Bloomberg Línea — No sul da Bahia, epicentro da cacauicultura, a médica veterinária Cláudia Calmon de Sá decidiu investir em tecnologia e boas práticas de manejo para enfrentar um desafio estrutural que impacta o setor desde a chegada da vassoura-de-bruxa, no fim da década de 1980: a baixa produtividade.
A produtora assumiu a gestão do Grupo Cantagalo em 2018, depois de ter passado por todas as frentes do negócio.
“Meu pai chegou a ter 24 fazendas, mas depois da vassoura-de-bruxa tivemos que reduzir. Hoje mantemos 14 propriedades, com 1.800 hectares de cacau, metade em cabruca e metade em sistemas agroflorestais com seringueiras”, contou em entrevista à Bloomberg Línea.
Cláudia se refere ao empresário, ex-banqueiro e ex-ministro Ângelo Calmon de Sá, de uma das famílias com mais tradição nos negócios no Nordeste.
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Cinco dessas fazendas citadas são operadas em regime de parceria, em que a produtora oferece a terra e os parceiros arcam com metade das despesas, ficando também com metade da receita.
“Essa parceria eu já tenho há mais de seis anos. Quando o preço do cacau estava muito baixo e vínhamos de muitos anos no prejuízo. A forma que encontrei para não perder dinheiro foi estabelecer essas parcerias nas fazendas que estavam piores”, explicou.
O porte das fazendas do grupo é considerado grande, já que a média plantada por produtor no Brasil fica em torno de cinco hectares. A estratégia do grupo é uma resposta ao impacto direto que o rendimento tem sobre a renda do produtor.
“Para quem tem alta produtividade, dá para ganhar muito dinheiro. Para quem tem média produtividade, o preço tá bom. Mas quem tem baixa produtividade… é preocupante ver cair [o preço]”, disse.
O preço do cacau tem operado em uma crescente nos últimos anos, diante de problemas nas colheitas dos principais países produtores da amêndoa, que é liderada atualmente por Costa do Marfim e Gana.

Os futuros da commodity, que rondavam os US$ 2.300 por tonelada no fim de 2022, subiram para até US$ 12.600 em dezembro de 2024. Neste ano, a amêndoa tem passado por flutuações e perdeu força nos últimos meses, mas era cotado a US$ 7.527 em 1 de setembro, ainda bem acima do patamar anterior.
No acumulado do ano, porém, a amêndoa caiu cerca de 30% na ICE, bolsa de negociação de commodities em Nova York.
O fator dos preços é importante, dado que a venda do cacau tem como base as cotações negociadas na ICE.
Na fazenda Cantagalo, a produtividade média é de 45 arrobas por hectare, contra 18 arrobas da média regional. Apesar disso, Cláudia ainda considera insuficiente para enfrentar a volatilidade do mercado.
“Hoje eu estou em uma posição que não suporta volatilidade, porque ainda tenho produtividade baixa e trabalho em cabruca”, disse.
O objetivo é chegar a 80 a 100 arrobas/ha no sistema cabruca, patamar que considera viável, embora inferior ao cultivo a pleno sol.
“Se eu chegar a esses patamares, suportaria a volatilidade do mercado. Mas para isso é preciso investir muito”, disse. Ela estimar custos atuais em cerca de R$ 50 mil por hectare.
A busca por eficiência se conecta com a visão de especialistas: a produtividade média no Brasil está em 350 kg/ha (ou perto de 23 arrobas), mas técnicos apontam que seria possível triplicar esse número com manejo adequado.
Outra aposta da produtora tem sido a mecanização, mesmo em terrenos de alto relevo.
Atualmente, a Cantagalo opera com quatro tratores pequenos, usados em roçagem, pulverização e adubação, além de uma máquina específica para a quebra do cacau.
“O desafio é que as máquinas precisam ser pequenas, mas fortes e eficientes. Mas temos evoluído bastante”, afirmou.
Antes do cacau
Na década de 1960, Ângelo Calmon de Sá apostou na produção de seringueira, incentivada pelo governo estadual para reduzir a dependência de importações de borracha.
Anos mais tarde, adquiriu a fazenda Ondulada e deu início ao cultivo de cacau, que se expandiria para formar o Grupo Cantagalo.
A propriedade tornou-se referência em pesquisa de resistência à vassoura-de-bruxa, com mais de 800 variedades testadas. Entre elas está o clone PS 13:19, ainda utilizado por sua resiliência. Mesmo assim, cerca de 30% da produção atual ainda sofre impactos da praga.
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Sob a gestão de Cláudia, o grupo voltou a atenção à produtividade e à qualidade, com planos de dobrar o rendimento em três anos, mecanizar 40% das áreas e expandir para o oeste baiano com cacau a pleno sol irrigado. Hoje, 10% da produção já é voltada ao cacau fino, com rastreabilidade e destino no mercado Bean to Bar.
Nos anos de preços mais baixos, subprodutos como mel e polpa de cacau chegaram a representar 30% da receita do grupo. “Ainda falta aumentar a produção desses subprodutos para que a indústria se interesse e eles ganhem escala”, disse.
A Dengo, por exemplo, comercializa o mel de cacau a R$ 29,90 a garrafa de 300 ml.
Um longo caminho
Para Pedro Ronca, diretor da Cocoa Action, “é necessário produzir mais com menos”, disse durante a abertura da Expo Cacau em Ilhéus (BA).
Para ele, o caminho para aumentar a produtividade passa por assistência técnica, criação de linhas de crédito e adoção de tecnologias já disponíveis.
“O produtor não controla o preço, mas controla a produtividade e o custo de produção. Quem faz isso bem ganha dinheiro com preço baixo; e muito dinheiro com preço alto”, afirmou.
O Brasil, que já esteve entre os líderes mundiais na produção de cacau, hoje ocupa a sexta posição. Enquanto a Bahia tenta recuperar a produtividade das terras, outros Estados, como o Pará e o Espírito Santo, também têm aumentado a produção.
A produção das amêndoas, entregue às moageiras, gira em torno de 190 mil a 200 mil toneladas anuais, mas não cobre a demanda da indústria instalada, que tem capacidade para processar 275 mil toneladas. Para ser autossuficiente, o país teria que atingir ao menos 300 mil toneladas.
Na prática, isso significa que as moageiras instaladas em Ilhéus, como a Cargill, a Barry Callebaut e a Ofi (antiga Olam), operam com capacidade ociosa, enquanto parte da demanda é atendida com amêndoas importadas da África.
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