Brasil ganha protagonismo climático com recuo dos EUA, diz líder da Converge Capital

Marina Cançado, fundadora da gestora e uma das idealizadoras do Brazil Climate Summit, diz à Bloomberg Línea que o país tem a oportunidade de atrair mais capital internacional para projetos sustentáveis, mas deve organizar melhor setores emergentes

Marina Cançado
18 de Setembro, 2025 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — A mudança de postura dos Estados Unidos em relação à agenda climática, com a volta de Donald Trump à presidência em janeiro, fez com que o Brasil se tornasse um destino ainda mais estratégico para investimentos globais em soluções de baixo carbono.

Essa é a avaliação de Marina Cançado, uma das organizadoras do evento Brazil Climate Summit e fundadora da gestora Converge Capital, uma butique de advisory focada em alocação de capital em soluções climáticas.

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Segundo ela, investidores internacionais continuam a direcionar recursos para projetos climáticos, mas com maior cautela diante das incertezas políticas em Washington. Esse movimento, afirma, cria oportunidades para o Brasil.

“Os mandatos continuam. E está ocorrendo uma reorganização do capital dentro dos Estados Unidos. Até investidores americanos agora estão em busca de oportunidades para investir fora dos Estados Unidos, o que não ocorria antes”, disse Marina Cançado em entrevista recente à Bloomberg Línea.

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A executiva, que já atuou como Head de Sustainable Wealth na área de private banking da XP, contou que esteve recentemente em um encontro no México com mais de 200 family offices globais, das famílias que mais investem em clima no mundo, incluindo as americanas. Segundo ela, a América Latina e o Brasil se tornaram prioridade número um para esse grupo.

“Eles não estão deixando de investir, pelo contrário. Estão colocando energia, inclusive, fora dos Estados Unidos, porque estão vendo que outros mercados são importantes para soluções climáticas”, ressaltou.

Segundo Marina Cançado, esse é um dos principais temas que devem ser tratados no Brazil Climate Summit, que ocorre nesta sexta (19) em Nova York. O evento sem fins lucrativos é organizado em parceria com a Universidade Columbia e um grupo de representantes de gestoras brasileiras que atuam na área, como EB Capital e Maraé Investimentos.

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O encontro reunirá cerca de 800 participantes, sendo cerca de metade deles de grandes bancos, gestoras e family offices americanos, de acordo com ela.

Para a executiva, as tarifas comerciais impostas por Trump a diversos países representam um desafio para os investimentos climáticos mas também podem ajudar o Brasil a se posicionar como um destino atraente de capital.

Empresas em todo o mundo têm buscado reorganizar suas cadeias de produção para cumprirem com suas metas de descarbonização, segundo ela. As tarifas impõem um desafio adicional de rever parceiros comerciais com que fazem negócios, para construir uma rede de supply chain resiliente.

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“A despeito da dinâmica política, o Brasil tem um setor privado muito maduro e bem articulado, que está comprometido em continuar a entregar esse tipo de solução”, disse.

“O mundo pode ver o Brasil como um fornecedor, um mercado sofisticado no qual dá para confiar, mudando essa essa percepção de risco em relação ao país, que, na minha visão, é superestimada por falta de compreensão.”

Para ela, o país pode contribuir para a descarbonização e a eficiência dos supply chains para diversos setores da economia. E pode ser uma base de expansão de empresas que desenvolvem soluções em baixo carbono e fornecer produtos e commodities com menor intensidade de emissões.

Referência em baixo carbono

Ela citou a chegada de operadores internacionais de projetos de carbono, a instalação de data centers e investimentos em combustíveis sustentáveis como evidências de que o país já vem sendo visto como “terreno fértil para soluções climáticas”.

O setor de biocombustíveis, que completa 50 anos em 2025 com o programa do Pró-Álcool, é um exemplo da trajetória que o Brasil pode oferecer.

“Existe uma base construída, com frameworks, maturidade e escala”, afirmou. Além disso, a matriz elétrica predominantemente renovável abre espaço para o desenvolvimento de indústrias de maior valor agregado, como o chamado aço verde e o hidrogênio.

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Segundo Cançado, para ampliar essa posição, é necessário organizar melhor setores emergentes.

O Brasil poderia limitar-se a exportar créditos de carbono, mas, com maior coordenação, pode avançar em cadeias de valor ligadas à restauração de áreas degradadas, à produção de alimentos e ao desenvolvimento de soluções baseadas na natureza.

“Quando o setor se organiza, o país deixa de ter apenas o papel de exportador de commodities e passa a desempenhar diferentes funções relevantes para a economia global”, afirmou.

Os desafios, no entanto, não são desprezíveis.

A volatilidade cambial e a ausência de instrumentos financeiros adequados dificultam a atração de capital. É algo em que o Brasil poderia avançar, oferecendo mais garantias para projetos de transição energética no país, justamente no momento em que o país será sede da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorre em novembro, em Belém.

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Ela citou como exemplo contratos de longo prazo, como os off-take agreements, que são fundamentais para viabilizar investimentos em áreas como SAF (combustível sustentável de aviação), biometano e projetos de carbono.

Outras iniciativas em discussão, como o Eco Invest, um programa do governo que prevê crédito subsidiado para financiar projetos climáticos, e mecanismos de hedge cambial propostos por organismos multilaterais também podem facilitar a atração de investidores.

“No mundo cada vez mais incerto, o que as pessoas mais querem são parcerias estáveis”, disse. “O Brasil pode ser esse parceiro estável, em fornecimento, em competitividade, em soluções de mais baixo carbono e em compromisso do setor privado. E avançar nesse caminho enquanto estratégia.”

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