Expansão desenfreada do café no Brasil ameaça sustentabilidade, diz Coffee Watch

Estudo alerta para desmate crescente em regiões produtoras do país, e como isso afeta a queda de chuvas e coloca em risco até dois terços do arábica até 2050

Se observan cerezas de café arábica en una planta en una plantación en Brasil. Fotógrafo: Rodrigo Capote/Bloomberg.
28 de Outubro, 2025 | 09:31 AM

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A expansão de maneira irresponsável da cafeicultura no Brasil pode impactar a sustentabilidade da atividade ao impulsionar o desmatamento, o que, por sua vez, intensifica a seca, ameaça as colheitas e contribui para o aumento dos preços globais, de acordo com um relatório da Coffee Watch.

A área de cultivo de café do Brasil teve a redução de mais de 11 milhões de hectares de floresta entre 2001 e 2023, de acordo com um relatório publicado pela organização sem fins lucrativos.

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A Coffee Watch estima que pelo menos 312.803 hectares foram diretamente desmatados para o cultivo de café no Brasil, “um rastro de destruição do tamanho de Honduras”.

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Segundo o levantamento, os padrões de desmatamento indireto estão particularmente concentrados em torno das áreas de expansão.

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“O café gerou um desmatamento maciço no Brasil, não apenas nos últimos séculos, mas nas últimas décadas, e continua a destruir florestas até hoje”, disse Etelle Higonnet, diretora da Coffee Watch, em um comunicado.

Minas Gerais, a principal região produtora de café do Brasil, sofreu a maior devastação ecológica no cinturão do café.

O estudo ressalta que o café é um dos principais fatores de desmatamento na Mata Atlântica, onde hoje restam menos de 10% da cobertura florestal original.

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Impacto sobre os preços do café

Café

De acordo com dados da Bloomberg News, os preços futuros do café arábica aumentaram 40% desde agosto e estão próximos de um patamar recorde. Enquanto isso, os preços do café robusta aumentaram quase 37%.

Depois que o governo de Donald Trump impôs uma tarifa de 50% sobre o Brasil em julho, os estoques de grãos brasileiros nos EUA caíram para seu nível mais baixo desde 2020.

O relatório da Coffee Watch indica que a alta dos preços do café ocorre por uma combinação de secas extremas, geadas e perda de biodiversidade, o que, por sua vez, leva a surtos de pragas.

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Ele alerta para o fato de que, à medida que esses choques se tornam mais frequentes e intensos, o comportamento especulativo do mercado amplia a volatilidade de maneira sem precedentes.

De acordo com um estudo publicado na Nature em 2023 e citado pelo Coffee Watch, até mesmo um modesto desmatamento próximo a fazendas altera as chuvas locais .

A pesquisa constatou que a remoção de apenas 1% da floresta em um raio de 25 km reduziu a precipitação local em 0,25%.

Além disso, as áreas desmatadas receberam até 28% menos chuvas do que as florestas intactas próximas.

De acordo com a pesquisa da Coffee Watch, “as secas em 2016/2017, 2019/2020 e 2023 reduziram as colheitas e contribuíram para um aumento de preço de mais de 40% em 2023/2024″ no mercado de café.

O impacto é em grande escala

Etelle Higonnet, diretora da Coffee Watch, afirma que “o Brasil precisa reverter urgentemente esse desmatamento, que não é apenas um desastre em termos de carbono e biodiversidade, mas também está destruindo as chuvas e causando o fracasso das colheitas.

“A chuva não está caindo onde o café está se expandindo, em detrimento das florestas. Como resultado, os choques climáticos estão atingindo o bolso das pessoas. O futuro do café brasileiro está em risco“, disse ele.

Os números do relatório indicam que, em 2014, houve até 50% menos chuvas do que o normal em partes de Minas Gerais. Além disso, oito dos últimos 10 anos registraram déficit de chuvas.

O impacto no Brasil tem repercussões abrangentes, pois a maior economia da América Latina exporta um terço do café do mundo.

Como resultado desses choques, até dois terços das safras de café arábica do Brasil estarão em risco até 2050, de acordo com o relatório.

“A frequência e a intensidade dos choques no sistema cafeeiro brasileiro - desde os ecológicos até os climáticos - aumentaram nas últimas duas décadas”, conclui o Coffee Watch.

“Atualmente, a especulação do mercado atua como um acelerador: cada evento extremo não apenas leva a produção ao limite, mas alimenta ciclos de medo, acumulação e clima irregular“, concluiu.