Como a Miolo derrubou o estigma do vinho nacional e chegou a 35 mercados

Estratégia de exportação de uma das maiores vinícolas do país, que começou nos anos 1990, ajuda a mitigar riscos e abrir mercados com aposta em espumantes e rótulos de maior valor agregado

Miolo vende vinho para a Suécia, chega a 35 países e 10% do faturamento no exterior
Por Daniel Buarque
24 de Outubro, 2025 | 06:00 AM

Bloomberg Línea — Enquanto a produção, a venda e o consumo de vinhos finos no Brasil ainda parece uma novidade no milenar cenário global, o país já consegue dar passos firmes não só no mercado nacional, mas também com exportações.

A Miolo Wine Group, uma das produtoras mais tradicionais do Brasil, tem se consolidado também como a maior exportadora de vinhos finos do país. Ela tem reforçado sua presença internacional com a entrada em novos mercados e uma operação que passou a representar 10% do faturamento da empresa.

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“Estamos presentes em 35 países. Alguns com volumes expressivos, outros menores, mas a nossa presença é global”, disse Lúcio Motta, export manager da companhia, em entrevista à Bloomberg Línea.

O marco mais recente é a exportação de 200.000 garrafas do espumante Cuvée N°7 para a Suécia, a maior venda já feita por uma vinícola brasileira para o país nórdico. Este passo ajuda a colocar o grupo entre os principais nomes da vitivinicultura do hemisfério sul no mercado global.

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Com produção anual de cerca de 17 milhões de garrafas, o volume exportado pode parecer pequeno, mas tem maior valor agregado, segundo Motta. Isso fica evidente na comparação de que os 10% de faturamento no exterior veem de 8% de volume produzido que é exportado.

“Os principais produtos que exportamos são os espumantes, produzidos na vinícola Terranova, na Bahia, e os vinhos tranquilos da região da Campanha e da Serra Gaúcha, como o Lote 43”, disse.

Motta disse acreditar que a expansão internacional da Miolo tem efeito multiplicador sobre a imagem do vinho brasileiro. “Nós somos desbravadores nessa questão de investir no exterior. E isso vai trazer benefícios para toda a indústria do vinho do Brasil”, afirmou.

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Para ele, o avanço de outras vinícolas no mesmo caminho será essencial para consolidar o país como origem reconhecida. “Quanto mais vinícolas estiverem presentes lá fora, melhor para todos. Quem sabe daqui a alguns anos a gente tenha uma sessão ‘Brasil’ nas lojas dos Estados Unidos e da Europa.”

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Estratégia global

Fundada em 1989, a Miolo foi uma das primeiras vinícolas brasileiras a exportar vinhos finos. A primeira remessa saiu pouco depois, contou o executivo.

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“A primeira exportação da Miolo veio quatro anos depois da fundação, em 1993. Foi feita para a rede Fogo de Chão, no Texas”, disse Motta.

Desde então, a internacionalização passou a fazer parte da estratégia do grupo, segundo ele.

“A Miolo sempre acreditou no potencial do vinho brasileiro e no mercado internacional. A Miolo tem esse DNA de querer mostrar para o mundo o nosso vinho”, disse.

A empresa também foi uma das fundadoras do Wines of Brasil, programa de promoção das exportações de vinhos finos nacionais em parceria com a ApexBrasil.

A aposta, segundo Motta, exigiu paciência. “É uma construção lenta, que requer alto investimento e resultados que demoram a vir. Mas, depois de muitos anos insistindo e estando sempre presente, começamos a ver evoluções claras no reconhecimento e nos volumes de embarque.”

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Miolo vende vinho para a Suécia, chega a 35 países e 10% do faturamento no exterior

Além da busca por novos mercados, a exportação tem papel estratégico para a Miolo na diversificação de riscos e na construção da marca. “A gente tem essa, também, a redução do risco de só vender em um país. Só vender no Brasil seria um risco grande”, explicou Motta.

O reconhecimento internacional também tem efeito sobre o mercado doméstico. “Quando o produto é reconhecido lá fora, isso ajuda a convencer o consumidor brasileiro. Se o vinho é vendido na Europa, o brasileiro dá mais valor para isso”, disse.

Essa lógica tem sustentado o posicionamento da Miolo como embaixadora do vinho brasileiro em mercados tradicionais como Reino Unido, França, Itália e Estados Unidos, além de destinos menos óbvios, como Rússia, Paraguai e China.

As tensões comerciais globais também entram no radar da empresa. Nos Estados Unidos, maior importador de vinho do mundo, as tarifas de importação podem afetar parte dos embarques. “O vinho era taxado em aproximadamente 14%. Agora vai para 64%”, disse.

Mesmo assim, o executivo vê potenciais ganhos no médio prazo. “A gente acredita que o governo vai negociar. E, na Europa, a abertura de mercado pode criar oportunidades. A gente tenta sempre buscar oportunidades nas incertezas.”

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Origem surpresa

Um dos principais desafios, segundo o executivo, é convencer o consumidor estrangeiro de que o Brasil produz vinho de qualidade. “O que eu mais encontro é gente dizendo: ‘Eu não sabia que o Brasil fazia vinho’”, contou.

Para romper esse desconhecimento, a empresa mantém presença constante em feiras internacionais — Wine Paris, ProWein, Vinexpo, eventos nos Estados Unidos, Canadá e China.

“A gente está sempre ativo nessa parte de contato com clientes e eventos. Quando eles provam o vinho, ficam surpresos, porque não têm nenhum parâmetro prévio. E é bom, porque acabam sendo positivamente surpreendidos.”

Entre os produtos que abrem portas no exterior, o espumante brasileiro ocupa papel central. “O vinho brasileiro é o espumante. É o produto que nos abre mercados, é o nosso ponto forte”, disse Motta.

A Miolo tem aproveitado a vantagem de terroirs distintos para diversificar estilos. No Nordeste, o grupo cultiva uvas no Vale do São Francisco, na vinícola Terranova, em Casa Nova (BA), uma das regiões mais singulares do mundo pela capacidade de colher uvas o ano inteiro.

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“É o único lugar do mundo onde se produz vinho todos os meses do ano”, destacou. “Nem no Sul é assim. Lá na Bahia, está sempre fresco, sempre jovem, sempre novo. Essa é uma característica única.”

A vinícola também explora terroirs da Campanha Meridional e Central e do Vale dos Vinhedos (RS), além de Mendoza, na Argentina, com a Bodega Renacer, adquirida em 2023.

Novo passo na Suécia

O contrato com o governo sueco marcou um passo importante na consolidação da Miolo como exportadora de grande porte. A Suécia adota um modelo estatal de controle da venda de bebidas alcoólicas, operado pela rede Systembolaget, que tem 448 lojas no país.

“Eles abriram oficialmente uma licitação para espumantes brasileiros, com especificações técnicas e faixa de preço determinadas”, contou Motta. “Os produtos foram degustados às cegas e o nosso espumante da Bahia foi escolhido como vencedor.”

“A Suécia vai ficar entre os nossos cinco principais mercados. É uma abertura nova, muito importante para retomar a presença da Miolo na Escandinávia.”

A escolha, disse ele, reforça a tese de que o vinho brasileiro pode competir em mercados exigentes. “Esses anos de investimento da Miolo estão sendo recompensados com reconhecimento internacional. O reconhecimento vem quando os países começam a comprar mais, em volumes maiores. Isso mostra que o público está gostando e que temos qualidade para atender mercados exigentes.”

Daniel Buarque
Daniel Buarque