Bloomberg Opinion — Na semana passada, companhias aéreas que são clientes da Boeing (BA) enviaram duas mensagens claras quando pediram para se reunir com os membros do conselho da fabricante de aviões sem a presença de seu CEO, David Calhoun.
A primeira foi que eles não confiavam mais em Calhoun e seus auxiliares diretos. Independentemente de sua posição no organograma de uma empresa, nunca é um bom sinal quando um cliente quer falar com seu chefe e não o convida para participar.
O conselho claramente recebeu essa mensagem: na segunda-feira (25), a Boeing informou que Calhoun sairá do cargo até o final do ano e que Stan Deal, chefe da divisão de aviões comerciais, se aposentaria imediatamente.
A outra grande mensagem, entretanto, tinha a ver com o próprio conselho.
Ao convocar os conselheiros da empresa, os CEOs das companhias aéreas estavam sinalizando que, no meio da bagunça da Boeing, eles veem um enorme problema de governança – os problemas da empresa, sejam eles de qualidade, cultura, estratégia ou liderança, recaem diretamente sobre o conselho, que precisa de uma reforma significativa.
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Mais uma vez, os conselheiros da Boeing entenderam a mensagem.
Juntamente com o cronograma para a saída de Calhoun, a empresa anunciou que o presidente do board, Larry Kellner, não se candidataria à reeleição na assembleia anual em maio. Ele será sucedido por Steve Mollenkopf, o ex-CEO da Qualcomm que entrou para o conselho em 2020, se distanciando dos acidentes com o 737 Max em 2018 e 2019, que mataram um total de 346 pessoas.
Até mesmo a forma como a troca de executivos foi conduzida mostrou o quanto o conselho estava mal preparado, complacente e desconectado da realidade.
Apesar de todo o escrutínio que a equipe de gestão enfrentou, não havia um sucessor pronto para assumir o lugar de Calhoun ou mesmo de sua problemática unidade comercial. Isso fez com que Stephanie Pope, executiva de longa data que é atualmente a COO, assumisse o cargo nada invejável.
É verdade que as questões de governança são difíceis de resolver.
Os conselhos de administração são isolados, entrincheirados e, muitas vezes, reticentes em criar conflitos entre seus membros.
A pesquisa anual de diretores corporativos de 2023 da PwC constatou que 45% dos membros de conselhos acreditam que pelo menos um colega deveria ser substituído, mas apenas 11% disseram que os processos de avaliação de seu conselho levaram à decisão de não renomear essa pessoa.
Poucas empresas têm limites de mandato para os membros do conselho, o que resultou em uma taxa de rotatividade de apenas 7% entre os diretores das empresas do S&P 500.
O conselho da Boeing havia progredido na área de governança desde os acidentes com o 737 Max em 2018 e 2019.
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Uma análise da Harvard Business Review constatou que o conselho não tinha conhecimento técnico na época. Com três dos 13 membros do conselho da empresa também atuando no conselho da Caterpillar e dois no conselho da Marriott, os diretores da Boeing, no mínimo, aparentavam ter o tipo de relações interpessoais confortáveis que dificultam a objetividade.
Enquanto isso, o comitê de auditoria da empresa era responsável por supervisionar os riscos, mas sua missão era supervisionar o tipo de finanças, e não a segurança. Desde então, o conselho criou um comitê de segurança e renovou sua composição. Desde o início de 2020, quatro membros do conselho com pelo menos 11 anos de mandato deixaram a empresa.
Mas, independentemente do que a Boeing tenha feito, não foi suficiente.
Sandra Sucher, professora da Harvard Business School e coautora do artigo da Harvard Busines Review, afirmou que, considerando a enorme confusão em que a Boeing se encontra, ela tem “permissão para pensar de forma bem diferente”. Qualquer outra coisa parecerá meramente incremental.
Uma maneira de a Boeing fazer isso é considerar seriamente a inclusão de um representante do sindicato em seu conselho, uma solicitação feita pela Associação Internacional de Maquinistas do Distrito 751, que representa mais de 30.000 trabalhadores da Boeing.
Esse tipo de ação daria ao conselho a voz dos funcionários, muitos dos quais vêm alertando sobre as deficiências de segurança e fabricação da Boeing há anos. Isso também poderia ajudar muito a restaurar a confiança do público, entre o qual os sindicatos têm níveis históricos de aprovação.
Embora raro, o envolvimento dos sindicatos na governança corporativa nos EUA não é inédito, principalmente no setor de transportes em tempos de crise. Por exemplo, tanto a United Airlines quanto a Chrysler incluíram membros do sindicato em seus conselhos no passado.
Na Europa, essa é uma prática comum; considere a Alemanha, onde o sistema de cogestão é exigido por lei nas grandes empresas. O ex-secretário do Trabalho Robert Reich argumentou recentemente em seu blog que “a clara liderança da Airbus sobre a Boeing em questões de segurança de voo decorre em grande parte das diferenças de propriedade e poder dos trabalhadores”.
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É claro que esse não é um modelo que se aplica perfeitamente aos EUA, onde o dever do conselho de administração é, acima de tudo, com os acionistas.
Os críticos argumentam que isso coloca os representantes sindicais em uma posição impossível, provavelmente gerando conflitos de interesse porque sua lealdade seria para com seus colegas de trabalho, e não para com os acionistas.
Mas, neste momento, colocar a segurança em primeiro lugar, em vez de cortar custos, é do interesse de todos os acionistas da Boeing. É uma mudança de cultura que seus atuais membros do conselho não conseguiram executar até agora. Abrir a sala do conselho para a representação dos funcionários pode parecer radical, mas é disso que a Boeing precisa agora.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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