Opinión - Bloomberg

Por que uma guerra Israel-Irã pode não abalar o mercado de petróleo como se teme

Dois anos de escalada das tensões no Oriente Médio não foram suficientes para mudar o quadro de excedente de petróleo no mercado global, com queda das cotações. E Trump não tem interesse em permitir que essa situação seja revertida

Em todo o Oriente Médio, os campos de petróleo estavam movimentados, e os petroleiros estavam carregando na sexta-feira
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Bloomberg Opinion — O mercado de petróleo está abusando da sorte.

Durante dois anos, resistiu a eventos impensáveis, incluindo uma série de ataques diretos e contra-ataques entre Israel e o Irã. No entanto nem um único barril de produção foi perdido.

Em retrospecto, cada alta no preço do petróleo provou ser uma oportunidade para vender. Foi preciso ter nervos de aço, mas vender petróleo a descoberto enquanto bombas e mísseis voavam foi a negociação vencedora.

A situação parece a mesma nesta sexta-feira (13), depois que Israel lançou um ataque em grande escala contra o Irã, incluindo suas instalações nucleares, e Teerã alertou para uma retaliação “dura”.

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Em meio ao caos, a produção de barris continua. Em todo o Oriente Médio, os campos de petróleo estavam movimentados, e os petroleiros estavam carregando na sexta-feira.

Se há algo a se dizer, é que ainda há petróleo demais no mercado, e os preços, com base apenas nos fundamentos de oferta e demanda atuais, devem recuar. Mas a familiaridade gera desprezo: a ameaça de um grande choque petrolífero no Oriente Médio é alarmantemente alta.

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É impossível saber em tempo real o nível exato da oferta e da demanda. Mas há um indicador: os estoques globais. E, durante vários meses, eles estiveram acima das normas sazonais, uma indicação clara de excesso de oferta.

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Com a Arábia Saudita pressionando o cartel da Opep+ para aumentar a produção mais rapidamente do que o esperado anteriormente e o crescimento da demanda por petróleo desacelerando, o desequilíbrio estava destinado a aumentar com o avançar do ano.

O verão no hemisfério norte, que proporciona um aumento sazonal da demanda, é o último obstáculo antes que o excesso de petróleo se torne claramente evidente.

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O ataque israelense não alterou essas realidades de oferta e demanda. Fatih Birol, diretor da Agência Internacional de Energia (AIE), falou sem rodeios horas após os ataques: “os mercados estão bem abastecidos hoje.”

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O excesso de oferta pode até piorar. Do lado da demanda, o caos geopolítico é ruim para os negócios, então o crescimento da demanda por petróleo pode desacelerar ainda mais. Do lado da oferta, a atual alta dos preços – o petróleo subiu quase 10% nas primeiras horas após Israel lançar seu ataque – oferece aos produtores de xisto dos EUA uma oportunidade inesperada de garantir preços futuros, ajudando-os a manter a perfuração em níveis mais altos do que seria normalmente.

O maior risco é acreditar ingenuamente que, só porque dois anos de violência não interromperam os fluxos, o mercado físico nunca seria afetado. Particularmente no Oriente Médio, é sempre a última gota que faz o copo transbordar. O mercado global de petróleo parecia bem suprido no final de julho de 1990; uma semana depois, o Iraque de Saddam Hussein invadiu o Kuwait e a economia global enfrentou um grande choque petrolífero.

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Na sexta-feira, a reação do mercado de energia se dividiu entre a sensação de “já passamos por isso antes e nada aconteceu”, que dura dois anos, e um alarme genuíno.

Nas primeiras horas, o Brent subiu para quase US$ 80 o barril, à medida que todas as posições pessimistas foram cobertas. Mas depois reduziu seus ganhos para ser negociado a cerca de US$ 75 o barril, à medida que os traders mais ousados usaram a alta como uma oportunidade de venda.

Ainda assim, no mercado de opções, onde os traders compram e vendem seguros contra movimentos bruscos de preços, muitos estavam comprando contratos que renderão dinheiro se os preços do petróleo ultrapassarem US$ 100 por barril.

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Israel ainda não atacou as instalações petrolíferas iranianas, então talvez o maior risco de perdas no abastecimento possa ser evitado. Mas a palavra importante aqui é “ainda”.

O presidente Donald Trump é alérgico a preços altos de energia, o que provavelmente restringirá o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que adoraria explodir os campos petrolíferos que financiam o programa nuclear iraniano.

Na quinta-feira (12), horas antes do ataque, Trump falou publicamente sobre sua insatisfação com a recente alta acima de US$ 70 o barril. Em um evento público, ele perguntou retoricamente ao secretário de Energia, Chris Wright: “estamos bem? Não há nada de errado? Certo? Vai continuar caindo, certo? Porque temos a inflação sob controle.” Bem, isso já passou.

Teerã ainda não ameaçou voltar ao seu antigo plano de lançar fogo sobre os campos petrolíferos sauditas e fechar o Estreito de Ormuz, o ponto de estrangulamento do transporte marítimo de 20% do abastecimento mundial de petróleo.

Mas, novamente, a palavra-chave é “ainda”.

Para entender o quanto a situação é arriscada, ouça todos ao redor do Irã. A Arábia Saudita e seus vizinhos estão se esforçando muito para não dar a Teerã um pretexto para atacá-los. É por isso que Riade – e vários outros países da região – condenaram rapidamente o ataque israelense. Não interprete mal a condenação árabe como simpatia por Teerã – trata-se apenas de minimizar as repercussões.

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Os dois maiores riscos para o mercado de petróleo decorrem da fraqueza iraniana.

Primeiro, se Teerã concluir que a única maneira de restaurar a dissuasão contra Israel é acelerar seus esforços para construir uma bomba nuclear, é provável que haja sanções. A República Islâmica talvez pudesse se retirar do tratado de não proliferação nuclear de 1968, mas isso provavelmente levaria a sanções das Nações Unidas que tornariam as compras chinesas de petróleo iraniano, que chegam a mais de 1,5 milhão de barris por dia, mais difíceis, se não impossíveis.

Em segundo lugar, à medida que as bombas chovem sobre a República Islâmica, cresce a sensação de que o aiatolá Ali Khamenei não está apenas lutando para manter seu programa nuclear, mas também para preservar seu próprio regime. Se Teerã concluir que está indefesa e travando uma guerra pela sobrevivência, é provável que conclua que provocar uma turbulência econômica por meio do mercado de petróleo é uma carta útil a ser jogada.

Portanto, mesmo que haja petróleo em abundância e o excesso de oferta seja evidente, será preciso ter nervos de aço para vender a descoberto no mercado petrolífero.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Javier Blas é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia e commodities. É coautor de “The World for Sale: Money, Power, and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”.

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