Impulso fiscal poderá limitar cortes na Selic, diz Ana Paula Vescovi, do Santander

Em entrevista à Bloomberg Línea, diretora de macroeconomia do Santander Brasil avalia que a expansão fiscal voltará a ganhar força neste segundo semestre, o que pode reduzir os efeitos da política monetária e mudar os planos do Copom em 2026

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil
12 de Agosto, 2025 | 05:15 AM

Bloomberg Línea — A economia brasileira enfrenta uma situação contraditória, na avaliação de Ana Paula Vescovi, diretora de macroeconomia do Santander Brasil.

Enquanto a taxa de juros elevada começa a fazer efeito sobre a atividade econômica, reduzindo a inflação e desacelerando o crescimento, os impulsos fiscais devem ganhar força neste segundo semestre e no próximo ano, com a proximidade das eleições, e exercer uma ação contrária à desejada pelo Banco Central.

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Isso coloca a autoridade monetária sob pressão justamente no momento em que economistas e operadores do mercado veem a possibilidade de início dos cortes de juros no fim deste ano ou no início de 2026, depois de a Selic alcançar 15% ao ano, o maior patamar em duas décadas.

Para a economista do Santander, ex-secretária do Tesouro Nacional e ex-secretária-executiva do Ministério da Fazenda, esse é um dos fatores que podem limitar a queda da taxa de juros em um futuro próximo.

“Daqui para frente, vamos ver cada vez mais o canal fiscal voltando a impactar o ambiente econômico. Ou seja, vamos sair dessa quase virtual neutralidade que tivemos no primeiro semestre de 2025”, disse a economista-chefe do banco espanhol no Brasil em entrevista à Bloomberg Línea.

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Despesas com o pagamento de precatórios, programas do governo federal e despesas de governos estaduais antes das eleições no ano que vem são algumas das medidas que tendem a provocar uma pressão expansionista.

Nesse ambiente, a economista projeta que o Banco Central poderá iniciar um ciclo de cortes da Selic no primeiro trimestre de 2026, possivelmente já na primeira reunião do ano. Mas a expectativa é a de uma redução total de apenas dois pontos percentuais até junho, levando a Selic para cerca de 13% ao ano.

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Depois disso, Vescovi avalia que o BC poderá fazer uma pausa no ciclo, para aguardar o desfecho da campanha eleitoral. Em sua avaliação, o resultado das eleições será determinante para as políticas fiscal e monetária e para a avaliação dos mercados sobre a sustentabilidade da dívida pública.

“Temos uma hipótese de que o Banco Central vai parar para esperar o ciclo das eleições. Porque o que vai ser conversado, debatido e levado como proposta vencedora em termos de política fiscal vai ser muito importante para a definição dos juros no Brasil”, disse Vescovi.

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Para a economista, para que a taxa de juros siga em um ciclo de queda desse momento futuro em diante seria necessário um “um freio de arrumação” no campo fiscal, de forma a estabilizar a dívida pública e colocá-la em uma trajetória sustentável.

A economista argumenta que o país precisa agir rapidamente para conter o avanço das despesas obrigatórias, cuja trajetória considera incompatível com o crescimento da economia.

Mais do que revisar o arcabouço fiscal, ela defende que o Congresso aprove de imediato medidas concretas para desacelerar esse gasto, como forma de sinalizar compromisso com a sustentabilidade da dívida.

“O Brasil precisa investir muito rapidamente na credibilidade da política fiscal e na melhoria do ambiente de negócios”, afirmou, citando também a segurança pública como fator relevante para atrair investimentos.

Queda da inflação e desaceleração da atividade

Ao mesmo tempo em que a política monetária enfrenta as incertezas fiscais, Vescovi avaliou que a economia brasileira já apresenta sinais de perda de fôlego.

Ela ressaltou que a indústria e o varejo registraram crescimento próximo de zero ou até retração nas últimas leituras, enquanto o setor de serviços, que vinha sustentando a atividade, começou a se estabilizar.

No mercado de trabalho, o nível de ocupação também se acomoda, ainda que os salários reais se mantenham em alta na margem.

Essa desaceleração contribui para reduzir as pressões inflacionárias, especialmente nos bens comercializáveis, influenciados pela queda nos preços das commodities em reais e pelo comportamento recente do câmbio, com a desvalorização do dólar no mundo e também no Brasil.

A economista citou como exemplo a desaceleração dos preços no atacado e dos demais indicadores de inflação que compõem o Índice Geral de Preços (IGP) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Vescovi ressaltou que os IGPs começaram o ano com projeções acima de 6% ao ano e estão agora com estimativas perto de 1,5%, podendo chegar a zero. Nos serviços, a inflação segue mais resistente, mas já começa a mostrar sinais de desaceleração à medida que a atividade perde força.

Para ela, a moderação da atividade está alinhada ao objetivo da política monetária, que passou a ganhar tração após o ciclo de alta iniciado no ano passado.

“Vai ser um desaquecimento gradual. Nós não esperamos recessão nem nada disso. Estamos falando de uma atividade que está desaquecendo em linha com a política monetária”, disse a economista.

“Com a moderação dos impulsos fiscais no primeiro semestre e um contexto externo favorável para a inflação, pudemos pelo menos ver uma perspectiva de interrupção das altas de juros e a política monetária funcionando.”

Efeito das tarifas dos EUA

Outro fator de incertezas são as tarifas de 50% impostas pelo governo de Donald Trump a produtos brasileiros. Embora a Casa Branca tenha incluído centenas de produtos em uma lista de isenções, as tarifas podem provocar um efeito negativo para a economia brasileira caso sejam mantidas por um período longo, segundo a economista.

Vescovi e a equipe do Santander estimam um impacto direto de cerca de US$ 6,2 bilhões na balança comercial brasileira em 12 meses, o equivalente a 0,15 ponto percentual do PIB.

No agregado, o efeito é limitado, segundo ela, mas determinados setores — como pescados, carnes e frutas, mais dependentes do mercado americano — podem sentir prejuízos relevantes até que consigam redirecionar exportações para outros destinos.

A economista também apontou um efeito indireto ligado à confiança, uma vez que a decisão americana foi inesperada para o Brasil, país com participação relativamente pequena no comércio internacional e no fluxo bilateral com os Estados Unidos.

Apesar disso, o câmbio se manteve relativamente estável desde julho, com depreciação de cerca de 1%, enquanto os efeitos mais visíveis apareceram na ponta longa da curva de juros, que subiu cerca de 50 pontos-base.

Para a economista, a evolução das negociações comerciais ainda é incerta e precisa ser acompanhada de perto, dado o caráter dinâmico e imprevisível do processo.

“O que se esperava era um impacto sobre preços de ativos dado o canal indireto da confiança. Mas, devido ao comportamento do próprio dólar, isso não está acontecendo. De alguma forma, por várias razões que se somam, esse efeito indireto está bem acomodado até agora”, afirmou.

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.