Bloomberg — Um defensor do clima que pede mais petróleo. Um defensor da floresta tropical que autoriza a uma rodovia que atravessa uma parte intocada da Amazônia. Um promotor de uma nova bioeconomia brasileira que acomoda o antigo setor de carne bovina.
Essas são as tensões que definirão o legado climático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anfitrião da conferência do clima da ONU COP30, que começa nesta semana em Belém.
Lula, que planeja concorrer a um quarto mandato em 2026, insiste que não há contradição: a perfuração de petróleo é essencial para financiar a transição energética do país, e a agricultura movida a commodities e interligada por estradas pode coexistir com a preservação da floresta.
Mas seu atual mandato - e agora como organizador de fato das mais importantes negociações sobre o clima - corre o risco de obscurecer sua reivindicação de liderança ambiental em um cenário global.
A principal iniciativa de Lula para custear a conservação das florestas, conhecida como Florestas Tropicais Para Sempre (Tropical Forest Forever Fund - TFFF), teve sua meta inicial de investimento de US$ 25 bilhões reduzida em 60% e apenas quatro outras nações comprometeram dinheiro significativo até o momento.
Em seus comentários em Belém, diante de dezenas de líderes mundiais e outros representantes nacionais na quinta-feira, Lula destacou o progresso do Brasil, ao mesmo tempo em que sugeriu suas complicações.
“Acelerar a transição energética e proteger a natureza são as duas maneiras mais eficazes de conter o aquecimento global”, disse ele. “Estou convencido de que, apesar de nossas dificuldades e contradições, precisamos de roteiros para reverter o desmatamento de forma justa e estratégica, superar a dependência de combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para atingir esses objetivos.”
Os esforços de Lula na diplomacia climática produziram alguns resultados na sexta-feira, quando o Brasil fez com que a União Europeia e a China se unissem a uma coalizão destinada a melhorar a colaboração nos mercados de carbono. E o investimento inicial no fundo de florestas tropicais também atingiu US$ 5,5 bilhões, de acordo com o governo brasileiro, a meio caminho da nova meta de US$ 10 bilhões.
Mas em outro sinal das compensações entre o clima e a economia, Lula também anunciou na sexta-feira (7) que o Brasil criará um fundo para financiar a transição energética usando parte dos lucros da exploração de petróleo. Essa medida foi tomada poucas semanas depois que a Petrobras recebeu a aprovação para explorar petróleo perto da foz do rio Amazonas.
Quando Lula participou da COP27 no Egito em 2022 como presidente eleito, ele foi recebido como um herói. Para multidões que o aplaudiam, ele declarou que “o Brasil está de volta” e prometeu trazer as negociações climáticas mais importantes do mundo para a Amazônia.
Três anos depois, Lula acaba de comemorar uma queda de 50% no desmatamento da Amazônia em comparação com os anos de Bolsonaro, quando a perda de floresta atingiu um recorde de 15 anos, alimentada por uma fiscalização ambiental enfraquecida e políticas que favorecem o agronegócio.
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Os delegados da COP30 de quase 200 países que estão em Belém, a capital do estado amazônico do Pará, são adjacentes a uma floresta tropical que atingiu sua terceira menor taxa de desmatamento desde que os registros começaram em 1988.
Como em grande parte do mundo, as questões climáticas e ambientais não estão entre as principais preocupações do público brasileiro, ficando atrás de questões como crime, economia e saúde. Os movimentos indígenas e ambientais locais dependem de alianças internacionais para obter financiamento e visibilidade.
Mas uma pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News revelou que mais de 70% dos brasileiros acreditam que serão afetados pelas mudanças climáticas nos próximos 10 anos. O país continua dividido em relação às prioridades: 51% disseram que Lula deve favorecer a proteção ambiental mesmo que isso diminua o crescimento econômico, enquanto 49% acreditam que a economia deve ter prioridade.

A conveniência econômica definiu o governo anterior. Lula herdou o que Suely Araújo, coordenadora de políticas do Observatório do Clima, uma rede de organizações ambientais e acadêmicas, descreveu como um “cenário de terra arrasada”, com o desmantelamento da supervisão ambiental do Brasil.
Houve um progresso real, disse ela, e um grande aumento no financiamento de projetos para reduzir as emissões que aquecem o planeta por meio do Fundo Clima, que é administrado pelo BNDES, o banco de desenvolvimento do Brasil.
Desde que Lula assumiu o cargo, houve R$ 19 bilhões em projetos aprovados para energia renovável e restauração florestal, em comparação com apenas R$ 1,6 bilhão de 2019 a 2022 durante o mandato de Bolsonaro.
No entanto, as credenciais ambientais de Lula estão sendo atacadas em casa. O Observatório do Clima processou o governo federal por causa de dois projetos polêmicos: um plano para abrir novos campos de petróleo offshore perto da foz ecologicamente sensível do Rio Amazonas e a pavimentação da rodovia BR-319, que corta uma floresta tropical praticamente intocada.
Apesar de sua afirmação de que o Brasil pode liderar como exemplo global, ele enfrenta ceticismo doméstico. De acordo com a pesquisa da AtlasIntel, 56% dos brasileiros desaprovam o desempenho de Lula em questões ambientais e climáticas, enquanto 35% dizem que ele está fazendo um bom trabalho.
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“Lula tem essa ambiguidade”, disse o cientista político Carlos Melo, coordenador do Observatório Político do Insper.
“Ao mesmo tempo em que ele sinaliza para a preservação, ele não se compromete com um ritmo mais acelerado de crescimento baseado em energia fóssil.”
A ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina Silva, defende a bandeira das grandes metas do governo diante do histórico misto do presidente.
“Obviamente, todos nós vivemos com contradições, e essas contradições estão sendo administradas”, disse ela aos repórteres no início de outubro.
Desde uma grande descoberta em 2006, o petróleo passou a ocupar o centro da economia brasileira - uma característica compartilhada pelos anfitriões azerbaijanos e emiradenses das mais recentes cúpulas climáticas da ONU. O petróleo bruto tornou-se o principal produto de exportação do país pela primeira vez em 2024.
A produção diária ultrapassou 4,3 milhões de barris por dia pela primeira vez em outubro. A CEO da Petrobras, Magda Chambriard, ecoou o slogan “drill, baby, drill” do presidente dos EUA, Donald Trump.
A maioria dos brasileiros não se opõe à exploração de petróleo offshore na costa amazônica. De acordo com a pesquisa da AtlasIntel, apenas 31% disseram que a Petrobras não deveria explorar a região em nenhuma circunstância.
Lula tem repetido que a receita do petróleo da Amazônia financiará a mudança para as energias renováveis e que a Petrobras acabará se tornando uma empresa de energia, em vez de se concentrar em combustíveis fósseis.
Araújo rejeita essas afirmações. “A abertura de novas áreas levará tempo, e não podemos esperar 10 ou 20 anos para investir na transição”, disse ela.
“A produção de petróleo só vai piorar o próprio problema que a transição energética pretende resolver. Não é nem mesmo uma questão ambiental, é uma questão de lógica.”
Isso significa um desafio adicional para o sucesso das negociações sobre o clima em Belém, especialmente porque os EUA de Trump estão se retirando do Acordo de Paris e as guerras na Ucrânia e em Gaza desviaram a atenção do mundo da diplomacia climática. Há um vácuo de poder que Lula talvez não seja capaz de preencher.
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“O mundo vive em uma crise de liderança”, disse Melo. “O Brasil é relevante na frente ambiental, mas não é um dos atores políticos mais relevantes.”
Embora o governo de Lula apregoe seu sucesso na redução do desmatamento, a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil, os críticos alertam que esses ganhos podem se desfazer sob qualquer administração futura alinhada com a abordagem de Bolsonaro. Os ativistas ambientais querem que o governo de Lula garanta todos os ganhos contra a ameaça de reversão.
Beto Veríssimo, do Imazon, uma organização sem fins lucrativos sediada em Belém, pede a designação oficial de 63 milhões de hectares de florestas públicas não classificadas na Amazônia - uma área aproximadamente do tamanho da Ucrânia - como unidades de conservação ou territórios indígenas.
Sem isso, ele adverte, essas terras permanecerão abertas ao desmatamento ilegal e à grilagem de terras.
A conservação precisa ser apoiada por uma economia que valorize a floresta em pé. Isso pode ser alcançado principalmente por meio do estímulo ao mercado de carbono, acrescentou Veríssimo, já que essa é a alternativa mais viável à pecuária, responsável por 90% de todo o desmatamento na Amazônia nas últimas quatro décadas.
“Temos um problema de emissões e baixa produtividade”, disse Veríssimo. “Os [mercados] de carbono podem ser uma parte fundamental da solução, trazendo dinheiro para a Amazônia em um momento em que o próprio Brasil não consegue financiar essa transição na escala necessária.”
Ativistas como Veríssimo concluíram que a rodovia BR-319, que Lula prometeu começar a pavimentar no próximo ano, é um projeto imparável com forte apoio de políticos locais. Isso é um indicador de que o equilíbrio de poder ainda se inclina para a velha economia do desmatamento.
O governo Lula se comprometeu também a tornar a carne bovina brasileira totalmente rastreável até 2032, medida fundamental para evitar que o gado criado em terras desmatadas entre na cadeia de suprimentos. Mas o prazo é longo e coleta de dados ambientais de agricultores e pecuaristas continua sendo voluntário.
“É muito difícil para qualquer governo interferir no setor, dada sua influência política e econômica”, disse Marina Guyot, gerente executiva do Imaflora, um grupo privado de sustentabilidade que recentemente lançou sua própria certificação de carne bovina livre de desmatamento.
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Enquanto cede à pressão do agronegócio e de seus aliados no Congresso, o governo Lula avança nas metas de aumentar as áreas protegidas e criar uma nova economia na Amazônia.
Desde 2022, seu governo reservou cerca de 17 milhões de hectares (cerca de 42 milhões de acres) - aproximadamente o tamanho da Flórida - para a criação de áreas protegidas, de acordo com André Lima, secretário de controle de desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.
Lima reconheceu que a bioeconomia brasileira, baseada em recursos que mantêm a floresta em pé, não será totalmente consolidada nos quatro anos do mandato de Lula. Mas os sinais de progresso já são visíveis, com programas de assistência técnica para restauração florestal e a criação de linhas de crédito para projetos verdes que, segundo Lima, aumentaram “de milhões para bilhões” com a ajuda do BNDES.
O ministro da Agricultura, Carlos Favaro, vê quaisquer contradições como um sinal do pluralismo do governo, muitas vezes incentivado pelo próprio Lula antes de tomar uma decisão.
“É um fato que existem divergências dentro do governo”, disse Favaro em outubro. “Não estou dizendo que é uma briga. Estou dizendo que há diferenças de posição, e isso é saudável.”
Favaro argumenta que nenhum país do mundo está tão avançado quanto o Brasil no que diz respeito à transição energética. A principal fonte de eletricidade no Brasil é a energia hidrelétrica, que responde por mais da metade da geração total, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia. As energias solar e eólica também cresceram na última década, enquanto os biocombustíveis respondem por um terço da matriz energética.
“Não é só o meio ambiente que importa”, disse Favaro. “Quando falamos de sustentabilidade, também temos que olhar para os lados econômico e social.”
Dentro do governo, o ministro da agricultura representa o setor que mais polui no Brasil. Antecipando-se às críticas dos ambientalistas durante a COP30, ele está pronto para flexionar a força do setor.
“Estamos abertos a discutir a evolução dos compromissos globais com a pecuária”, disse Favaro. “Mas ninguém vem aqui para falar mal do agronegócio brasileiro e vai embora sem resposta. Eu serei o único a ficar de olho nisso.”
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