Agro brasileiro busca defender ‘imagem verde’ na COP30 ante pressão de UE e EUA

Governo, empresas e bancada ruralista buscam apresentar o agronegócio como parte da solução climática na Cúpula do Clima em Belém

Ranchers herd cattle on a farm in Xinguara, Para state, Brazil.
Por Dayanne Sousa - Daniel Carvalho
15 de Outubro, 2025 | 11:20 AM

Bloomberg — O setor agrícola do Brasil planeja exibir uma “imagem verde” na próxima COP30 - apesar de sua enorme pegada climática.

O setor de maior emissão da economia é também o principal responsável pelo desmatamento. Mas na cúpula patrocinada pelas Nações Unidas, sua mensagem será a de que o Brasil é um líder em agricultura inovadora e sustentável.

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O lobby agrícola e seus apoiadores governamentais têm aprimorado essa mensagem diante da pressão internacional que ameaça as principais exportações do país.

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A União Europeia (UE) aprovou uma lei que exige a comprovação de que as safras brasileiras importadas não foram cultivadas em terras desmatadas (a lei ainda não foi implementada). E os Estados Unidos recentemente lançaram uma investigação sobre as práticas comerciais do Brasil, citando o desmatamento como uma preocupação.

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Gigante de commodities, o Brasil fornece carne bovina, soja, açúcar e café para mercados da China à Europa. A cadeia de suprimentos agrícolas é responsável por cerca de um quarto do PIB do país.

Esse peso econômico significa que o setor molda o debate político do país mais do que qualquer outro - até mesmo mais do que petróleo e gás. Cerca de 60% dos legisladores brasileiros são membros da bancada agrícola do Congresso.

No próximo mês, o maior evento climático do mundo receberá milhares de visitantes de alto nívelem Belém - e abrirá o setor a um exame mais minucioso.

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“Pode ser algo muito negativo para nós”, disse Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Pavilhões em construção na Zona Verde do Parque da Cidade, o principal local da cúpula da COP30, em Belém (Foto: Alessandro Falco/Bloomberg)

A cúpula pode se tornar uma “armadilha” para o agronegócio se não destacar “bons exemplos e boas práticas”, disse o secretário de Política Agrícola do Brasil, Guilherme Campos, em setembro.

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Os órgãos do governo brasileiro que apoiam o setor têm trabalhado para isso. O Ministério da Agricultura e Pecuária e a Embrapa, empresa de pesquisa agrícola apoiada pelo governo, planejam um Pavilhão Agrizone que destacará novas técnicas para o cultivo de tudo, desde o açaí até a carne bovina, e que sediará centenas de eventos durante as duas semanas da conferência, de acordo com o ministério.

“A COP30 será uma oportunidade para o Brasil mostrar ao mundo as práticas sustentáveis de seu setor agrícola”, disse o ministério em um comunicado, “combinando a produção de alimentos, fibras e energia com responsabilidade ambiental”.

A JBS, a maior produtora de carne do mundo, planeja apresentar uma nova pesquisa na COP30 que mostra que a pecuária brasileira desempenha um papel na captura de gases de efeito estufa.

A empresa tem promovido esforços de sustentabilidade de um de seus fornecedores, o Grupo Roncador, uma fazenda conhecida por práticas que podem ajudar o solo a reter o dióxido de carbono, como o plantio direto, a integração de culturas e gado e o uso de resíduos animais como fertilizante.

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Uma instalação da JBS em Tucumã, no estado do Pará. (Foto: Jonne Roriz/Bloomberg)

Claudio Angelo, coordenador de políticas internacionais do Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs climáticas, diz que a agricultura brasileira de fato fez progressos, embora eles devam ser vistos no contexto.

“O Brasil começou a usar muita tecnologia agrícola para recuperar pastagens degradadas, gerenciar melhor as terras de pastagem e integrar pastagens com culturas, e pastagens com culturas e florestas”, disse Angelo, e a combinação permite sequestrar carbono no solo em uma escala limitada.

Mas chamar o setor de altamente sustentável com base nisso seria “desonestidade intelectual”, disse ele. “O agronegócio é o principal beneficiário do desmatamento, e o agronegócio também tem enormes emissões diretas dos rebanhos de gado.”

 (Fonte: MapBiomas)

As vacas são uma das principais fontes de metano, um potente gás de efeito estufa que elas produzem em seus tratos digestivos. Compensar o metano do gado brasileiro exigiria o sequestro de carbono do solo em grande escala, disse Angelo.

E o sequestro de carbono no solo não é uma solução permanente para o clima, disse Mariana Oliveira, diretora do programa de florestas e uso da terra do WRI Brasil, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos.

“Isso nos ajudará a economizar tempo na transição”, disse Oliveira. “Mas o que precisaremos ver, então, é o gerenciamento contínuo e a redução estrutural [das emissões].”

Outro possível ponto de discussão do lobby agrícola na COP30 é que o desmatamento não fez muita diferença na floresta amazônica porque ela é muito vasta.

Nelson Ananias Filho, coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, disse que a Amazônia “ainda está praticamente intacta, por isso precisamos mudar essa mentalidade de que a floresta está desaparecendo”.

Cerca de 13% da Amazônia foi convertida em pastagens ou terras agrícolas desde 1985. Somente de 2019 a 2024, a região perderá 6,6 milhões de hectares (16 milhões de acres) de vegetação nativa, de acordo com o projeto MapBiomas do Observatório do Clima.

A cadeia de suprimentos agrícolas representa uma grande parte do PIB brasileiro (Foto: Dado Galdieri/Bloomberg)

O agronegócio tem resistido aos apelos para se comprometer com o desmatamento zero, em defesa do seu direito ao desmatamento legal. E nega a responsabilidade pelo desmatamento ilegal que, em última análise, é impulsionado pela criação de gado e pela agricultura.

Essa e outras posições a colocaram em desacordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e partes de seu governo, e a tensão pode se espalhar pela COP30.

Os grupos agrícolas brasileiros têm trabalhado para enfraquecer as políticas ambientais do país. Eles pressionaram para acabar com um pacto industrial histórico que proíbe os comerciantes de comprar soja cultivada em terras recentemente desmatadas.

A bancada agrícola no Congresso votou a favor de um projeto de lei para flexibilizar as regras ambientais em torno do licenciamento, que Lula vetou em parte. A bancada liderada por Lupion também questiona os detalhes do Plano Climático do Brasil, que orientará as políticas para a próxima década.

De acordo com Lupion, o plano desvaloriza as medidas ambientalmente responsáveis já tomadas pelos agricultores. “Há medidas e ações extremamente positivas tomadas pelo nosso setor agrícola, nas quais o Ministério do Meio Ambiente se recusa a acreditar”, disse ele.

O Ministério do Meio Ambiente disse em um comunicado que o Plano Climático estabelece responsabilidades claras para os setores e para os atores públicos e privados para ajudar o país a cumprir suas metas de emissão, e que todas as projeções seguem a Metodologia de Inventário Nacional do governo.

O atrito têm enfraquecido a posição do Brasil antes da COP30, disse Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF Brasil.

Ao se recusar a se comprometer com o desmatamento zero, disse Voivodic, “o setor está perdendo uma oportunidade incrível de aparecer no cenário internacional como um provedor de soluções”.

-- Com a ajuda de Fabiano Maisonnave.

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