América Latina tem filantropia generosa, mas informal, diz VP da Fundação Rockefeller

Embora os fundos privados não possam preencher as lacunas devido aos cortes na cooperação internacional, sistemas de apoio financeiro podem ser transformadores, se for coordenados com atores públicos e locais, disse Lyana Latorre, vice-presidente para a América Latina e o Caribe da instituição à Bloomberg Línea.

Embora os fundos privados não possam preencher as lacunas devido aos cortes na cooperação internacional, sistemas de apoio financeiro podem ser transformadores, se for coordenados com atores públicos e locais, disse Lyana Latorre
03 de Novembro, 2025 | 09:34 AM

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Bloomberg Línea — A América Latina e o Caribe são regiões generosas por natureza, mas sua filantropia continua informal, por isso precisam melhorar a medição do impacto a fim de atrair mais capital, disse Lyana Latorre, vice-presidente para a América Latina e o Caribe da Fundação Rockefeller, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Acho que somos uma região muito generosa, isso vem de casa, por causa da situação”, disse o vice-presidente da Fundação Rockefeller na região. “É algo que você faz informalmente no dia-a-dia”.

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Para a colombiana, se essa ajuda for melhor medida, ela poderá ter uma “conotação diferente”. " O número poderia ser maior", disse, referindo-se ao volume atual de doações privadas na América Latina.

De acordo com um relatório recente da organização sem fins lucrativos The Resource Foundation e da empresa de consultoria estratégica Dalberg Advisors, as doações privadas na América Latina representam apenas 0,2 a 0,3% do PIB regional, até 50% menos do que em economias emergentes como a Indonésia ou a África do Sul.

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Os analistas estimam que a mobilização de apenas 1% adicional da riqueza dos ultra-ricos da América Latina geraria cerca de US$ 5 bilhões anuais para projetos filantrópicos, de acordo com um relatório Cinco agendas para ativar a transformação do setor filantrópico na América Latina e no Caribe.

Latorre disse que regiões do mundo, como o Sudeste Asiático, começaram a medir melhor esses fluxos de dinheiro que são transferidos da sociedade em doações informais.

“Na medida em que você começa a ter essas informações, elas também ajudam o ecossistema. Desde que você possa medir mais e ter isso, é fundamental para atrair mais capital, para atrair mais parceiros, porque é a primeira coisa que você pode mostrar de forma tangível”, disse.

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De acordo com a Fundação Rockefeller, nos últimos cinco anos houve uma mudança significativa nas técnicas de medição em face do desenvolvimento da inteligência artificial e dos avanços tecnológicos.

A chave agora é como usar e consolidar as informações disponíveis para gerar maior impacto no campo da filantropia.

Em países como Colômbia, Brasil e México, as associações filantrópicas começaram a reunir dados e esforços.

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“A primeira mensagem é que há muito o que fazer, porque é uma região em que qualquer retorno que você tenha em termos de investimento ou impacto social é muito alto em comparação com outras regiões”, disse Latorre.

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Cenário de cortes

Os cortes na ajuda externa dos EUA desde que Donald Trump assumiu a Presidência dos EUA reacenderam o debate sobre o papel da filantropia global.

Embora seus recursos não sejam suficientes para preencher a lacuna, sua abordagem estratégica a torna uma parceira importante na geração de impacto nesses momentos.

O relatório apoiado pela Fundação Rockefeller calcula que somente o fechamento da USAID representou uma saída de mais de US$ 2,3 bilhões para a região, com impactos importantes na Guatemala, em Honduras e na Colômbia.

Nesse contexto, outros doadores, como a Alemanha e o Reino Unido, também reduziram seu apoio.

As doações privadas “não vão preencher completamente essas lacunas” deixadas pelos cortes na cooperação internacional dos EUA, porque “elas nunca foram preenchidas, nem mesmo com a cooperação internacional da Europa ou da Ásia”, disse ela.

Na atual conjuntura, ele disse que a mensagem para as organizações filantrópicas é como elas podem reformular sua estratégia para não perder o foco e manter o impacto de seus projetos.

A Fundação Rockefeller mantém suas linhas de operação na América Latina e sua intenção de trabalhar, sem cortes em seu apoio financeiro à região, de acordo a VP.

“Nossa intenção é apoiar onde podemos apoiar, o que está de acordo com nossas linhas de trabalho e beneficia as comunidades”, disse.

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Apoio ao setor privado

Latorre observou ainda que a filantropia na região depende principalmente do setor privado local.

Uma das conclusões do relatório é que o capital local existe, mas faltam mecanismos para mobilizá-lo sistematicamente.

Esse é o verdadeiro barômetro: a capacidade dos atores locais, disse.

“A região sempre foi muito mais condicionada, em cada um dos países, a esse apoio do setor privado”, explicou.

E, embora a cooperação internacional esteja flutuando, novas oportunidades estão surgindo, como a cooperação Sul-Sul.

As operações da Fundação na região se estendem a 33 países.

O escritório regional está sediado em Bogotá e cobre toda a América Latina e o Caribe.

Sua história na região remonta às décadas de 1950 e 1970, com projetos que ainda estão em andamento, como os centros de pesquisa CIMMYT (México) e CIAT (Colômbia), apoiados pela Fundação Rockefeller.

Nessa nova fase, ele se concentra em grandes economias, como Brasil, Colômbia e México, mas seu impacto se estende a países menores, como a Jamaica.

O orçamento é gerenciado a partir dos programas globais.

Os escritórios regionais articulam oportunidades e orientam as equipes técnicas em Nova York.

As iniciativas da organização na região incluem projetos de acesso a energia limpa, saúde, clima e sistemas alimentares.

Foco na colaboração

A Fundação Rockefeller enfatiza que a chave para aumentar o impacto na América Latina não é apenas coordenar esforços, mas promover uma colaboração profunda e sustentável.

De acordo com um relatório da The Resource Foundation e da Dalberg Advisors, a América Latina precisa começar a “colaborar seriamente” com a filantropia.

Embora “haja muitas conexões”, a colaboração que “realmente transforma os sistemas continua sendo rara na região”.

Eles pedem que as organizações do setor passem da coordenação para a ação coletiva.

Isso “significa promover uma colaboração radical: compartilhar poder, risco e aprendizado para colocar a mudança sistêmica acima dos logos institucionais“, diz o documento.

O relatório mostra que, na América Latina e no Caribe, mais de 50% das fundações da região foram criadas desde 2000.

Isso indica que suas origens estão ligadas à ação social da Igreja Católica.

Atualmente, há uma alta concentração de fundações corporativas na região, especialmente no Brasil, na Colômbia e no México.

Além da colaboração, as organizações destacam que a filantropia na América Latina enfrenta o desafio de mobilizar e ativar o capital disponível para um impacto real, alinhando cidadãos, empresas e doadores globais em compromissos sustentáveis.

Elas também destacam que o impacto da filantropia depende não apenas da quantidade doada, mas também de como os recursos são estruturados e gerenciados.

Além disso, eles consideram fundamental orientar a filantropia para o local, reconhecendo as comunidades como cocriadoras de soluções.

Outra recomendação é que é necessário avançar na profissionalização do setor e no fortalecimento dos principais atores.

“A filantropia não pode enfrentar os desafios da região sem investir em si mesma”, diz o documento.