Bloomberg Línea — O mercado global de vinhos tem se tornado cada vez mais segmentado e atento ao papel do terroir (o lugar onde a bebida é produzida).
O rótulo de “vinho francês” há anos perdeu espaço na busca por nomes mais específicos, como Bordeaux e Borgonha, assim como na Itália há quem procure mais exatamente por toscanos ou do Piemonte.
Portugal, que por muito tempo parecia ficar para trás nesse processo, começa a trabalhar para consolidar uma mudança na forma como o consumidor internacional enxerga seus vinhos.
“Historicamente, o bebedor de vinho de Portugal no Brasil, na média, não sabe diferenciar o Dão do Alentejo”, disse Christian Burgos, CEO do Inner Group e editor do Guia Adega de Vinhos de Portugal, em entrevista à Bloomberg Línea.
Isso acontece porque durante décadas o vinho português chegou ao Brasil como uma categoria homogênea, sem tanta diferenciação regional.
Para Burgos, isso tem origem estrutural: Portugal é complexo, diverso e repleto de regiões, denominações e castas com nomes distintos de norte a sul.
Leia mais: Além do Pêra Manca: como o Alentejo quer criar novos ícones, com o Brasil na mira
“Portugal traz uma certa dificuldade para o consumidor iniciante. São muitas regiões”, afirmou. Apenas entusiastas mais dedicados reconheciam diferenças entre Douro, Dão ou Alentejo.
Mas isso começou a mudar.
Burgos apontou para um movimento mais claro nesse sentido ao tratar dos rótulos analisados pelo guia publicado neste ano.
E a Bloomberg Línea pôde testemunhar o esforço do Alentejo em se diferenciar do resto do país durante uma viagem à região.
Portugal vive hoje uma transformação profunda, segundo Burgos. O país tem se tornado um conjunto de regiões com identidades tão fortes quanto as da França, e o mercado brasileiro tem sido um dos principais motores da mudança.
Leia também: Garrafa de até R$ 10 mil: Por que os melhores vinhos são mais caros
O primeiro sinal de que Portugal deixaria de ser um bloco monolítico surgiu nos portfólios das importadoras brasileiras.
“Vemos uma segmentação cada vez maior. Os importadores começam a separar por região: um produtor do Douro, um do Dão, um do Alentejo, de Lisboa e de Setúbal”, disse Burgos.
A curadoria assume um papel ativo na educação do mercado. Quando o consumidor frequenta uma loja especializada, participa de eventos ou lê os guias e rankings anuais, ele passa a se deparar não com “vinho português”, mas com mapas regionais, estilos, climas e castas que moldam o perfil de cada origem.
Essa reorganização abriu caminho para a regionalização de Portugal no copo do brasileiro.
Hoje é fácil perceber que o mercado diferencia os vinhos do Douro por terem mais estrutura, os do Dão, por sua elegância, os do Alentejo pela exuberância de fruta na taça; os Vinhos Verdes, por seu frescor, e os dos Açores, pela mineralidade, explicou.

Um dos fatores que acelera a regionalização é a “virada estilística” pela qual Portugal passa.
“Portugal caminha na direção do mundo: menos madeira e menos sobremaduro”, afirmou Burgos. Essa mudança é especialmente visível em regiões tradicionalmente quentes como Douro e Alentejo.
Os vinhos mais alcoólicos e pesados, que marcaram a virada para os anos 2000, vêm cedendo espaço para tintos e brancos mais tensos, frescos e gastronômicos.
“Vemos a maior transformação no Alentejo e no Douro”, disse. É exatamente nesses territórios antes associados a potência e opulência que a nova geração de enólogos encontra espaço para redefinir estilos.
Essa renovação estética reforça as diferenças entre regiões e torna Portugal mais inteligível para o consumidor de vinhos premium, que busca tipicidade, caráter e terroir.
“O consumidor de vinhos mais premium sabe exatamente o que é Portugal”, disse Burgos. Essa clareza abre caminho para que regiões emergentes sejam descobertas e valorizadas.
Leia também: Por que o Brasil entrou no radar de grandes produtores de vinhos do mundo
O avanço dessa regionalização no Brasil não é casual.
Corresponde ao peso econômico que o mercado brasileiro exerce na cadeia do vinho português. “Brasil é o primeiro destino português no mundo quando se fala de vinhos tranquilos”, afirmou Burgos.
O protagonismo, por sua vez, faz com que Portugal “dialogue” diretamente com o consumidor brasileiro. Lançamentos, importações e estratégias de comunicação são moldados pensando no varejo e no comportamento local.
A mudança é visível nas cartas de restaurantes, nas prateleiras das lojas, nas importadoras, nos guias, nas cotações e no comportamento do consumidor premium.
Do Douro a Dão, de Bairrada a Vinhos Verdes, de Alentejo a Açores, Portugal se consolida como um país de regiões, e essa reconfiguração muda profundamente a lógica do mercado brasileiro, explicou o especialista.
Leia também
Vinícola francesa que rejeitou o nome Bordeaux faz planos para crescer no Brasil
Enoturismo como atração: o plano do Alentejo para atrair 1 milhão de visitantes









