Bloomberg — A cúpula do clima das Nações Unidas deste ano, agendada para novembro no Brasil, foi planejada para fazer história ao trazer líderes mundiais, diplomatas e cerca de 50.000 outros participantes ao coração da Floresta Amazônica. Agora, o evento corre cada vez mais o risco de ser definido por um fiasco logístico iminente.
Faltando menos de 100 dias, o Brasil está sob críticas de países preocupados com a escassez de quartos de hotel e o aumento dos custos de hospedagem em Belém, a cidade sede escolhida por sua proximidade com a floresta tropical, e não por sua infraestrutura turística. A secretaria brasileira para a COP30, como a cúpula é conhecida, adiou uma reunião marcada para quarta-feira (13) para tratar de questões de hospedagem; nenhuma nova data foi anunciada.
Em uma carta de 19 páginas, enviada pelo Brasil e enviada a vários países-membros da ONU participantes da COP30, analisada pela Bloomberg News, os organizadores rejeitaram a ideia de realocar a cúpula. “Não haverá local alternativo, pois a COP30 não será transferida de Belém”, afirmava a carta, porque a cidade “já possui um número suficiente de leitos para acomodar todos os participantes esperados”.
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A carta incluía respostas a 48 perguntas de várias delegações nacionais participantes da cúpula, e quase metade delas abordava preocupações com o alto custo e a baixa disponibilidade de acomodações. Um porta-voz da COP30 se recusou a confirmar a carta.
Até 8 de agosto, os organizadores afirmaram ter mapeado 53.000 leitos em Belém e áreas próximas: 14.547 em hotéis, 6.000 em dois navios de cruzeiro, 10.004 em aluguéis de temporada por meio de imobiliárias e 22.452 pelo Airbnb. O governo afirma que mais opções serão adicionadas às plataformas oficiais de reservas BNetwork e Qualitours.
Os preços das acomodações dispararam, ultrapassando os de hotéis de luxo no Rio de Janeiro. Reservar o apartamento de um quarto “Doce Lar” em Belém, anunciado recentemente no Booking para os 11 dias da cúpula do clima, custaria impressionantes R$ 1,4 milhão. Um quarto com cama king-size e vista para o mar no icônico Copacabana Palace, no Rio, custaria R$ 96.223.
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Cresce o temor de que esses preços possam excluir países mais pobres. Pacotes especiais com tarifas reduzidas foram garantidos para delegações de pequenas nações insulares e dos países mais pobres, categorias que incluem mais de um terço dos membros da ONU. O governo brasileiro informou que essas delegações receberão 15 quartos individuais com preços que variam de US$ 100 a US$ 200 por noite. Os demais países terão a garantia de 10 quartos individuais por delegação, com preços que variam de US$ 200 a US$ 600.
“O Brasil é uma democracia com economia de mercado, o que impõe limites às intervenções na rede hoteleira, na propriedade privada e nos sites de intermediação de aluguéis privados”, escreveram os organizadores na carta.
As respostas do Brasil até o momento pouco fizeram para tranquilizar os participantes. Preocupações logísticas têm obstruído cada vez mais o progresso nas negociações em andamento sobre a agenda e ameaçam inviabilizar a visão original de sediar o evento em Belém — uma iniciativa que visa envolver um grupo mais diverso de vozes, incluindo comunidades indígenas.
“Uma crise logística como esta é a antítese de uma COP dos povos, uma COP inclusiva”, disse Claudio Angelo, coordenador de políticas internacionais do Observatório do Clima, uma coalizão climática da sociedade civil. “Esta COP corre o risco de ser a mais excludente da história da convenção climática da ONU.”
Críticos como Angelo alertam que obstáculos logísticos podem minar a legitimidade de quaisquer acordos firmados em Belém, especialmente se impedirem a participação de pessoas sem recursos financeiros. Os organizadores estão levando esse risco a sério. “Começamos a falar sobre acomodação justamente porque se tornou uma questão política”, disse o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, a jornalistas no início de agosto. “De fato, isso impacta as negociações. Estamos aqui discutindo, é inevitável.”
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Dois navios de cruzeiro — o Costa Diadema e o MSC Seaview — serão trazidos como hotéis flutuantes atracados no Porto de Outeiro, cada um com capacidade para cerca de 3.000 hóspedes. Mas a dependência de navios localizados a 20 quilômetros do local da COP alimentou preocupações de que os participantes hospedados lá ficarão isolados devido ao deslocamento. “A viagem não levará mais de 30 minutos”, escreveram os organizadores na carta.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi quem decidiu realizar a COP30 em uma cidade com infraestrutura precária na Amazônia, em vez de São Paulo e Rio, que têm tradicionalmente sediado eventos de grande porte no país. Diante da pressão internacional para mudar o local da cúpula, ele se recusa a recuar.
“Decidimos realizar a COP em Belém para que as pessoas possam ver o que a Amazônia realmente é”, disse Lula em discurso na semana passada em Brasília.
Diante dos desafios de infraestrutura, o Brasil decidiu anteriormente dividir a programação da COP30. A cúpula de líderes de dois dias, que atrai chefes de Estado para as negociações climáticas anuais, será realizada antes das negociações principais, que começam em 5 de novembro, permitindo o início das negociações oficiais em 11 de novembro. Espera-se que isso alivie a dificuldade de hospedagem dos chefes de Estado e suas equipes.
A seção do Pará da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis está priorizando delegações da COP e denuncia o que chama de campanha “descarada” contra a realização da cúpula em Belém. O grupo oferece 535 quartos em hotéis cinco estrelas, com preços entre US$ 100 e US$ 300 por noite, e está incentivando os membros da delegação a compartilharem as acomodações, de acordo com o presidente da associação, Tony Santiago.
Santiago reconheceu que os hotéis em Belém aumentaram as tarifas em média de três a quatro vezes, embora Corrêa do Lago tenha mencionado uma média de 10 a 15 vezes. O representante dos hotéis disse que os aumentos extremos de preços já estão sendo revertidos à medida que os quartos não vendidos se acumulam.
“Há preconceito contra Belém, contra a Amazônia”, disse Santiago. “As pessoas acham que a COP deve ser em um hotel de luxo com todo o conforto. Isso é hipócrita. Quando se trata de clima, você tem que vir para a Amazônia, ver a floresta, sentir o clima.”
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