Bloomberg Línea — Uma das marcas de cerveja mais conhecidas do mundo, a irlandesa Guinness “surfou” em um desafio viral para aumentar suas vendas no Reino Unido nos últimos meses. Em milhões de posts nas redes sociais, as pessoas tentavam “split the G”, ou seja, dividir o G da logomarca no copo com um único gole, o que ampliou o consumo.
No Brasil, outro nome global de peso no mercado de cervejas também aposta em usar o desenho da marca no copo estilizado para impulsionar as vendas, mas com olhar para o serviço. Para a Heineken, o foco está no “ombro” da estrela, que deve ficar alinhada com a espuma do chope quando servido com perfeição.
Isso é o que prega o treinamento desenvolvido pela marca na tentativa de transformar o seu chope em ritual de consumo para os brasileiros.
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O movimento faz parte de uma estratégia maior de “premiumização” e de expansão de embalagens retornáveis, em linha com a busca do consumidor por experiências fora do lar e também mais sustentáveis.
“Nós já mostramos ao brasileiro que cerveja não é tudo igual. Agora queremos que o consumidor perceba também que a experiência do chope pode ser diferente e melhor”, disse Mauro Homem, vice-presidente de Sustentabilidade e Relações Governamentais, em entrevista à Bloomberg Línea.
O executivo fez referência ao avanço da popularidade e das vendas da Heineken em garrafa e latinha em uma década e meia no mercado brasileiro, em particular no segmento premium e de cerveja puro malte, em que foi líder em vendas em 2024, segundo dados da NielsenIQ.
A nova estratégia trata de uma forma de tentar avançar na popularização da cerveja não-pasteurizada servida direto do barril em copos, que atualmente representa apenas cerca de 2% do volume da marca no Brasil, segundo Sylvio Pourchet, diretor de Canais Especiais da marca, na mesma entrevista.
“Nosso produto mais vendido ainda é a long neck, que foi como o consumidor aprendeu a tomar a Heineken. Mas nós acreditamos que o chope pode crescer muito, desde que tenha padrão e qualidade”, disse Pourchet.
Esse reposicionamento dialoga com tendências que também aparecem em outras bebidas. Marcas de uísque e vinho exploram a ideia de que consumir fora de casa é parte da experiência, muitas vezes vinculada a um ritual ou ocasião especial.
No caso do chope, a Heineken quer que o consumidor associe a categoria a lazer e sociabilidade, assim como um jantar harmonizado ou uma degustação de vinhos.
Isso significará também, no fim do dia, desafiar o domínio amplo e histórico da Ambev com o seu chope Brahma, quase um sinônimo de categoria no Brasil.
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‘Heineken Masters’
Para transformar o plano em hábito dos consumidores, a companhia holandesa aposta no Heineken Masters, programa que treina e certifica bares com base no ritual “Star Quality”, que define cinco etapas para servir o chope ideal.
A metodologia exige o uso de copo estilizado limpo e gelado, ângulo correto de tiragem, aparar o excesso de espuma com uso da espátula, verificar se a espuma está na linha horizontal “ombro” da estrela e apresentação com copo e “bolacha de chope” sempre com a logotipo virado para o cliente.
“É pensado para oferecer a experiência de chope perfeita. Foi com esse objetivo que desenvolvemos esse programa, que já foi um sucesso ano passado e neste ano está ainda mais forte”, disse Pourchet. É nesse programa que a marca incentiva o olhar apurado para deixar a espuma no tal “ombro” da estrela.
A edição piloto do programa, em 2024, reuniu 60 casas e resultou em crescimento médio de 25% a 40% nas vendas de chope dos participantes.
O desafio da Heineken é cultural: criar ocasiões de consumo em que o chope seja a escolha natural. “Se você abre a geladeira em casa, toma uma long neck ou uma lata. Mas quando fala ‘vamos tomar um chope’, já é um evento, uma experiência de lazer”, disse Pourchet.
Marcas de vinho e destilados, como mencionado, também usam datas comemorativas ou turismo como ferramentas para educar e engajar o consumidor. A Heineken quer repetir esse caminho com o chope.
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A expansão enfrenta obstáculos práticos, entretanto.
A operação de chope exige planejamento de demanda, espaço para chopeiras e treinamento constante da brigada. “Muitos donos de estabelecimentos acabam não optando pelo chope porque não sabem fazer uma boa gestão disso”, disse Mauro Homem.
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Além disso, a percepção de preço pesa. Um copo de chope custa em média R$ 12, enquanto uma garrafa de 600 ml pode sair por R$ 18 e ser compartilhada.
Há também contratos de exclusividade que limitam a presença da marca em determinados bares. “Pouco a pouco temos ganhado mercado nessa frente porque o consumidor pede”, disse o VP da Heineken.
De acordo com os executivos, o aumento da venda de chope se conecta também à agenda de sustentabilidade da empresa. Barris e garrafas retornáveis reduzem a pressão sobre logística de embalagens e emissões. “Vender mais chope ajuda porque temos menos desafio de ‘circular’ embalagens”, disse Homem.
O executivo ressaltou que não há uma meta numérica apenas para o chope mas para o conjunto de retornáveis, que inclui garrafas de 600 ml e de 1 litro. O objetivo é dobrar o volume desses formatos em até três anos.
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