Esta gestora de fundos de US$ 9 tri terá um novo líder. E se prepara para mudanças

Contratação de Salim Ramji, executivo da rival BlackRock, marca uma mudança em uma cultura que valorizava estabilidade e lealdade na segunda maior gestora do mundo

Prédios no centro financeiro de Wall Street em Nova York
Por Loukia Gyftopoulou - Silla Brush
07 de Julho, 2024 | 08:13 AM

Bloomberg — Meio século depois que John “Jack” Bogle fundou o Vanguard Group, o gigante dos fundos com cerca de US$ 9 trilhões em ativos adotou um passo que antes seria impensável: contratou uma pessoa de fora como CEO. E, ainda por cima, da arquirrival BlackRock (BLK).

Para muitos, o fato de o Vanguard passar as rédeas para Salim Ramji, executivo de longa data da BlackRock que já foi considerado um possível sucessor de Larry Fink, envia uma mensagem clara: o Vanguard, que popularizou os ETFs de baixo custo, chegou a um momento crucial em sua história.

Por um lado, o Vanguard nunca foi uma força tão grande no mundo do investimento passivo que ajudou a criar. Mas, com a intensificação da batalha para ganhar o dinheiro dos investidores e depois de anos de disfunção interna dentro da gigante dos fundos, a pressão para cortar custos e produzir resultados aumentou.

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É difícil exagerar a profundidade da mudança, ou o que ela pode significar em sua essência para o Vanguard e seus 50 milhões de clientes. Apenas três executivos dirigiram a empresa privada desde que Bogle se aposentou há cerca de 25 anos, e todos trabalharam para ele primeiro.

Entrevistas com mais de uma dúzia de ex-funcionários, quase todos com mais de duas décadas no Vanguard e que passaram pelo menos parte de suas carreiras trabalhando com o CEO anterior, Mortimer “Tim” Buckley, mostram o retrato de uma companhia que passa por uma transformação única.

Cultura peculiar

Mesmo antes do anúncio do novo CEO, a empresa de Bogle – um ambiente isolado em que as pessoas geralmente passavam toda a sua carreira sem nunca se preocupar com a segurança do emprego – estava voltando ao passado, dizem os ex-funcionários do Vanguard, quase todos os quais deixaram a empresa nos últimos anos. Em seu lugar, surgiu um novo Vanguard, em que a lealdade é negociada, o desempenho é fundamental e os erros podem custar caro.

Em um determinado momento, é claro, a mudança é inevitável. Jack Bogle faleceu em 2019, aos 89 anos. Quando Bogle dirigia o Vanguard, a empresa – de propriedade de seus fundos, que por sua vez são de propriedade de investidores em fundos – se considerava a própria antítese de Wall Street.

Sediado a mais de 180 quilômetros de Nova York, o Vanguard revolucionou a gestão de ativos ao criar um negócio em torno da crença de Bogle de que o money manager comum raramente supera o mercado no longo prazo. Ele defendia produtos de investimento simples e econômicos que espelhavam índices amplos.

Essa ideia, aparentemente simples, virou o setor de gestão de ativos de cabeça para baixo e gerou legiões de investidores e admiradores, cujos mais fervorosos se autodenominam “Bogleheads”. Ela também atraiu trilhões de dólares para os cofres do Vanguard.

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De certa forma, o Vanguard está à frente do principal concorrente. Sua participação no mercado de ETFs cresceu em 20 dos últimos 21 anos, aumentando seu controle sobre o setor para cerca de 29%, segundo dados da Bloomberg Intelligence.

Em contrapartida, a fatia da BlackRock caiu de 60% em 2006 para cerca de 32,3% atualmente. O Vanguard agora comanda US$ 2,6 trilhões em seus ETFs listados nos Estados Unidos, contra US$ 2,8 trilhões da BlackRock.

Mas a empresa está muito mais sujeita à economia punitiva da venda de fundos de índice de baixo custo do que a BlackRock. As taxas do Vanguard são tão baixas que, em algumas áreas, os custos cresceram mais rapidamente do que a receita.

Gráfico

Agora, o Vanguard ficou mais parecido com Wall Street. Para complicar as coisas, Ramji, de 53 anos, chegará em um momento em que Washington analisa como os gigantes dos fundos de índices, como a BlackRock e o Vanguard, exercem seu poder financeiro. Sua influência em praticamente todas as grandes companhias – e os riscos que seu tamanho pode representar para os mercados financeiros – estão sob escrutínio.

A Securities and Exchange Commission dos EUA (SEC) – órgão análogo à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil – enfatizou para o Vanguard que o aumento do porte da empresa implica um escrutínio maior (a SEC ressaltou o ponto com uma visita a Malvern, cidade da sede da empresa, por volta de 2019, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto).

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Ramji sinalizou que os métodos antigos não servirão mais.

“O cenário atual dos investidores está mudando, e isso apresenta oportunidades para que o Vanguard promova sua missão de dar às pessoas a melhor chance de sucesso nos investimentos”, disse Ramji no anúncio da troca de CEO. “Meu foco será mobilizar o Vanguard para enfrentar o momento e, ao mesmo tempo, permanecer fiel a esse propósito central: uma empresa confiável que defende os investidores”.

Ramji e os executivos do Vanguard não quiseram ser entrevistados para esta matéria.

Muitos ainda processam a realidade de que Buckley deverá se aposentar até o final do ano. Esse anúncio foi feito inesperadamente no final de fevereiro, o que gerou especulações sobre uma possível tensão entre Buckley e a diretoria.

Durante anos, muitos membros da diretoria do Vanguard concordaram com os CEOs da empresa, que eram do tipo Bogle, de acordo com um ex-membro da diretoria. Mais recentemente, eles começaram a se impor, já que o desempenho financeiro tem sido submetido a um escrutínio cada vez maior.

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As recentes adições ao conselho incluem Tara Bunch, executiva do Airbnb (ABNB), e Sarah Bloom Raskin, ex-secretária adjunta do Tesouro dos EUA.

As pessoas de dentro da empresa dizem que Buckley, um veterano que veio diretamente de Harvard, deu início a muitas das mudanças que hoje assolam a empresa e sua cultura peculiar.

Ele provocou protestos há alguns anos, por exemplo, ao reduzir os benefícios médicos dos funcionários, mas acabou revertendo a decisão devido ao alvoroço. De acordo com um ex-executivo, o CFO, Michael Rollings, restringiu os bônus dos executivos e a remuneração em geral.

CEO externo

Ramji, veterano da McKinsey, era um consultor de longa data da BlackRock quando Fink o trouxe para dentro da empresa para assumir a poderosa função de supervisionar a estratégia corporativa.

Conhecido entre aqueles que trabalharam com ele como um consultor de estratégia consumado, em vez de um mero trader de Wall Street, Ramji foi escolhido para administrar seus negócios de consultoria de patrimônio nos EUA há cerca de uma década. Ele também era responsável pela supervisão da distribuição de fundos para consultores financeiros e clientes de varejo.

Foi seu último cargo – a liderança de ETFs e investimentos em índices – que o colocou em concorrência mais direta com sua nova empresa.

O Vanguard, que busca transformar seu negócio de consultoria em uma espécie de segundo motor de crescimento, pode ter contratado Ramji para aproveitar sua experiência nessa área. Ela também está tentando ultrapassar a BlackRock em ETFs, tornando-se a segunda maior emissora atrás da empresa. A primeira tarefa de Ramji deve ser a de conquistar os céticos do Vanguard e os Bogleheads, dizem os analistas.

“Os Bogleheads serão sensíveis às mudanças estratégicas feitas por Salim, porque ele é a primeira pessoa de fora no comando do Vanguard, de modo que conquistar sua confiança deve ser a prioridade número um”, disse Bryan Armour, diretor de pesquisa de estratégias passivas da Morningstar.

Outros dizem que eles devem se confortar com o fato de que Ramji tem o “DNA do Vanguard”, incluindo a devoção a produtos de baixo custo, como disse o analista da Bloomberg Intelligence, Eric Balchunas, e pode trazer novos olhos para problemas antigos.

Ramji herdará uma empresa que, segundo os especialistas, é dominada por consultores externos. Com o aumento de seu tamanho, o Vanguard acrescentou mais gerentes e, muitas vezes, instituiu novas políticas em cima das antigas, segundo funcionários atuais e antigos.

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O resultado, de acordo com um executivo que deixou a empresa recentemente, é uma operação que pode parecer limitada e lenta para reagir. Muitos funcionários dizem que a tarefa principal é clara: seguir as regras e agradar os chefes.

Sair do roteiro com um cliente ao telefone, por exemplo, pode resultar em um rápido demérito. O acúmulo de muitos deméritos pode arruinar uma carreira, dizem esses funcionários.

Às segundas-feiras, as equipes se reúnem com gerentes para definirem um determinado número de tarefas que precisam ser concluídas naquela semana. Em seguida, são feitos check-ins diários, que geralmente duram 45 minutos.

A checagem final é feita às sextas-feiras e, se um membro da equipe não conseguir concluir suas tarefas, ele pode receber um demérito, o que alguns funcionários chamam de “semana vermelha”.

As tentativas da empresa de diversificar para novas linhas de negócios ainda não deram frutos. Os esforços de expansão para a Europa e a Ásia ficaram muito aquém das expectativas.

De acordo com vários ex-funcionários seniores, algumas iniciativas custosas, incluindo a atualização da tecnologia, produziram resultados que, na melhor das hipóteses, foram mornos.

Allan Roth, fundador da Wealth Logic, uma empresa de consultoria financeira, é um autoproclamado Boglehead que escreveu sobre como o site e o aplicativo do Vanguard se mostraram tão pouco confiáveis que ele praticamente parou de depositar dinheiro lá. “A mudança é boa, mas os princípios básicos de Jack Bogle devem continuar vivos”, disse ele.

“Suspeito que será um grande sucesso ou um grande fracasso, e provavelmente nada no meio disso”, disse ele sobre a nomeação de Ramji.

O Vanguard costuma fazer um rodízio de gerentes entre os departamentos para expô-los a vários negócios e promover o “Vanguard Way”, forma como a cultura da empresa é conhecida.

Isso funcionou quando muitos desses gerentes estavam no Vanguard, mas tem se mostrado mais difícil com os recém-chegados – um grupo que, pela primeira vez, incluirá também o novo CEO do Vanguard.

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