Produtor indígena vence concurso de café da 3 Corações. Agora lotes vão a mercado

Café robusta amazônico do cacique Rafael Mupimoku Suruí, da etnia Paiter Suruí, atingiu a nota máxima de 100 pontos. Ele contou à Bloomberg Línea como o grão produzido em Rondônia gerou impacto além do econômico para a sua aldeia

Café de 100 pontos de Rafael Mupimoku Suruí
21 de Outubro, 2025 | 02:23 PM

Bloomberg Línea — O cacique Rafael Mupimoku Suruí, da etnia Paiter Suruí, provou pela primeira vez o café robusta amazônico que produziu e atingiu a nota máxima de 100 pontos em um concurso da 3 Corações no começo de outubro, durante evento de lançamento do microlote com os grãos premiados.

Suruí é agricultor da aldeia Linha 9, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, e contou que o cultivo na região começou de forma despretensiosa.

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“Nós conhecemos o café em 1982. Começamos a cuidar do que tinha sido deixado. Achávamos que era fruta e até comíamos porque era doce”, disse Suruí em entrevista à Bloomberg Línea durante o evento de lançamento do microlote batizado de Café Tribos 100 Pontos.

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Segundo o cacique, aquele ano marcou também a demarcação da terra indígena na região.

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“O café foi deixado por homens brancos que plantaram antes da demarcação”, explicou.

O microlote de Suruí foi o único a receber a nota máxima entre os cafés avaliados por nove especialistas independentes, sob liderança do provador Silvio Leite.

“Foi-se o tempo em que o melhor café que tínhamos era o de exportação. A prova desse café ocorreu no final do ano passado, e ele pontuou 51 atributos. É uma raridade”, disse Leite durante o evento.

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O Café Tribos 100 Pontos, produzido por Rafael, foi descrito pelos jurados que o avaliaram como um café de sabor rico e complexo, com notas de rapadura, mel, própolis, hibisco e flor de laranjeira, acidez média e finalização levemente achocolatada.

Segundo o especialista, essa foi apenas a quarta vez em sua carreira que atribuiu a nota máxima a um café.

O grão de alta qualidade produzido por Rafael também chama a atenção por pertencer à espécie Coffea canephora, popularmente conhecida como robusta, uma variedade que, historicamente, teve menor valorização no mercado em comparação ao arábica, usado na maioria dos cafés especiais.

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O microlote foi lançado em uma edição limitada de 333 unidades, vendidas exclusivamente no Mercafé, plataforma de e-commerce da 3 Corações, por R$ 599, em um kit que inclui moedor.

Rafael Mupimoku Suruí, da etnia Paiter Suruí

“É uma surpresa pra mim. Eu não entendo muito de café, mas fico feliz de ver o nosso trabalho sendo reconhecido. Hoje nós torramos o café lá [na aldeia] e tomamos o que produzimos”, disse Suruí.

Produção orgânica

“O segredo é cuidar bem. A secagem tem que ser no limite, na lona, não pode deixar ‘blocado’. O café tem que ser bem cuidado, selecionado, limpo”, disse Suruí, que planta banana e castanha, além do café.

Segundo ele, a produção é feita sem adubo químico. “É orgânico mesmo. O adubo a gente faz. Não usamos veneno nem adubo comprado. É tudo natural”, disse.

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O resultado, disse o cacique em tom de orgulho, representa um marco para a aldeia.

“Alcançar os 100 pontos é motivo de orgulho e inspiração para todos os agricultores, indígenas e não indígenas. Mostra para os jovens da aldeia que há futuro no campo e que é possível ter sustento e dignidade com o nosso trabalho”, disse Suruí durante o lançamento do microlote do café que produziu.

Ele disse que espera que, no futuro, a produção na região seja assistida com irrigação, o que facilitaria o cultivo, sobretudo durante as mudanças climáticas.

“Sem irrigação é difícil. A produção caiu com a falta de chuva. No ano passado não deu nada”, disse.

Apesar dos desafios, Suruí disse que vê a cafeicultura, aos poucos, mudando a realidade de sua aldeia.

“Os jovens que estudavam na cidade agora querem voltar para a aldeia e trabalhar. Querem ser autônomos. Isso mudou muito com o nosso produto e a nossa vida.”

Da aldeia ao mercado

O reconhecimento do café de Suruí é fruto de uma parceria iniciada em 2019 entre os Paiter Suruí e a 3 Corações, por meio do Projeto Tribos, que atua com 169 famílias em 28 aldeias nas Terras Indígenas Sete de Setembro e Rio Branco.

Segundo Patrícia Carvalho, gerente de cafés especiais da 3 Corações e líder do projeto, a iniciativa começou após a empresa identificar o potencial dos cafés indígenas durante a Semana Internacional do Café, em Belo Horizonte, em 2018.

“Quando conhecemos o café dos Paiter Suruí ele ainda não era especial, mas tinha potencial. Montamos uma equipe com a Embrapa, a Emater e a Funai para oferecer capacitação e infraestrutura, como a construção de terreiros suspensos e acompanhamento técnico”, explicou Carvalho.

De um lado, a 3 Corações garante a compra de toda a produção dos participantes - e paga até 50% acima do preço de mercado. Todo o lucro obtido com a venda dos cafés da linha Tribos é revertido para os produtores.

Atualmente, o projeto Tributos movimenta, em média, 1.500 sacas de café por safra.

Dentro desse montante total, cerca de 200 sacas correspondem aos cafés de qualidade especial, avaliados acima de 80 pontos, que dão origem aos microlotes Tribos.

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“Mais do que o lucro, o projeto trouxe autoestima e sucessão: os jovens, que antes deixavam as aldeias, agora querem aprender e trabalhar com café”, disse Carvalho. Ele estimou que, desde o início do projeto, os microlotes já geraram R$ 300 mil em lucro revertido aos produtores indígenas.

Custeio dividido

A assistência técnica é um dos pilares do Projeto Tribos e hoje conta com três agrônomos dedicados exclusivamente às aldeias participantes. Eles percorrem as áreas em veículos alugados pela 3 Corações.

Os técnicos acompanham as famílias durante o ciclo produtivo, com foco em manejo, colheita, pós-colheita, previsão de safra e controle de qualidade.

Nos primeiros anos, o custeio das atividades, como insumos, ferramentas e capacitação, foi totalmente subsidiado pela empresa.

Atualmente, os produtores dividem o custeio com a 3 Corações, que antecipa os insumos necessários antes da colheita, e devolvem o valor após a venda da safra.

“Nos três primeiros anos foi 100% subsidiado. Hoje nós entregamos o que eles precisam no início da colheita e eles pagam depois, com o próprio café”, disse Carvalho.

Do lado da 3 Corações, o projeto ajuda a conectar a marca a consumidores cada vez mais atentos à origem e à sustentabilidade dos produtos, explicou a gerente da 3 Corações.

“O consumidor está mais engajado e quer saber de onde vem o café. O projeto mostra que é possível gerar impacto positivo dentro do nosso core business, com protagonismo indígena e respeito à floresta”, afirmou.

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