Bloomberg — Quando a startup chinesa Manus apresentou uma prévia de um agente de inteligência artificial no início deste ano de 2025, o lançamento se tornou mega-viral. Isso aconteceu logo após o DeepSeek, quando o entusiasmo global em torno dos avanços da China em IA estava no auge, e ninguém queria ficar de fora do próximo sucesso surpresa.
Agora, a Manus está fazendo tudo o que pode para romper qualquer vínculo com o continente. Ela transferiu sua sede para Singapura, e seus três cofundadores também se mudaram para o exterior.
A Butterfly Effect, empresa por trás da Manus, supostamente eliminou todos os seus empregos baseados na China. Também removeu conteúdo das plataformas domésticas de mídia social Weibo e Xiaohongshu (também conhecida como RedNote), apesar de manter uma presença ativa no X.
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Usuários na China que tentaram acessar o site nesta semana [em meados de julho] se depararam com a mensagem de que ele “não está disponível em sua região”, uma mudança em relação a um memorando anterior que afirmava que a versão chinesa estava em desenvolvimento.
É a escolha que essas empresas de tecnologia são forçadas a fazer no atual clima geopolítico: permanecer no mercado doméstico hipercompetitivo ou buscar um crescimento mais lucrativo no exterior. Não é possível ter os dois.
Mover-se para fora significa passar pelo árduo processo de tentar “deschinesar” as origens da empresa. É uma pena, dado que esse histórico foi o que impulsionou grande parte do entusiasmo em torno da Manus em primeiro lugar.
As empresas chinesas também tradicionalmente tiveram vantagem em tecnologia de consumo, com acesso a um vasto contingente de talentos de engenharia acessíveis e uma cultura trabalhadora. Além disso, rebrandings de identidade duvidosos quase nunca funcionam.
A decisão da Manus de se reformular como uma empresa de Singapura segue a comoção que surgiu nos EUA depois que a proeminente empresa de venture capital do Vale do Silício Benchmark (investidora inicial de empresas como eBay e Uber Technologies) anunciou que lideraria uma rodada de financiamento de US$ 75 milhões na Butterfly Effect.
Outros VCs acusaram a Benchmark de “investir em seu inimigo” e equipararam isso a apoiar esforços russos durante a corrida espacial. Os planos também passaram a ser analisados pelo Departamento do Tesouro dos EUA devido a novas regras relacionadas a investimentos em determinadas tecnologias chinesas.
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Será muito difícil para a Manus algum dia se livrar do rótulo chinês em sua história, especialmente depois de toda a atenção que recebeu.
O cofundador Ji Yichao esteve na capa da Forbes China há mais de uma década, como um dos 30 empreendedores com menos de 30 anos do país.
Veículos de comunicação apoiados pelo Estado também celebraram a ascensão da Manus, de modo que tentar apagar sua “chinesidade” corre o risco de provocar reação negativa doméstica.
Não é a primeira vez que isso acontece.
A TikTok, da ByteDance, fez grandes esforços de rebranding como uma empresa americana e de Singapura e para apaziguar os temores de Washington sobre suas origens em Pequim.
Mas nada disso impediu os EUA de aprovarem uma lei no ano passado [em 2024] exigindo que a empresa-mãe se desfizesse do aplicativo — que nem sequer opera no continente — ou fosse banida devido a preocupações percebidas de segurança nacional. Isso não é um bom sinal para a Manus.
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O setor de IA tornou-se um alvo preferencial para os críticos da China nos EUA, que veem qualquer aplicação voltada ao consumidor que utilize a tecnologia de seu rival geopolítico como uma ameaça.
A startup chinesa de vídeo com IA HeyGen obteve investimentos e uma série de clientes americanos depois de se mudar da China, mas ainda assim foi destacada por parlamentares devido a possíveis vínculos com o Partido Comunista.
Seu cofundador disse que tem sido “decepcionante” ver sua herança tratada como algo de que ele deveria “ter vergonha”. Por trás das preocupações com segurança nacional há mais do que um indício de xenofobia.
Mirar empresas de tecnologia de consumo com base na origem nacional de seus fundadores é uma estratégia ineficaz.
As preocupações dos EUA sobre possíveis ameaças de vazamento de dados para a China ou de influência do PCC [Partido Comunista da China] sobre algoritmos deveriam resultar na implementação de regras mais abrangentes para mitigar esses riscos.
Quando se trata de novas tecnologias chamativas, como o agente de IA da Manus, padrões para todo o setor já estão atrasados.
Ferramentas projetadas para permitir que softwares assumam tarefas cada vez mais complexas por conta própria trazem riscos únicos, incluindo quem é responsável quando algo dá errado e quanto controle deve ser cedido às máquinas.
Formuladores de políticas globais deveriam enfrentar essas questões independentemente de onde o agente de IA venha.
Excluir as melhores e mais brilhantes mentes da tecnologia corre o risco de deixar o Vale do Silício cego para inovações que acontecem em outros lugares. É do interesse dos Estados Unidos fazer mais para apoiar esses fundadores, trazendo seus talentos e avanços para o país.
-- Artigo da Bloomberg Opinion distribuído originalmente em 16 de julho de 2025.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Catherine Thorbecke é colunista da Bloomberg Opinion e cobre tecnologia na Ásia. Já foi repórter de tecnologia na CNN e na ABC News.
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