Ele lançou um app anti-desperdício. O efeito surpresa no TikTok deu um ‘empurrão’

A Food to Save prevê faturar R$ 160 milhões em 2025 com proposta que cria receita extra para lojas e oferece produtos até 70% mais baratos para clientes, que não sabem exatamente o que estão comprando, disse o CEO Lucas Infante

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Bloomberg Línea — Quando foi criada com o objetivo de se tornar uma plataforma para evitar o desperdício de alimentos no comércio e no varejo, a Food to Save enfrentou dificuldade em explicar seu modelo e convencer empresas e clientes.

O plano era vender produtos perto da data de vencimento com grandes descontos, sem contar aos clientes o que estavam comprando. Com um início mais lento, chegou a ser conhecida como o app das padarias, ou app dos donuts, por oferecer produtos especialmente dessas duas categorias.

A empresa criada em São Paulo acaba de completar quatro anos, em maio passado. E colhe resultados que refletem uma expansão acelerada: triplicou de tamanho no ano anterior, prevê faturar até R$ 160 milhões em 2025 e diz já ter evitado o desperdício de mais de 5.400 toneladas de alimentos.

A Food to Save está presente em mais de cem cidades, das quais 12 capitais brasileiras.

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Para chegar a esse patamar, a proposta ganhou tração no comércio.

Se antes as parcerias eram acertadas especialmente com padarias, passou a incluir grandes redes como Pão de Açúcar e Cacau Show.

Hoje são mais de 10.000 estabelecimentos conectados, e a Food to Save ultrapassou a marca de 6 milhões de downloads de seu aplicativo.

“Começamos com padarias que aceitaram testar. Depois vieram supermercados, redes de conveniência e hotéis. Hoje temos especialistas em cada vertical e atraímos inclusive grandes indústrias”, disse o CEO da Food to Save, Lucas Infante, em entrevista à Bloomberg Línea.

A entrada de marcas reconhecidas ajudou a atrair novos parceiros e clientes, criando um ciclo de validação mútua no mercado.

Do ponto de vista de engajamento, o que impulsiona o negócio, segundo os executivos, é a combinação entre o chamado efeito surpresa (com impacto nas redes sociais) e os descontos oferecidos.

Segundo o empreendedor, o elemento surpresa das sacolas tem efeito acima de 100% para as vendas - ou seja, mais do que dobra o volume.

“O formato reduz o trabalho das empresas que vendem e cria um hype para os consumidores”, afirmou.

Essa combinação ocorre porque o modelo de negócio da Food to Save é baseado em compras em que o cliente não sabe exatamente o que está levando.

A pessoa entra no aplicativo e tem acesso a diferentes lojas que oferecem produtos perto da data de vencimento com descontos de até 70%.

Daí podem escolher com base no setor da loja e no valor total, mas não há informações exatas sobre o que vai ser entregue no pacote selecionado.

O que criou estranhamento no começo ganhou força viral nas redes sociais, com a publicação de vídeos em que clientes abrem as sacolas surpresas e reagem ao que encontram nelas.

“É muito legal abrir o TikTok e saber que tem meio bilhão de visualizações da Food to Save. São números geniais”, disse Infante. “A surpresa gera conteúdo, engajamento e senso de comunidade.”

Mas a visibilidade nem sempre é favorável, segundo eles.

Entre muitos vídeos de clientes que comemoram uma surpresa positiva, um dos que se tornaram mais populares fazia uma crítica ao formato.

Em um post nas redes sociais, um consumidor ironizava ter comprado por R$ 15,99 uma sacola “mista” de mercearia e ter recebido 15 pacotes de biscoito iguais e a poucos dias do vencimento.

“Temos que saber equilibrar o hype. Eu não criei um negócio para ser um Groupon mas para ser estruturado e se manter de pé. Atribuo muito do nosso crescimento à capacidade de entendermos os picos de visibilidade”, disse Infante.

Embora haja reclamações, o CEO disse que a maioria dos clientes entende o valor do preço baixo e da contribuição social, o que faz com que o produto tenha uma boa avaliação entre os usuários.

Para muitos clientes, as compras feitas por valores baixos - R$ 10 ou R$ 15 - permitem embarcar na “surpresa” sem tanta preocupação.

Além disso, faz com que consumidores conheçam marcas cujos produtos seriam muito mais caros demais pelos preços oficiais.

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Receita incremental

Enquanto viraliza entre clientes, o Food to Save aposta também na relação com comerciantes para expandir sua plataforma nacionalmente.

Para as lojas, o modelo parte da ideia de que as vendas das sacolas com grandes descontos criam uma receita incremental.

“Não somos um novo canal de receita para as lojas. As sacolas não são feitas sob medida. Elas são uma necessidade para as empresas com produtos que estão excedentes e que precisam ser comercializados ou vão ser jogados fora. É uma receita que parte do ‘deserto’”, disse Infante.

“O estabelecimento recupera o CMV [Custo das Mercadorias Vendidas] e ainda tem o potencial de criar um novo cliente frequente, que passa a conhecer novas lojas e produtos”, disse o CEO.

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Além de recuperar custos, os parceiros relatam ganhos indiretos.

Cerca de 75% dos usuários preferem retirar as sacolas presencialmente, o que gera tráfego na loja e estimula compras adicionais.

É o efeito cross-selling: o cliente entra para buscar uma sacola e acaba levando outros produtos, explicou Infante.

A estratégia da foodtech vai além da escala.

“Não somos uma ONG. Mas cada sacola que vendemos gera impacto ambiental e social”, afirmou o empreendedor.

“Nosso objetivo é estruturar um ecossistema de combate ao desperdício no Brasil, com soluções complementares que atendam desde a indústria até o pequeno produtor.”

“O brasileiro compra porque economiza. Mas, ao fazer isso, também ajuda a evitar desperdício e ampliar o acesso a alimentos de qualidade”, defendeu.

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