Além do ‘vinho português’: país busca mostrar diferenças que vão do Alentejo ao Douro

Após décadas com pouca diferenciação de seus terroirs, país europeu avança em trabalho para explicar ao mercado as características das principais regiões, o que ajuda a impulsionar a bebida de mais alta gama em mercados como o Brasil

The Douro River runs between hills in the Douro Valley grape growing region in Douro, Portugal. Photographer: Daniel Rodrigues/Bloomberg
Por Daniel Buarque
12 de Dezembro, 2025 | 05:48 PM

Bloomberg Línea — O mercado global de vinhos tem se tornado cada vez mais segmentado e atento ao papel do terroir (o lugar onde a bebida é produzida).

O rótulo de “vinho francês” há anos perdeu espaço na busca por nomes mais específicos, como Bordeaux e Borgonha, assim como na Itália há quem procure mais exatamente por toscanos ou do Piemonte.

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Portugal, que por muito tempo parecia ficar para trás nesse processo, começa a trabalhar para consolidar uma mudança na forma como o consumidor internacional enxerga seus vinhos.

“Historicamente, o bebedor de vinho de Portugal no Brasil, na média, não sabe diferenciar o Dão do Alentejo”, disse Christian Burgos, CEO do Inner Group e editor do Guia Adega de Vinhos de Portugal, em entrevista à Bloomberg Línea.

Isso acontece porque durante décadas o vinho português chegou ao Brasil como uma categoria homogênea, sem tanta diferenciação regional.

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Para Burgos, isso tem origem estrutural: Portugal é complexo, diverso e repleto de regiões, denominações e castas com nomes distintos de norte a sul.

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“Portugal traz uma certa dificuldade para o consumidor iniciante. São muitas regiões”, afirmou. Apenas entusiastas mais dedicados reconheciam diferenças entre Douro, Dão ou Alentejo.

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Mas isso começou a mudar.

Burgos apontou para um movimento mais claro nesse sentido ao tratar dos rótulos analisados pelo guia publicado neste ano.

E a Bloomberg Línea pôde testemunhar o esforço do Alentejo em se diferenciar do resto do país durante uma viagem à região.

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Portugal vive hoje uma transformação profunda, segundo Burgos. O país tem se tornado um conjunto de regiões com identidades tão fortes quanto as da França, e o mercado brasileiro tem sido um dos principais motores da mudança.

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O primeiro sinal de que Portugal deixaria de ser um bloco monolítico surgiu nos portfólios das importadoras brasileiras.

“Vemos uma segmentação cada vez maior. Os importadores começam a separar por região: um produtor do Douro, um do Dão, um do Alentejo, de Lisboa e de Setúbal”, disse Burgos.

A curadoria assume um papel ativo na educação do mercado. Quando o consumidor frequenta uma loja especializada, participa de eventos ou lê os guias e rankings anuais, ele passa a se deparar não com “vinho português”, mas com mapas regionais, estilos, climas e castas que moldam o perfil de cada origem.

Essa reorganização abriu caminho para a regionalização de Portugal no copo do brasileiro.

Hoje é fácil perceber que o mercado diferencia os vinhos do Douro por terem mais estrutura, os do Dão, por sua elegância, os do Alentejo pela exuberância de fruta na taça; os Vinhos Verdes, por seu frescor, e os dos Açores, pela mineralidade, explicou.

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Um dos fatores que acelera a regionalização é a “virada estilística” pela qual Portugal passa.

“Portugal caminha na direção do mundo: menos madeira e menos sobremaduro”, afirmou Burgos. Essa mudança é especialmente visível em regiões tradicionalmente quentes como Douro e Alentejo.

Os vinhos mais alcoólicos e pesados, que marcaram a virada para os anos 2000, vêm cedendo espaço para tintos e brancos mais tensos, frescos e gastronômicos.

“Vemos a maior transformação no Alentejo e no Douro”, disse. É exatamente nesses territórios antes associados a potência e opulência que a nova geração de enólogos encontra espaço para redefinir estilos.

Essa renovação estética reforça as diferenças entre regiões e torna Portugal mais inteligível para o consumidor de vinhos premium, que busca tipicidade, caráter e terroir.

“O consumidor de vinhos mais premium sabe exatamente o que é Portugal”, disse Burgos. Essa clareza abre caminho para que regiões emergentes sejam descobertas e valorizadas.

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O avanço dessa regionalização no Brasil não é casual.

Corresponde ao peso econômico que o mercado brasileiro exerce na cadeia do vinho português. “Brasil é o primeiro destino português no mundo quando se fala de vinhos tranquilos”, afirmou Burgos.

O protagonismo, por sua vez, faz com que Portugal “dialogue” diretamente com o consumidor brasileiro. Lançamentos, importações e estratégias de comunicação são moldados pensando no varejo e no comportamento local.

A mudança é visível nas cartas de restaurantes, nas prateleiras das lojas, nas importadoras, nos guias, nas cotações e no comportamento do consumidor premium.

Do Douro a Dão, de Bairrada a Vinhos Verdes, de Alentejo a Açores, Portugal se consolida como um país de regiões, e essa reconfiguração muda profundamente a lógica do mercado brasileiro, explicou o especialista.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

Editor-assistente