Bloomberg — As contas externas brasileiras voltaram a apresentar déficit crescentes, nos piores patamares dos últimos cinco anos — observados durante a pandemia de covid-19. O déficit em conta corrente atingiu 3,6% do PIB em setembro no acumulado em 12 meses, vindo de 2,2% um ano antes e reacendendo o alerta entre economistas.
Impulsionado pelo avanço das importações e pelo aumento dos gastos com streaming e outros serviços ligados aos novos hábitos de consumo e investimentos, o desequilíbrio sinaliza maior dependência de financiamento externo e pode reduzir o espaço para uma queda mais acentuada do dólar — depois da baixa da moeda de quase 13% no ano.
O piora surge em um momento em que o país se aproxima de um período sazonalmente marcado por maior saída de capital no fim do ano, agravado pelas tensões em torno das tarifas dos Estados Unidos e pelas expectativas de uma eleição acirrada em 2026.
“A gente acha que é um fator que limita a possibilidade de apreciação da moeda”, disse o economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, em evento em 29 de setembro.
Segundo ele, embora o dólar venha perdendo força frente a diversas divisas globais, países com déficits expressivos em conta corrente como o Brasil tendem a se beneficiar menos desse movimento do que economias com balanços externos mais equilibrados.
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Analistas avaliam que parte do aumento do déficit externo deve persistir, refletindo uma mudança estrutural nos hábitos dos brasileiros.
Despesas com streaming, serviços de nuvem e investimentos no exterior vêm crescendo de forma expressiva, assim como as remessas relacionadas às empresas de apostas — as chamadas bets —, contribuindo para manter o saldo negativo das contas externas em patamar elevado.
Diante dos desequilíbrios, o câmbio precisa ficar num patamar mais desvalorizado, afirmou Fernando Rocha, economista-chefe e sócio da JGP Asset Management.
Mesmo que tenha uma melhora conjuntural que ajude o câmbio, isso não vai ser sustentável, pois a estrutura do balanço de pagamentos se deteriorou, afirma. Em um cenário assim, o risco é do câmbio ter um “overshooting” se houver uma piora de conjuntura, completa.
Luíza Pinese, economista da XP, diz que a deterioração do balanço de pagamentos neste ano merece atenção. Em 2025, o déficit em conta corrente deverá ultrapassar os ingressos de investimento direto, prevê a economista.
A esperada recuperação da demanda doméstica no próximo ano tende a adicionar pressão altista sobre importações, remessas de lucros e demais saídas de renda, podendo ampliar ainda mais o desequilíbrio externo, de acordo ela.
Na parte mais tradicional das contas externas, economistas destacam o aumento das importações na balança comercial, reflexo de uma economia ainda aquecida e sujeita às tarifas americanas.
Em setembro, as importações cresceram 16% sobre agosto, enquanto as exportações avançaram apenas 3%, resultando em uma balança comercial superavitária em US$ 3 bilhões. No ano até agora, o resultado positivo da balança caiu na comparação com 2024. Parte do impacto das tarifas americanas nos embarques foi compensado por exportações a parceiros como China e Argentina.
O crescimento na rubrica de lucros e dividendos para fora do país também chama atenção. De janeiro a setembro, a saída foi de US$ 39,3 bilhões, ante US$ 36,7 bilhões no mesmo período do ano passado.
Lacunas
Apesar do aumento do déficit, o risco no curto prazo é amenizado pelo fato de que o rombo tem sido coberto total ou majoritariamente pelo investimento estrangeiro direto, de longo prazo. Uma eventual redução nessas entradas de capital, porém, poderia tornar o financiamento do déficit mais desafiador.
“Para ter um impacto mais significativo no câmbio, precisaríamos ver lacunas de financiamento maiores”, diz Alejandro Cuadrado, chefe de câmbio e estratégia para América Latina no BBVA.
Historicamente, essas lacunas têm sido contidas no Brasil e bem financiadas por investimento estrangeiro direto, ainda que o déficit atual precise ser monitorado.
As contas externas também podem ser um fator adicional a dificultar a limitar a queda dos juros, já que a Selic elevada ajuda a atrair capital externo e contribui para financiar o déficit.
“O BC vai ter que ‘pagar prêmio’ para financiar esse deficit maior”, afirma o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon. “O que esse déficit causa é uma limitação na queda de juros, quando ela ocorrer”, disse.
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