Agro brasileiro busca provar que é possível produzir carne bovina de baixo carbono

Indústria de carnes defende na COP30 que, com manejo adequado, é possível usar as pastagens para capturar carbono e compensar parte das emissões da produção de gado

Gado
Por Dayanne Sousa
14 de Novembro, 2025 | 02:36 PM

Bloomberg — A indústria brasileira de carne está lançando uma campanha para convencer o mundo de que consegue produzir carne bovina com baixas emissões de carbono — uma afirmação que, segundo alguns especialistas, esconde o elevado impacto climático desse tipo de produção.

Na COP30, a conferência climática da ONU, pecuaristas, cientistas apoiados pelo governo e grandes frigoríficos apresentam uma nova narrativa para um produto antigo. Eles defendem que, com manejo adequado, os mesmos pastos usados pelo gado podem captar carbono da atmosfera, compensando parte do dano ambiental causado pelo metano liberado pelos animais.

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O setor prepara uma série de eventos em Belém para apresentar seus argumentos. Na quarta-feira (12), a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) divulgou um estudo sobre a redução de emissões da pecuária dentro do Pavilhão Agrizone, uma área especial dedicada ao tema na COP30.

Ao mesmo tempo, testes de captura de carbono em pastagens realizados pelo grupo Roncador estão sendo apresentados em um estande de destaque. Mais tarde na semana, a Embrapa, estatal de pesquisa agropecuária, lançará um manual com os passos necessários para que produtores possam obter o selo de “baixo carbono”.

“O que temos em mãos é um plano de como o Brasil pode fazer seu setor de carne bovina alcançar todo o seu potencial de contribuição para a agenda climática”, afirmou Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da Abiec.

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O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, e a agricultura é um dos pilares da economia. Mas o setor enfrenta forte escrutínio internacional por causa de sua pesada pegada de carbono e de seu papel no desmatamento.

As vacas liberam grandes quantidades de metano, um gás de efeito estufa muito mais potente que o dióxido de carbono no curto prazo. Isso torna a carne bovina muito mais poluente que outras fontes de proteína.

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Um estudo publicado na Science em 2018 mostrou que produzir um quilo de carne bovina gera cerca de 100 quilos de gases de efeito estufa — aproximadamente oito vezes mais que a carne suína e 20 vezes mais que os ovos.

“As emissões de metano do gado ainda representam uma parte realmente significativa do problema das mudanças climáticas”, disse Pete Smith, professor de solos e mudanças globais na Universidade de Aberdeen, na Escócia.

No Brasil, onde o gado é criado majoritariamente a pasto, o impacto aumenta por causa do desmatamento de áreas para novas pastagens, o que libera o carbono das florestas. Desde 1985, cerca de 13% da Amazônia foi convertida em pastagens ou áreas agrícolas, segundo o MapBiomas, do Observatório do Clima.

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A Embrapa argumenta que as extensas áreas de pastagens no país também podem fazer parte da solução — elas seriam capazes de captar carbono se manejadas adequadamente, com técnicas como enriquecimento do solo com nutrientes e controle de erosão, desde que a área não tenha sido desmatada depois de 2008.

Manifestantes durante a cúpula climática COP30 em Belém, estado do Pará, Brasil, em 10 de novembro. (Foto: Alessandro Falco/Bloomberg)

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Abiec, divulgado na quarta-feira, concluiu que o setor poderia reduzir emissões em grande escala até 2050 se continuar adotando práticas mais eficientes de produção e se frear a conversão de novas áreas em pastagens.

Para certificar produtores que adotam boas práticas e conseguem produzir “carne de baixo carbono”, a Embrapa desenvolveu um protocolo com uma lista de exigências. O projeto conta com apoio da gigante de carnes MBRF, e cerca de 10 fornecedores da empresa devem receber o certificado em breve, afirma o pesquisador da Embrapa Roberto Giolo.

Segundo Smith, melhorar o estoque de carbono nas pastagens é tecnicamente possível, mas está longe de compensar o metano produzido pelo gado. Ele destacou que a capacidade de sequestro de carbono no solo dura apenas até que o solo atinja seu equilíbrio com o ecossistema e pare de absorver carbono — enquanto as vacas que pastam ali continuarão emitindo metano.

“O manejo do solo deve melhorar. Mas isso não compensará as emissões de metano”, afirmou Smith. “É enganoso afirmar que isso contribui para a solução climática.”

A defesa brasileira para reduzir emissões na carne bovina se apoia no fato de que muitos pecuaristas ainda não cumprem os padrões do próprio país para manejo do solo — o que significa que mesmo melhorias modestas poderiam gerar ganhos climáticos relevantes.

Cerca de metade das pastagens brasileiras apresenta algum grau de degradação, segundo o pesquisador da Universidade de São Paulo Carlos Eduardo Cerri, especialista em emissões de carbono na agricultura. A degradação ocorre quando o gado pasta em excesso, retirando a vegetação que protege o solo e permite que ele armazene carbono.

É aí que entra o grupo Roncador, como vitrine dos esforços do setor para melhorar o manejo do solo.

A Roncador combina agricultura e pecuária para acelerar a recuperação do solo. O modelo foi inicialmente criado para aumentar a produtividade, contou o proprietário do grupo, Pelerson Penido Dalla Vecchia. Mas ele percebeu também benefícios ambientais.

O grupo há muito tempo abre suas áreas para pesquisadores que estudam carbono no solo. O esforço mais recente vem de uma equipe da Kansas State University, que iniciou coletas de amostras em uma das fazendas do grupo. A pesquisa continua e os resultados ainda são desconhecidos.

Esforços para tornar o manejo do pasto mais eficiente fazem sentido, mas não representam uma “carta de saída da cadeia” para o setor de carne bovina, afirmou Jonathan Foley, diretor-executivo da Project Drawdown, organização sem fins lucrativos dedicada a soluções climáticas.

“É como trocar um carro muito velho e poluente por um carro novo”, disse Foley. “No conjunto de coisas do dia a dia, a carne bovina é, de longe, o item mais poluente, e nenhuma quantidade de carbono no solo vai compensar isso.”

Representantes da indústria rebateram as críticas, ressaltando que áreas degradadas podem ser replantadas com pasto e, depois, com lavouras e outras vegetações no que o agronegócio brasileiro chama de “integração lavoura-pecuária-floresta”.

“Você combina captura de carbono com produtividade — e nunca deve analisar uma coisa sem a outra”, afirmou Marta Giannichi, diretora de sustentabilidade da Minerva.

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