Cacau brasileiro sustentável ganha tração na Nestlé, com aumento de produção e lucros

Barbara Sollero, head de Agricultura Regenerativa, e Igor Mota, gerente de Agricultura para Cacau, falam à Bloomberg Línea sobre os projetos da Nestlé para ampliar a produtividade do cacau brasileiro e o plano para que o país alcance protagonismo no segmento nos próximos anos

El buen tiempo impulsa la cosecha de cacao en Costa de Marfil
09 de Outubro, 2025 | 10:04 AM

Bloomberg Línea — O cacau brasileiro de origem sustentável tem avançado e ganhado papel de “protagonista” dentro da estratégia global da Nestlé. Hoje responsável por 14% do abastecimento do programa Nestlé Cocoa Plan, a produção do país é a terceira origem mais importante da companhia, que mira expandir a produção até 2030.

Para isso, a Nestlé vê uma oportunidade de transformar o país em referência mundial em cacau regenerativo e sustentável, especialmente em um momento em que a África Ocidental, região que abriga a Costa do Marfim e Gana, responsável por 65% da produção global, enfrenta uma crise climática e sanitária.

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“Nosso maior desafio hoje é garantir volume suficiente de cacau sustentável para abastecer 100% da nossa operação”, disse Igor Mota, gerente de Agricultura para Cacau da Nestlé no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

O Nestlé Cocoa Plan, programa global da empresa, existe em países como Gana, Costa do Marfim e Equador e também foi adaptado à realidade brasileira.

Entre 2023 e 2025, a companhia se comprometeu a investir R$ 110 milhões a projetos de agricultura regenerativa, assistência técnica e iniciativas sociais.

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Apenas em mudas clonais de cacau foram distribuídas mais de 200.000 unidades para as propriedades que fazem parte do projeto Mais Inteligência, Mais Cacau, em um investimento de R$ 2,5 milhões.

Foi esse projeto, inclusive, que elevou a produtividade média dos produtores participantes de 683 quilos por hectare para 808 quilos por hectare em 2024, um salto de 18%, segundo Mota. A rentabilidade também cresceu e passou de 25% para 36% entre os produtores que participaram do projeto, um aumento de 44%.

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“Quando o produtor tem produtividade, ele ganha dinheiro independentemente do preço da commodity”, afirma.

Para Mota, o movimento já começou. “O boom do cacau vem de 2022 para cá. A semente já germinou, agora é questão de tempo para que o Brasil retome o protagonismo global.”

O desafio da produtividade

Aumentar a produtividade é um tópico recorrente na fala dos principais executivos e especialistas do setor cacaueiro.

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Destravar o potencial da produção brasileira de cacau ajudaria a reduzir a dependência de importações e ampliar o abastecimento da indústria.

Do lado produtor, aumentar a produtividade pode significar ter um produto menos impactado pela oscilação dos preços, que tem como base a ICE, a bolsa de Nova York.

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Atualmente, os produtores brasileiros entregam entre 190.000 e 200.000 toneladas por ano de cacau às moageiras, enquanto seriam necessárias cerca de 300.000 toneladas para atender toda a demanda e alcançar a autossuficiência.

Esse déficit pressiona a indústria local de moagem, cuja capacidade instalada gira em torno de 275.000 toneladas, segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

Além da questão produtiva, a Nestlé busca estruturar a sucessão e a tecnologia usada no campo, com o projeto Cacauicultores do Futuro, que já capacitou 240 jovens.

No programa, os participantes passam uma semana com profissionais renomados do mercado de cacau para aprender sobre técnicas e informações de manejo. Já houveram edições do projeto em Rondônia, na Bahia, no Pará e no Espírito Santo.

Além disso, a empresa lançou nos últimos anos o assistente virtual Theo, feito com inteligência artificial, que atendeu mais de 7.000 produtores com informações sobre preços, clima e manejo da amêndoa, segundo a empresa.

Expectativa até 2050

Com 15 anos de carreira na Nestlé, Barbara Sollero assumiu em 2023 a posição de head de Agricultura Regenerativa, criada para acelerar a transição da cadeia agrícola da empresa no país.

Na época, o desafio de Sollero era justamente contribuir com a estratégia da Nestlé para zerar emissões líquidas até 2050.

Um dos pilares globais à meta é de que, até 2030, 50% das principais matérias-primas da companhia sejam adquiridas de fazendas regenerativas.

“Essa minha posição é relativamente nova, ela surgiu no ano passado, mas muito alinhada com os nossos objetivos globais de comprar matérias-primas vindo de fazendas que implementam agricultura regenerativa”, disse Sollero à Bloomberg Línea.

No Brasil, os focos da empresa para aumentar as compras de origem sustentável são leite, café e cacau.

A meta intermediária para 2025 era atingir 30% do volume vindo desse modelo de produção, mas o objetivo foi superado antes do prazo previsto. Em 2024, o índice já havia alcançado 41%.

“O cacau, por sua natureza, já tem características regenerativas superiores a outras culturas, como café e leite”, disse Sollero.

A Nestlé afirma que tem desenvolvido estudos para a cultura no país, e que há indícios de que a cacauicultura possui uma pegada de carbono significativamente menor por tonelada produzida, o que a torna um vetor importante de sua estratégia para a agricultura regenerativa.

A meta do setor como um todo, dentro do Plano Inova Cacau 2030, é dobrar a produção nacional e chegar a 400.000 toneladas até o fim da década.

O plano nasceu da colaboração entre a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e o CocoaAction Brasil.

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