Foto do para brisas de um carro com o adesivo da Uber
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Bloomberg Opinion — A compreensão do mercado de trabalho dos Estados Unidos toma como base, em grande parte, em algumas perguntas feitas todos os meses como parte da Current Population Survey, enquete realizada pelo Census Bureau em cooperação com o Bureau of Labor Statistics. A pergunta mais importante varia entre os entrevistados, mas é mais ou menos assim:

“NA SEMANA PASSADA, você fez QUALQUER trabalho remunerado ou com fins lucrativos?”

Se a resposta for não, há uma série de perguntas para descobrir se o entrevistado está procurando emprego ou se não trabalha porque é aposentado, estudante, deficiente ou se há algum outro motivo. Se a resposta for sim, há perguntas de acompanhamento sobre horas trabalhadas, trabalho autônomo, vários empregos e assim por diante. É assim que o Bureau of Labor Statistics determina a taxa de desemprego, bem como outros indicadores importantes, como a relação emprego-população e a taxa de participação na força de trabalho.

Por vezes, a Current Population Survey inclui perguntas adicionais, como:

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“Na semana passada, você trabalhou como prestador de serviços independente, consultor independente ou trabalhador autônomo? [Ou seja, alguém que obtém clientes por conta própria para fornecer um produto ou prestar um serviço]”.

Esse dado é do suplemento do artigo Contingent and Alternative Employment Arrangements de maio de 2017, cujos resultados receberam muita atenção. Eles mostraram que o percentual de trabalhadores dos EUA que são contratados independentes ou freelancers caiu para 6,9%, ante 7,4% na última ocasião da enquete em 2005. A participação em “acordos alternativos de trabalho” – subcontratados/freelancers mais funcionários de agências de trabalho temporário e trabalhadores em regime de plantão – caiu de 10,7% para 10,1%.

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Essas quedas foram o oposto do que a maioria esperava, dado o aumento muito anunciado, no mesmo período, da “economia da flexibilidade” facilitada por plataformas on-line como Uber, Taskrabbit (agora de propriedade da Ikea) e Upwork Global.

Esse declínio também parecia contradizer as conclusões de uma pesquisa conduzida por dois proeminentes economistas do trabalho em 2015, que constatou que 15,8% dos trabalhadores dos EUA estavam em acordos alternativos de trabalho e que esse tipo de função havia sido responsável por 94% do crescimento líquido de empregos desde 2005.

Pode ser, no entanto, que os participantes da enquete do Census Bureau estivessem fazendo a pergunta errada. “Há sérias dúvidas sobre o que se mede” pela pergunta sobre contratados independentes, disse Katherine Abraham, professora de economia da Universidade de Maryland e ex-diretora do Bureau of Labor Statistics.

Em um artigo publicado em fevereiro, Abraham e Brad Hershbein, Susan Houseman e Beth Truesdale, do W.E. Upjohn Institute for Employment Research, em Michigan, mostram que diferentes escolhas de palavras podem dobrar a parcela de trabalhadores classificados como contratados independentes ou freelancers para cerca de 15%.

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Em um dos formulários da pesquisa dos autores, administrada pela Gallup como parte da pesquisa diária Education Consumer Pulse, os entrevistados que afirmaram trabalhar para um empregador recebiam uma pergunta de acompanhamento para esclarecer se eram “um empregado no trabalho ou se trabalhavam como contratados independentes, consultores independentes ou trabalhadores autônomos/freelancers”.

Outra pergunta indagava se o empregador descontava impostos de seu salário. Ambos resultaram em aumentos semelhantes na porcentagem classificada como prestadores de serviços independentes.

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O artigo faz parte de uma série de estudos recentes que concluíram que a Current Population Survey provavelmente subestima não apenas o trabalho autônomo e de contratação independente, mas o trabalho em geral. Um exemplo:

  • Anat Bracha, da Hebrew University Business School, em Jerusalém, e Mary Burke, do Federal Reserve Bank of Boston, concluíram, com base em uma pesquisa sobre a participação no trabalho informal realizada anualmente de 2015 a 2022, que a relação real entre emprego e população nos EUA poderia ser até 5,1 pontos percentuais maior do que a relação derivada da Current Population Survey, e as horas trabalhadas agregadas eram 1,4% mais altas em 2019 e 1,1% mais altas em 2021.
  • Depois de comparar os dados de 2012-2016 da Current Population Survey e da American Time Use Survey, outra colaboração entre o Census Bureau e o Bureau of Labor Statistics, Mary Dorinda Allard e Anne Polivka, do Bureau of Labor Statistics, concluíram que entre 0,4% e 3% dos adultos contabilizados pela Current Population Survey como não empregados estavam, na verdade, envolvidos em “hobbies, artesanato, alimentação, apresentações ou serviços geradores de renda”.
  • Abraham e Ashley Amaya, na época funcionários da RTI International e agora do Pew Research Center, descobriram que fazer perguntas adicionais aos entrevistados, principalmente sobre a situação de emprego de outras pessoas em sua casa, resultou em taxas mais altas de emprego e de manutenção de vários empregos.
  • Lawrence Katz, da Universidade de Harvard, e o falecido Alan Krueger, da Universidade de Princeton, que conduziram a pesquisa de 2015 acima mencionada, que constatou que 15,8% dos trabalhadores norte-americanos estavam em acordos de trabalho alternativos ou contingentes, concluíram que um dos motivos pelos quais a pesquisa apresentou resultados tão diferentes da Current Population Survey foi o fato de que, embora tenha feito as mesmas perguntas, ela perguntou apenas sobre a situação dos próprios entrevistados, e não sobre a de outros membros da família, como é feito na Current Population Survey.

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Essa pesquisa não informa se essas subcontagens pioraram ao longo do tempo. O problema certamente não é novo: fazer perguntas de acompanhamento e fornecer hipóteses também resultou em taxas de emprego mais altas em um estudo de 1995 do Census Bureau e do Bureau of Labor Statistics. Mas a sensação generalizada de que os acordos de trabalho nos EUA se tornaram mais tênues e complicados do que costumavam ser, juntamente com as evidências dos dados do Internal Revenue Service, órgão análogo à Receita Federal dos EUA, de que a parcela de contribuintes que declaram renda de trabalho autônomo aumentou, parece apontar para pelo menos algum aumento.

Há muito tempo sou cético em relação às afirmações de que o mercado de trabalho dos EUA está dominado por freelancers ou trabalhadores autônomos e ainda acho que essas afirmações são muitas vezes exageradas. Mas algo está acontecendo por lá.

“Nosso sistema de medição foi projetado para um mundo em que a maioria das pessoas tem um emprego, e é um emprego com um empregador”, disse-me Abraham. Hoje em dia, acrescentou ela, “fico surpresa com o número de pessoas que têm uma atividade secundária”.

O Bureau of Labor Statistics e o Census Bureau podem aferir isso melhor? Alterar as principais perguntas sobre emprego na Current Population Survey geralmente não é uma boa ideia, pois corre o risco de quebrar a continuidade das séries de dados que estão disponíveis mensalmente desde 1948.

Suplementos como o da pesquisa Contingent and Alternative Employment Arrangements são menos intocáveis. Esta foi lançada em 1995, realizada a cada dois anos até 2001 e, desde então (devido a restrições de financiamento), somente em 2005, 2017 e 2023.

As perguntas da pesquisa do ano passado, cujos resultados devem ser divulgados em alguns meses, permaneceram praticamente inalteradas em relação a 2017 – embora o parêntese sobre um contratado independente ou freelancer ser “alguém que obtém clientes por conta própria” tenha sido removido, o que pode resultar em mais pessoas se enquadrando na categoria ao obter clientes em plataformas on-line.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Justin Fox é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre negócios, economia e outros temas que envolvem a elaboração de gráficos. Foi diretor editorial da Harvard Business Review e é autor de “The Myth of the Rational Market”.

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