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Lula prometeu salvar a Amazônia, mas desmatamento já é pior do que sob Bolsonaro

Às vésperas da COP30 em Belém, quando o Brasil poderia liderar esforços globais em defesa do ambiente, dados mostram que a perda de florestas se acelera, e se torna mais difícil combater o aquecimento global

Amazônia
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — O que aconteceu com o grande salvador da Amazônia?

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já teve motivos para reivindicar esse título. O desmatamento diminuiu cerca de 80% durante seu primeiro mandato, de 2003 a 2011, levando a uma impressionante queda de 39% nas emissões de um país cuja poluição de carbono é determinada principalmente pelo estado de suas florestas.

Na COP30 — a reunião anual das Nações Unidas sobre o clima, realizada este ano em Belém do Pará, na entrada da floresta tropical brasileira — ele prometeu apresentar “soluções amazônicas para as mudanças climáticas”.

No mês passado, ele investiu US$ 1 bilhão em um fundo global planejado de US$ 125 bilhões para preservar as florestas tropicais. “É possível fazer com que a floresta tenha mais valor em pé do que derrubada”, disse ele em uma reunião recente em Bogotá.

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É uma bela frase, mas os dados contam uma história diferente. No ano passado, cerca de 4,4 milhões de hectares foram perdidos no Brasil, incluindo 2,8 milhões de terras primárias intocadas.

Este é o terceiro maior número anual deste século e bem superior a qualquer ano do governo do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, que se orgulhava do apelido de “Capitão Motosserra”.

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A degradação — que inclui danos e desbaste das florestas existentes, bem como a remoção total de áreas inteiras — também atingiu o nível mais alto em duas décadas em 2024.

Cerca de 6,64 milhões de hectares foram afetados, uma área aproximadamente do tamanho da Irlanda. As perdas médias anuais de floresta primária durante os dois primeiros anos do governo Lula foram cerca de 24% maiores do que durante o governo Bolsonaro.

É possível discutir até que ponto Lula é responsável. Mais da metade das perdas no ano passado foi resultado de incêndios, e não da exploração madeireira. Embora quase todos eles sejam causados por seres humanos, os danos que causam podem depender de fatores ambientais. Em 2023 e 2024, a bacia amazônica foi atingida pela seca mais severa em mais de 40 anos, o que rapidamente transformou as chamas em infernos.

O histórico de Lula também parece melhor se você limitar seu foco apenas à Amazônia, em oposição às áreas enormes, mas menos carismáticas, de savana e pântanos a leste e sul, como o Cerrado e o Pantanal. O desmatamento na Amazônia legal este ano, apesar de estar muito acima dos níveis durante o primeiro governo de Lula, permanece bem abaixo das taxas da era Bolsonaro.

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A floresta tropical e o clima global, porém, não se importam com tais racionalizações. Em muitas áreas sob seu controle, Lula ficou aquém do esperado.

Os incêndios devastadores do ano passado provavelmente foram agravados por uma greve das agências ambientais do país, cujos funcionários costumam ser a primeira linha de defesa contra o desmatamento. O governo brasileiro levou oito meses para resolver a questão.

A Petrobras recentemente obteve aprovação para perfurar em busca de petróleo em uma área offshore não muito longe da foz do Amazonas. Em agosto, Lula assinou uma lei que flexibiliza radicalmente as proteções ambientais, mesmo tendo vetado algumas das medidas mais graves. A quantidade de terras destinadas ao cultivo de soja e milho atingirá níveis recordes este ano.

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Apesar de toda a ilegalidade de Bolsonaro, há um grau desconfortável de continuidade entre os dois governos. A capacidade de Lula de fazer as coisas acontecerem depende da cooperação com mais de uma dúzia de partidos no Congresso, onde os eleitores rurais dominados pelo agronegócio são excessivamente representados e os aliados de Bolsonaro ainda detêm o poder. Sacrificar o Cerrado para salvar a Amazônia é fundamental para esse pacto.

O problema também não se limita apenas ao Brasil. Em muitas partes do mundo onde as florestas se expandiram recentemente para sua maior extensão em séculos, seu potencial para compensar nossas emissões está se esgotando.

Na Finlândia, um dos países mais cobertos por árvores do mundo, as florestas se tornaram emissoras líquidas desde 2021, à medida que a exploração madeireira alcançou o plantio e o aquecimento climático liberou carbono do solo.

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A Rússia e o Canadá perderam mais cobertura florestal do que o Brasil no ano passado, quando incêndios devastaram florestas boreais que eram imunes em um clima mais frio. O presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, quer expandir as plantações de óleo de palma, os campos de cana-de-açúcar e as fazendas leiteiras.

O aumento prometido pelo presidente Xi Jinping para as florestas da China na próxima década seria suficiente para compensar cerca de cinco meses de emissões do país. Os novos plantios diminuíram na última década, escreveu a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura na semana passada.

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Este retrocesso vai tornar mais difíceis todos os esforços para evitar os piores resultados das alterações climáticas.

Muito antes do recente recuo dos compromissos nos Estados Unidos, na Europa e em outros lugares, as esperanças de desacelerar nossa queda livre em direção a um planeta mais quente ainda dependiam fortemente das perspectivas de absorver o carbono atmosférico através do plantio de mais árvores — a parte “líquida” do “líquido zero”.

Quando os líderes mundiais se reunirem em Belém no próximo mês, eles precisarão levar em conta o fato de que esse paraquedas está ficando preocupantemente gasto. Árvores, solos, plantas e oceanos vêm, há décadas, retardando os danos que nossa civilização industrial está causando ao clima.

No entanto, sua capacidade de agir como um freio de emergência está enfraquecendo. As florestas e os antigos defensores das florestas, como Lula, não vão mais nos salvar.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

David Fickling é colunista da Bloomberg Opinion que cobre mudança climática e energia. Já trabalhou para a Bloomberg News, o Wall Street Journal e o Financial Times.

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