais populares é o Maracujack, que mistura o uísque com maracujá. “É um drink que nasceu aqui, não existe em lugar nenhum do mundo, e conquistou muita gente.”

Além dos produtos de entrada, a marca aposta nos que chama de “passion points”, como as edições limitadas (a exemplo de uma parceria com a McLaren, da Fórmula 1), que conectam com o consumidor por meio de paixões compartilhadas e que buscam criar uma experiência de consumo aspiracional e de coleção.

A empresa não revela números do faturamento no país, mas diz que o Brasil está dentro do bloco de mercados emergentes da marca e é visto como um “bolsão” de crescimento futuro para a bebida.

O mercado brasileiro responde por 3% do faturamento global da categoria “emerging”, que por sua vez representa 21% das vendas líquidas da Brown-Forman (empresa-mãe da Jack Daniel’s), atrás apenas do México nesse grupo.

No mundo, a Brown-Forman, com sede em Louisville, no estado americano do Kentucky, alcançou receitas próximas a US$ 4 bilhões no ano fiscal encerrado em abril, com queda de 5% na base anual, sob impacto da guerra comercial e da preocupação do consumidor com a inflação nos EUA.

“O Brasil é um motor de crescimento em volume muito grande, mas temos um problema chamado câmbio. O crescimento seria maior se não tivéssemos essa diferença cambial”, explicou Laura Barros.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'