Opinión - Bloomberg

Como a coerção de Trump se tornou um risco a negócios globais de empresas dos EUA

Uma pesquisa da Kantar, feita com 10.000 pessoas em 20 países, revelou que 37% dos entrevistados fora dos EUA planejam parar de comprar produtos americanos por causa de tarifas e de outras atitudes na base da força do governo de Donald Trump

McDonald´s
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg — Durante 66 anos, o túmulo de Lenin foi o local mais visitado de Moscou. Então, em 1990, o McDonald’s abriu suas portas.

Naquele ano, cerca de 10 milhões de pessoas ficaram horas na fila para provar pela primeira vez um “Big Mak” e conhecer a cultura americana, superando os 3,2 milhões que esperaram para ver os restos mortais embalsamados do fundador da União Soviética.

“Pelo menos aqui você pode comer alguma coisa”, disse um moscovita que fazia fila do lado de fora do restaurante à revista Fortune na época. “Quem quer ficar na fila para ver um cara morto?”

Talvez não haja melhor exemplo de como as marcas americanas não apenas se beneficiaram mas também facilitaram a disseminação do soft power dos Estados Unidos em todo o mundo. Como disse o economista Andrew Rose: “Conquistar corações e mentes também conquista vendas”.

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É lógico, portanto, que, à medida que o governo Trump abandonou as táticas de conquistar corações e mentes em favor da coerção econômica e do uso da força, o resto do mundo se tornou muito menos interessado no que os Estados Unidos têm a oferecer — sejam suas marcas ou os valores que elas passaram a representar.

Em uma recente teleconferência sobre resultados financeiros, o McDonald’s (que acabou deixando a Rússia em 2022 após a invasão da Ucrânia) alertou que um “aumento no sentimento antiamericano” poderia fazer com que os consumidores reduzissem suas compras de marcas americanas.

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A Levi Strauss & Co. alertou para o “aumento do sentimento antiamericano” no Reino Unido e afirmou que isso poderia afastar consumidores de seus produtos.

Supermercados no Canadá e na Dinamarca sinalizaram itens americanos para atender à crescente demanda dos consumidores que desejam evitá-los. Vários aplicativos oferecem um serviço semelhante.

Não são apenas os consumidores europeus ou canadenses que estão se afastando dos EUA.

Uma pesquisa com mais de 10.000 pessoas em 20 países, realizada pela empresa de dados e análises Kantar, descobriu que 37% dos entrevistados fora dos EUA disseram que vão parar de comprar produtos e serviços americanos devido às tarifas.

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Esse número salta para 57% no Canadá, que Trump disse que gostaria de tornar o 51º estado dos EUA.

As empresas americanas devem se preocupar com o fato de que isso é mais do que apenas um boicote.

Boicotes tendem a fracassar e raramente têm um grande impacto. Em vez disso, isso pode ser uma “possível mudança estrutural de longo prazo” que afasta as marcas americanas, segundo previsão de economistas do Banco Central Europeu.

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Sua pesquisa descobriu que os consumidores europeus estavam motivados a comprar produtos não americanos mais por preferência do que por causa dos aumentos de preços relacionados às tarifas, o que significa que foi uma decisão emocional, e não econômica.

Os produtos americanos também correm o risco de perder seu fator de atratividade para outras marcas globais, cujos países de origem reconhecem a importância do soft power.

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Os EUA ainda ocupam o primeiro lugar no índice de soft power 2025 da Brand Finance, mas a consultoria observa que sua pontuação estagnou, pois a reputação global dos Estados Unidos foi afetada.

Enquanto isso, a China subiu para o segundo lugar, alcançando sua posição mais alta de todos os tempos e ultrapassando o Reino Unido pela primeira vez.

Ao contrário dos EUA, a China fez um esforço conjunto para investir em sua imagem global — incluindo o fortalecimento de suas marcas.

A Coreia do Sul subiu 12 posições, tendo impulsionado seu perfil em parte graças a produtos culturais como K-Pop e Round 6.

Uma solução para as empresas americanas é se distanciarem das políticas do governo Trump. Mas, até agora, essa não tem sido uma rota que os CEOs dos EUA estejam dispostos a seguir, por medo de retaliação.

Eles viram a Amazon encerrar suas deliberações sobre a possibilidade de mostrar aumentos de preços impulsionados por tarifas em alguns itens — o que o governo chamou de “uma medida hostil e política” — depois que Jeff Bezos recebeu uma ligação do presidente.

Trump também pediu publicamente ao Goldman Sachs que substituísse seu economista-chefe e zombou do CEO David Solomon por prever que as tarifas acabariam alimentando a inflação.

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A resposta pode ser agir menos como uma marca americana que se veste de vermelho, branco e azul e mais como uma multinacional que atende aos mercados locais.

Talvez nenhuma empresa tenha feito isso melhor do que o Walmart. Fora das fronteiras dos EUA, a maior empresa do país em vendas raramente é discutida como americana.

“Isso faz parte de um esforço feroz”, diz Dave Marcotte, vice-presidente sênior de consultoria estratégica de varejo da Kantar. Como resultado, o Walmart conseguiu contornar o governo e falar mais diretamente com seus consumidores.

No Canadá, onde o sentimento antiamericano é forte, o Walmart é um dos varejistas que mais crescem; em janeiro, ele comprometeu seu maior investimento de todos os tempos no país.

No México, a empresa participou de uma iniciativa para contratar cidadãos deportados dos EUA, destacando que é uma grande geradora de empregos no país.

A estratégia do Walmart vem depois de aprender algumas lições difíceis sobre o que pode acontecer quando se busca a expansão internacional com um grande ego.

A varejista saiu da Alemanha em 2006 depois de não aprender e seguir suas normas culturais; ele empacotava mantimentos, fazia os funcionários sorrirem para os clientes e entrava em conflito com o sindicato local — tudo isso era proibido no mercado.

Os alemães até tinham dificuldade para pronunciar o nome da empresa.

Após esse fiasco, o Walmart passou a se associar com empresas locais ao entrar em um novo país e, às vezes, até opera sob outro nome. A empresa ainda não tem presença na Alemanha.

Até agora, aproveitar a reputação global dos EUA tem sido uma estratégia eficaz e razoável para as empresas americanas no exterior.

Mas, à medida que a credibilidade da marca americana é questionada, mais empresas terão que conquistar corações e mentes por conta própria.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.

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