Escolhido por Bolsonaro, Flávio diz que ‘tem um preço’ para desistir de candidatura

Senador nunca foi visto como o herdeiro político mais provável de Jair Bolsonaro, mas soube lidar com as dinâmicas da família e dialogar com o Centrão; ‘Existe a possibilidade de eu não ir até o fim’, disse ele neste domingo

Flavio Bolsonaro
Por Daniel Carvalho
07 de Dezembro, 2025 | 01:16 PM

Bloomberg — Flávio Bolsonaro nunca foi visto como o herdeiro mais provável do capital político do pai, mesmo quando o ex-presidente Jair Bolsonaro foi preso e impedido de disputar a eleição de 2026 por tentar dar um golpe de Estado.

Ao contrário do irmão Eduardo, ele não construiu alianças com conservadores globais como Donald Trump. E, diferentemente da madrasta Michelle, não tem relação próxima com as crescentes comunidades evangélicas, uma das principais bases de apoio de Bolsonaro.

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Seu maior trunfo sempre foi a disposição de dialogar com parlamentares do centro, que — como investidores — preferiam o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como candidato à presidência.

Mas não deveria ter surpreendido mercados ou aliados quando Flávio anunciou na sexta-feira (5) que recebera o apoio do pai para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano que vem.

Flávio afirmou neste domingo (7), porém, que o futuro de sua candidatura pode depender das negociações com líderes do centro.

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“Existe a possibilidade de eu não ir até o fim”, disse ele. “Eu tenho um preço para isso”, acrescentou, sem revelar qual seria a condição, mas admitindo que está relacionada à aprovação da proposta de anistia. Ele disse a jornalistas que dará mais detalhes na segunda-feira (8).

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Aos 44 anos, o senador já vinha há meses se posicionando para conquistar a bênção que Bolsonaro dificilmente daria a alguém de fora do próprio clã.

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A decisão abriu um novo capítulo no drama de sucessão que se arrasta há meses e dominou a direita brasileira, na expectativa do aval de Bolsonaro — que mantém apoio expressivo de sua base, apesar da condenação em setembro por conspirar para permanecer no poder após a derrota de 2022.

Ignorado por muito tempo nessa disputa, Flávio ganhou espaço em parte por saber lidar com as dinâmicas de uma família conhecida pelo radicalismo impulsivo do patriarca, cuja ascensão à presidência em 2018 o transformou em um dos primeiros rostos da onda de direita estridente que se espalhou pelo mundo.

Ex-presidente foi preso e impedido de disputar a eleição de 2026 por tentar dar um golpe de Estado (Foto: Arthur Menescal/Bloomberg)

Como o “filho escolhido”, porém, Flávio agora precisa reconquistar os eleitores moderados afastados pela marca Bolsonaro, além de tranquilizar um establishment de centro que teme que o ex-presidente tenha, na prática, entregue a eleição a Lula.

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Ele tem muito terreno a recuperar: Lula liderava por 51% a 36% em um cenário de segundo turno, segundo pesquisa DataFolha publicada no sábado (6). Já Tarcísio de Freitas estava apenas cinco pontos atrás do presidente.

‘Está decidido’

Dentro da família, o primeiro sinal de que Flávio tinha uma chance real surgiu durante o julgamento de Bolsonaro, quando o ex-presidente pediu ao filho mais velho que se preparasse para uma eventual candidatura, segundo uma pessoa próxima ao clã que falou com a Bloomberg News.

Bolsonaro insistia que disputaria novamente, apesar da inelegibilidade e do processo pelo golpe, mas tinha cada vez menos tempo — e alternativas.

Ao redor dele, crescia a percepção de que o desejo de manter o controle do movimento de direita tornava improvável que apoiasse Tarcísio de Freitas, ex-ministro e favorito de investidores.

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Eduardo, que se mudou para os EUA em março para buscar ajuda de Trump para o pai, saiu de cena depois que o líder americano impôs tarifas e sanções ao Brasil. Em setembro, procuradores o denunciaram por obstrução de Justiça no caso Bolsonaro — o que, na prática, o manteve fora do país.

A falta de experiência eleitoral de Michelle — que nunca disputou um cargo — levou Bolsonaro a incentivá-la a concorrer ao Senado.

Flávio, por sua vez, passou a atuar como principal porta-voz e representante do pai, especialmente à medida que a articulação de Eduardo por tarifas dos EUA se voltava contra o clã ao impulsionar Lula nas pesquisas. Em Brasília, logo ficou claro que quem buscasse acesso a Bolsonaro precisava passar por Flávio.

O senador começou a aventar uma possível candidatura presidencial entre aliados, segundo três pessoas a par das conversas, que pediram anonimato para discutir temas sensíveis.

Flávio já havia defendido que a família adotasse um tom mais moderado e procurou uma abordagem conciliadora, ao contrário de Eduardo, que cobrava publicamente a lealdade de Freitas.

Também buscou fortalecer laços com líderes do Centrão, enquanto tentava se aproximar de investidores que apoiavam abertamente Freitas, segundo diversas pessoas familiarizadas com a situação.

Na última terça-feira, Flávio visitou o pai no presídio onde ele cumpre pena de 27 anos desde o fim de novembro. A maioria das pessoas próximas à família esperava que a decisão de Bolsonaro só fosse anunciada em março. Em vez disso, Flávio saiu de lá com o sinal verde.

“Ele me falou: ‘Você é o candidato’”, disse Flávio à Bloomberg News na noite de sexta-feira. “‘Está decidido.’”

Angústia no centro

A família, que vinha dando sinais públicos de racha durante o julgamento, rapidamente se uniu em torno dele — com Eduardo e Michelle manifestando apoio nas redes sociais. Isso deve ajudar Flávio — cuja tentativa de adotar um discurso moderado às vezes gerou desconfiança entre os bolsonaristas mais radicais — a consolidar a base e se firmar como principal adversário de Lula.

O governador sinalizou que não concorrerá sem o apoio de Bolsonaro. (Foto: Tuane Fernandes/Bloomberg)

O centro, porém, já se mostra mais difícil de segurar. Poucos líderes do Centrão reagiram publicamente ao anúncio repentino. Tarcísio não fez comentários, embora Flávio tenha dito que recebeu o apoio do governador em conversa privada.

Mas a escolha provocou queixas entre diversos políticos de centro, que pediram anonimato e criticaram a recusa de Bolsonaro em apoiar o governador paulista como alternativa pragmática. Um deles afirmou que Flávio terá dificuldade para consolidar o apoio do bloco.

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Flávio disse que busca convencer investidores de que será mais responsável fiscalmente do que Lula, cujas políticas de gasto ampliaram preocupações com déficits e o aumento da dívida pública.

“Sabemos que temos de fazer o oposto do que o governo atual faz”, afirmou. “Reequilibrar as contas, parar de gastar mais do que arrecadamos, parar de extorquir a população com aumento de impostos.”

Mas convencer investidores de sua credibilidade fiscal — especialmente após os próprios excessos orçamentários de Bolsonaro — é só metade da batalha. Os mercados brasileiros caíram após o anúncio de sexta-feira, com operadores vendo a candidatura de Flávio como um grande impulso para Lula.

Flávio é um bolsonarista convicto: passou meses defendendo um projeto de anistia para o pai e outros envolvidos na tentativa de golpe. A proposta é impopular entre eleitores moderados — assim como os Bolsonaros. Segundo pesquisa Genial/Quaest de novembro, membros da família do ex-presidente enfrentam rejeição de ao menos 70% dos eleitores independentes.

Uma maioria de 56% tinha imagem negativa de Flávio, segundo a LatAm Pulse, pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News.

Isso deixou investidores e políticos de centro torcendo para que ainda exista a possibilidade de sua candidatura perder força rapidamente, abrindo caminho para o retorno de Freitas. O governador, que sinalizou que não concorrerá sem o apoio de Bolsonaro, precisa decidir até abril se buscará a reeleição ou a presidência.

Mas Nabhan Garcia, ex-coordenador da campanha de Bolsonaro, disse ter se surpreendido com a reação positiva de outro setor crucial: o agronegócio brasileiro, pilar da direita que tem resistido a apoiar Lula apesar das tentativas de reaproximação do presidente.

Garcia também lembrou que Bolsonaro iniciou a corrida de 2018 bem atrás nas pesquisas — e venceu.

“Flávio sempre foi muito ponderado e aprendeu a negociar”, afirmou Garcia. “É um nome que pode surpreender.”

-- Atualizada às 14h32 para incluir a declaração do senador neste domingo, sinalizando que pode desistir de candidatura.

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