Bloomberg Línea — A formiga comestível foi por muitos anos um símbolo do resgate de culturas gastronômicas do Brasil apresentado desde a virada do século por Alex Atala no D.O.M.
O alimento segue presente no novo menu do restaurante que tem duas estrelas do Guia Michelin e que chegou a ser considerado o quarto melhor do mundo segundo a revista Restaurant.
Mas agora divide atenções também com a carne de jacaré, atração mais curiosa e interessante do novo menu degustação do chef, inspirado em sabores associados às águas do país e descrito com a frase “é hora de a onça beber água”.
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Mais do que uma refeição, o menu pode ser pensado como assistir a um show ou a um espetáculo, ou seja, como uma longa experiência e um mergulho em uma pesquisa sobre ingredientes e sabores originais brasileiros.
Atala e equipe passaram sete meses realizando pesquisas para chegar à combinação que começou a ser servida em setembro. Foram feitos testes com cerca de 40 pratos diferentes até chegar ao formato oferecido aos clientes.
O cliente que decide provar o novo menu degustação precisa dedicar de 2h30 a 3 horas para conhecer a sequência de dez pratos desenvolvidos com exclusividade pelo restaurante e dos nove vinhos selecionados para acompanhar cada um deles.
O serviço completo com harmonização de vinhos custa R$ 1.850 por pessoa (ou R$ 1.100 sem as bebidas).
O menu é servido no amplo salão do restaurante que fica nos Jardins, em São Paulo. As mesas ficam diante de uma grande fotografia de uma onça bebendo água em um rio, do fotógrafo de vida selvagem Marcelo Melo.
De forma lenta, com calma, e como um ritual, cada prato e ingrediente é apresentado no seu contexto, com uma narrativa em torno da comida.
A experiência começa com uma longa colher cheia de caviar Beluga (um dos mais caros e exclusivos do mundo) acompanhado por doce de coco em cubos minúsculos. Uma única bocada combina o sabor salgado do mar e um toque refrescante e adocicado, com texturas que se misturam. Ele é servido com uma taça de espumante nacional extra brut da Cave Geisse.
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Em seguida vem um prato com ostras, palmito e agrião, coberto por finas fatias de caju e uma névoa congelada que se esfarela e dá contraste de textura e de sabor. É servido com o vinho nacional Undiú pinot gris de Monte Belo do Sul.
Na sequência vem um ravioli “crocante”, servido frio, com massa de tapioca e recheado com ervilha torta e ervas (de onde vem a textura surpreendente), com caldo de tucupi com toque oriental bem encorpado. Vem acompanhado de um vinho branco da uva viognier da Viña Progreso, do Uruguai.
A próxima etapa chega à mesa parecendo um ovo coberto com tintas coloridas. Trata-se de um ouriço servido ao centro de um cremoso purê de cará e coberto com espirulina em duas cores vibrantes. A harmonização volta aos vinhos nacionais com uma taça do vinho peverella da Era dos Ventos, do Rio Grande do Sul.
O jacaré é a estrela do passo seguinte. Ele vem servido em um disco com pequenos pedaços combinados e tem uma carne macia e delicada (o que indica uso de muita técnica, já que jacaré pode ter uma consistência mais dura).
O acompanhamento é um creme adocicado da fruta bacuri, que cria uma combinação que surpreende, e um caldo feito com a própria carne de jacaré. Um vinho da França acompanha: um Trimbach da uva gewurztraminer mais aromático e adocicado, para combinar especialmente com a fruta.
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Entre os pratos principais do menu, o último é um novilho servido com um caldo de carne espesso e uma combinação de sabores de café e leite. Vem com uma taça de Potter, um tannat da Serra Gaúcha.
Transição antes das sobremesas
A fase seguinte é chamada de transição. Um creme de mandioquinha com balsâmico e baunilha faz uma passagem dos sabores salgados aos doces e gera curiosidade.
Antes das sobremesas, é servido ainda um aluá, fermentado de abacaxi preparado na própria casa.
A primeira sobremesa é uma maria mole de jabuticaba servida com mel e flores. Um vinho levemente adocicado de Coteaux du Layon na França harmoniza com ela.
E uma segunda sobremesa é um sorvete de louro com creme de cupuaçu e espuma de chocolate, que é acompanhado por um vin santo italiano.
Por último, há ainda pequenos doces e chocolates com ingredientes brasileiros para finalizar com um café servido em uma taça de vinho. É aqui que aparece a formiga amazônica que se tornou um símbolo da casa e que tem um leve sabor de capim santo.
Por mais que influencers de redes sociais gostem de fazer brincadeiras com a alta gastronomia e sejam comuns as piadas de que alguém foi ao D.O.M. e saiu de lá com fome por causa das porções servidas, a experiência de comer um menu degustação assim foge da ideia tradicional de um simples almoço ou jantar.
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Muitas das porções de fato são pequenas, mas a sequência de dez pratos servidos ao longo de cerca de três horas está longe de representar “pouca comida” e pode ser suficiente para qualquer adulto com fome.
Mas este talvez não seja o objetivo do restaurante e dos cerca de 50 clientes que provam o menu diariamente.
A procura pela sequência (uma das mais caras do Brasil) se dá mais pelo desejo de conhecer algo novo e exclusivo, de passar horas comendo, bebendo e aprendendo sobre essa pesquisa sobre ingredientes e sabores inusitados e diferentes. Certamente não é uma questão de simplesmente matar a fome.
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