Orfeu traça plano para crescer em cafés especiais. Mas no próprio tempo, diz CEO

Com manejo regenerativo, cafés orgânicos e tecnologia de precisão, marca aposta em crescimento mas ‘sem perder a essência’, explica Ricardo Madureira à Bloomberg Línea

Jequitibá da Orfeu
31 de Julho, 2025 | 11:55 AM

Bloomberg Línea — Sob a sombra de um jequitibá com mais de 1.500 anos, Ricardo Madureira, CEO da Orfeu, prova o fruto do café direto de uma das plantas da Fazenda Sertãozinho, localizada em Botelhos, Minas Gerais, e explica a estratégia por trás do sabor e da qualidade dos grãos que fizeram o grupo ser reconhecido dentro e fora do país.

O imponente jequitibá, além de ser “guardião da lavoura”, como mostra o vídeo exibido pelo executivo em seu celular, também carrega o logo da marca nas embalagens de café do grupo que completa duas décadas em 2025.

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A marca foi criada em 2005 pelo vice-presidente do conselho e acionista da Globo, Roberto Irineu Marinho, e por sua esposa, Karen, que mantêm uma gestão discreta por trás dos negócios.

A fazenda Sertãozinho, no Sul de Minas Gerais, é uma das três do grupo Orfeu que juntas reúnem mais de 150 talhões com altitudes que chegam a 1.570 metros. Atualmente, a empresa arrenda áreas em outras fazendas vizinhas para complementar a produção.

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Na Sertãozinho, a colheita já superou os 60%, e nas demais fazendas do grupo o avanço está um pouco atrás desse patamar.

As variedades vão do clássico bourbon amarelo até apostas como o Arara, um híbrido que surpreendeu pela alta pontuação em concursos de qualidade e que hoje ocupa mais de 280 hectares do grupo.

CEO da Orfeu, Ricardo Madureira

A Orfeu também tem visto uma maior procura do consumidor brasileiro por grãos especiais, diante da alta dos preços do café tradicional, o que acabou por reduzindo a diferença para a bebida premium.

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A empresa também vende café aos Estados Unidos diretamente pela Amazon e já enviou grãos de forma pontual para Japão, Chile e República Tcheca, fruto de conexões comerciais ou premiações em concursos de qualidade, como o Cup of Excellence.

“Não estamos mirando o mundo agora, mas queremos que o consumidor estrangeiro conheça o Brasil por meio de marcas que representem o país com excelência, como é o caso da Orfeu”, disse Madureira à Bloomberg Línea.

“Estamos em um momento de expansão, mas sem perder a essência, com calma. Temos uma visão de longo prazo, de construir um negócio sólido”, disse.

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Sobre a aplicação de tarifas de 50% de Trump contra o Brasil - que manteve a taxação sobre o café, segundo decreto publicado nesta quarta-feira (30) - o executivo disse que pode rever o envio para a região, já que ficaria inviável.

“No nosso caso, se eu tiver que absorver 50%, é melhor não vender mais para lá”, disse ele, antes da assinatura da ordem executiva por Trump.

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Madureira está há quatro anos à frente dos negócios da Orfeu, mas esta não é a sua primeira incursão no agronegócio.

Antes, ele já foi diretor de estratégia global da Monsanto e também diretor de operações na Votorantim New Business e da Ambev. No início da carreira, passou pelo programa de trainee da Brahma.

O executivo é formado em engenharia química pela Universidade Federal da Bahia e tem MBA pela Fundação Dom Cabral. Além da Orfeu, ele é sócio da Momo, de gelatos artesanais, com unidades no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A Orfeu foca a sua produção de cafés das mais diversas variedades para a produção de grãos torrados e moídos, que são o carro-chefe da empresa, mas os tipos cápsulas e o drip (o coado em dose única) também têm crescido no portfólio.

A companhia também têm aumentado a produção de grãos orgânicos, para acompanhar os novos hábitos e exigências do consumidor.

Outras variedades, como o exótico Geisha, plantado em áreas específicas da Fazenda Rainha, têm produção limitada, voltada a micro lotes e exportações pontuais.

Fundada em 1995, a Sertãozinho representa o início da trajetória da Orfeu no café.

Cafezal da Orfeu

A empresa trabalha hoje com mais de 30 variedades comerciais e 50 em fase de teste – algumas promissoras o suficiente para redesenhar o portfólio da marca nos próximos anos.

“A gente trata cada talhão como uma unidade única, com nome, história e manejo específico”, conta Lucas Figueiredo, engenheiro agrônomo e gerente de operações da Orfeu.

Segundo Figueiredo, a altitude da região de Botelhos garante que o café naquela região seja produzido com alta qualidade. A empresa usa drones para fazer a pulverização, e utiliza hidróxido de cobre como um tipo de fungicida das variedades não orgânicas.

No escritório da empresa no coração da fazenda Sertãozinho, Figueiredo mostra uma grande tabela exposta na parede, com as principais informações de cada talhão e designação de variedade, nome e localização.

Desde março deste ano, a torrefação da Orfeu, feita na fazenda de Sertãozinho, tem operado com regime 24 horas e já tem planos de expansão para o final de semana com contratação de funcionários em novos turnos.

Da semente ao solo

Na Orfeu, o manejo do solo é baseado em práticas regenerativas, com uso intensivo de compostagem produzida a partir de resíduos da própria fazenda, com dejetos de suínos, de bois e da palha de café.

A empresa também tem produzido desde 2020 pequenos lotes de azeites especiais ‘de altíssima qualidade’, conta Madureira, diretamente na fazenda de Poços de Caldas em 40 hectares de terra.

“Ao melhorar a carga orgânica do solo, reduzimos o uso de fertilizantes químicos e aumentamos a resiliência da planta”, diz Madureira, CEO da empresa.

A irrigação é feita por gotejamento, controlada por estações meteorológicas e sensores de umidade integrados a softwares que dosam, com precisão, a quantidade de água em cada linha de cultivo.

A tecnologia também é peça-chave na colheita: na fazenda Sertãozinho, cerca de 50% da área já é mecanizada, com colhedoras adaptadas para terrenos em terraço.

A falta de mão de obra especializada na região é um dos principais entraves, diz Madureira.

Um dos diferenciais da Orfeu é o cultivo de café orgânico mecanizado em escala.

Com 42 hectares certificados, o plantio teve início em 2014 a pedido de um comprador japonês, Hasegawa, que visitou a fazenda e se dispôs a comprar toda a produção, desde que fosse cultivada sem insumos químicos. Desde então, a empresa tem aumentado a produção de orgânico na Sertãozinho.

Cafezal da Orfeu

Segundo Figueiredo, o café orgânico é mais caro de se produzir, já que não conta com adubação de químicos e requer a limpeza entre os talhões “na enxada”.

O sucesso do experimento transformou o Arara orgânico em um dos carros-chefes da linha Orfeu, premiado com 94 pontos pela Associação Brasileira de Cafés Especiais.

Hoje, a fazenda também testa novas variedades dentro do cultivo sem químicos, com planos de expansão gradual.

As variedades em fase de teste da marca demoram em torno de quatro anos para ser aprovada e dois anos e meia até o início da produção.

A Siriema, variedade resistente à ferrugem e bicho mineiro, é uma das apostas da empresa: “é um café do futuro”, disse Figueiredo.

Na fazenda Sertãozinho, cerca de 70 famílias vivem em vilas nas terras da empresa, com transporte escolar, acesso a projetos de formação em informática e iniciativas culturais como o grupo de bordadeiras.

Os trabalhadores são registrados sob o regime CLT e recebem por produção. Cada trabalhador é responsável por uma rua de talhões e a diária paga varia entre R$ 400 e R$ 500.

A empresa também é certificada por selos como Rainforest Alliance, ISO 9001 e ISO 22000, que atestam o cuidado com o meio ambiente, a rastreabilidade da produção e a segurança alimentar.

Processo

Após a colheita, os grãos passam por um processo de separação e lavagem na moega. Nos pátios de secagem, os grãos são separados por tipos de variedades, onde permanecem por cerca de 15 dias.

A empresa tenta garantir, por meio de seu processo industrial, que o café produzido seja sem defeito. Sessenta porcento da produção é de café especial e 40% são destinados como “refugo”, quando o café ainda verde é vendido para terceiros.

No café, a florada é considerada essencial. Na Orfeu, a busca pelo grão de alta qualidade foca na última florada, quando o grão está maduro. O natural e verde são vendidos para terceiros.

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Naiara Albuquerque

Formada em jornalismo pela Fáculdade Cásper Líbero, tem mestrado em Ciências da Comunicação pela Unisinos, e acumula passagens por veículos como Valor Econômico, Capricho, Nexo Jornal e Exame. Na Bloomberg Línea Brasil, é editora-assistente especializada na cobertura de agronegócios.