Bloomberg Línea — O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu manter a taxa básica de juros inalterada em 15% ao ano, no momento em que a economia brasileira enfrenta incertezas diante da ameaça tarifária do presidente americano Donald Trump.
Em decisão nesta quarta-feira (30), os diretores do BC liderados por Gabriel Galípolo optaram por interromper o ciclo de alta de juros iniciado em setembro de 2024, como tinham indicado na reunião anterior do Copom. A decisão foi unânime.
A manutenção da Selic era amplamente esperada pelo mercado. Todos os economistas consultados em uma pesquisa da Bloomberg antes da decisão previam que a taxa básica de juros seria mantida em 15% ao ano, o maior nível desde 2016.
No comunicado que acompanhou a decisão, o Copom afirmou que a possível imposição de tarifas a produtos brasileiros pelos Estados Unidos exige cautela do colegiado.
“O Comitê tem acompanhado, com particular atenção, os anúncios referentes à imposição pelos EUA de tarifas comerciais ao Brasil, reforçando a postura de cautela em cenário de maior incerteza”, diz o comunicado.
Antes da divulgação do Copom, o Ibovespa (IBOV) encerrou a sessão desta quarta-feira em alta de 0,95%, aos 133.990 pontos, em reação à ordem executiva de Trump sobre as tarifas de 50% ao Brasil que deixou de fora uma série de produtos, entre eles aeronaves civis e suco de laranja. O dólar subiu 0,38% ante o real, cotado a R$ 5,59.
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O Copom avaliou que a manutenção da taxa de juros em 15% é compatível com a estratégia para levar a inflação para a meta. O colegiado do BC também indicou que espera manter os juros estáveis para avaliar os efeitos da política monetária nos preços.
“O cenário atual, marcado por elevada incerteza, exige cautela na condução da política monetária. Em se confirmando o cenário esperado, o Comitê antecipa uma continuação na interrupção no ciclo de alta de juros para examinar os impactos acumulados do ajuste já realizado, ainda por serem observados, e então avaliar se o nível corrente da taxa de juros, considerando a sua manutenção por período bastante prolongado, é suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta”, diz o comunicado.
Expectativas de inflação acima da meta
O Banco Central tem lidado com o desafio de conter as expectativas de inflação elevadas, que seguem acima da meta de 3% até 2028.
A pesquisa Focus divulgada na segunda-feira indica que o IPCA deve encerrar o ano em 5,09%, segundo a projeção de economistas consultados pelo Banco Central. Para 2026, a expectativa é de um aumento de 4,44%, enquanto a estimativa para 2027 e 2028 está em 4% e 3,8%.
A autoridade monetária elevou a Selic sete vezes consecutivas em um ciclo que totalizou um aumento de 4,5 pontos percentuais antes de indicar em junho que faria uma pausa para observar os efeitos do aperto monetário sobre os preços ao consumidor.
Embora a baixa taxa de desemprego esteja sustentando a demanda, que permanece elevada, há sinais iniciais de que a atividade doméstica está desacelerando.
Em maio, Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia do PIB, registrou queda de 0,7% em relação ao mês anterior, interrompendo quatro meses seguidos de expansão e a primeira contração no ano.
Ainda assim, a inflação tem se mantido resiliente. O IPCA-15 subiu 0,33% em julho, acima do resultado do mês anterior de 0,26%, levando a inflação em 12 meses para 5,3%.
Risco das tarifas
Ainda assim, o risco de uma guerra comercial com os Estados Unidos adiciona incerteza às perspectivas da política monetária e tende a exigir mais prudência do Banco Central.
Em 9 de julho, Trump ameaçou impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros como retaliação ao que chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Nesta quarta-feira (30), Trump assinou uma ordem executiva que impõe uma tarifa adicional de 40% sobre produtos brasileiros, além dos 10% que já estavam em vigor. Segundo a medida da Casa Branca, a nova taxa passará a ser cobrada em sete dias, e não mais a partir de 1º de agosto, como Trump havia ameaçado inicialmente.
A ordem executiva também abriu exceções a dezenas de produtos que não estarão sujeitas às tarifas, de aviões e equipamentos da Embraer a sucos e polpa de laranja, petróleo e derivados, ferro-gusa, castanhas, madeiras, celulose e diferentes tipos de carvão.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia dito na terça-feira (29), que autoridades americanas demonstraram mais interesse em conversar nesta semana após dias de frustração por parte de autoridades brasileiras devido à falta de diálogo.
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A ameaça tarifária de Trump impulsionou a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fortaleceu sua candidatura à reeleição em 2026 e deixou investidores preocupados com as perspectivas fiscais do Brasil sob a sua liderança.
Economistas também questionam o impacto potencial das tarifas sobre a política monetária.
Barreiras comerciais poderiam conter a inflação ao aumentar a oferta de bens que normalmente seriam exportados. Ao mesmo tempo, há maior probabilidade de novos riscos à atividade doméstica, segundo Iana Ferrão, economista do BTG Pactual.
“O aumento da incerteza regulatória tende a afetar negativamente as decisões de investimento e consumo, especialmente em um ambiente de atividade em desaceleração, crédito restrito e custos financeiros elevados”, escreveu Ferrão em um relatório.
A moeda brasileira representa outro ponto de atenção para os mercados financeiros. Uma taxa de câmbio mais fraca pressiona a inflação ao tornar as importações mais caras.
“Ainda é muito difícil estimar o que acontecerá com a taxa de câmbio, mas existe a possibilidade de um impacto político das tarifas americanas”, disse Caio Megale, economista-chefe da XP.
Comunicado do Copom de 30/07/2025 na íntegra
“O ambiente externo está mais adverso e incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos, principalmente acerca de suas políticas comercial e fiscal e de seus respectivos efeitos. Consequentemente, o comportamento e a volatilidade de diferentes classes de ativos têm sido afetados, com reflexos nas condições financeiras globais. Tal cenário exige particular cautela por parte de países emergentes em ambiente marcado por tensão geopolítica.
Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica tem apresentado, conforme esperado, certa moderação no crescimento, mas o mercado de trabalho ainda mostra dinamismo. Nas divulgações mais recentes, a inflação cheia e as medidas subjacentes mantiveram-se acima da meta para a inflação.
As expectativas de inflação para 2025 e 2026 apuradas pela pesquisa Focus permanecem em valores acima da meta, situando-se em 5,1% e 4,4%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2027, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em 3,4% no cenário de referência (Tabela 1).
Os riscos para a inflação, tanto de alta quanto de baixa, seguem mais elevados do que o usual. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais positivo; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário maior que o esperado, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma eventual desaceleração da atividade econômica doméstica mais acentuada do que a projetada, tendo impactos sobre o cenário de inflação; (ii) uma desaceleração global mais pronunciada decorrente do choque de comércio e de um cenário de maior incerteza; e (iii) uma redução nos preços das commodities com efeitos desinflacionários.
O Comitê tem acompanhado, com particular atenção, os anúncios referentes à imposição pelos EUA de tarifas comerciais ao Brasil, reforçando a postura de cautela em cenário de maior incerteza. Além disso, segue acompanhando como os desenvolvimentos da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O cenário segue sendo marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho. Para assegurar a convergência da inflação à meta em ambiente de expectativas desancoradas, exige-se uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado.
O Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 15,00% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
O cenário atual, marcado por elevada incerteza, exige cautela na condução da política monetária. Em se confirmando o cenário esperado, o Comitê antecipa uma continuação na interrupção no ciclo de alta de juros para examinar os impactos acumulados do ajuste já realizado, ainda por serem observados, e então avaliar se o nível corrente da taxa de juros, considerando a sua manutenção por período bastante prolongado, é suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta. O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Gabriel Muricca Galípolo (presidente), Ailton de Aquino Santos, Diogo Abry Guillen, Gilneu Francisco Astolfi Vivan, Izabela Moreira Correa, Nilton José Schneider David, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.
Tabela 1
Projeções de inflação no cenário de referência
Variação do IPCA acumulada em quatro trimestres (%)
Índice de preços | 2025 | 2026 | 1º tri 2027 |
---|---|---|---|
IPCA | 4,9 | 3,6 | 3,4 |
IPCA livres | 5,1 | 3,5 | 3,3 |
IPCA administrados | 4,4 | 4,0 | 3,9 |
No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de R$5,55/US$, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2025 e de 2026. O valor para o câmbio foi obtido pelo procedimento usual."
-- Com informações da Bloomberg News. Atualizada às 18h47 para incluir mais informações do comunicado.
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