Decisões de juízes do STF reverteram sentenças contra empresas e políticos acusados de corrupção
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Bloomberg Opinion — Uma década depois de seu surgimento, a histórica operação Lava Jato, que investigou a corrupção, continua nas manchetes – desta vez porque novas decisões judiciais parecem ser uma tentativa de reescrever a história, minando a posição do país no combate à corrupção.

Pesquisas mostram que os brasileiros estão cada vez mais preocupados com a corrupção, algo que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria levar mais a sério, considerando os escândalos do seu partido no passado.

Primeiro, os fatos: o ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF), José Antonio Dias Toffoli, ordenou esta semana uma investigação da ONG Transparência Internacional, dias depois que a organização criticou as decisões do magistrado em casos derivados da Lava Jato.

Em setembro de 2023, o juiz anulou todas as provas usadas para apoiar o acordo de leniência que a Odebrecht assinou com os promotores em 2016.

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Na semana passada, Dias Toffoli também suspendeu os pagamentos da multa de R$ 8,5 bilhões imposta à Odebrecht (agora conhecida como Novonor), depois de fazer o mesmo com uma penalidade de R$ 10,3 bilhões em um acordo separado envolvendo a holding dos irmãos Batista.

As decisões são um sinal de que as grandes lições da Lava Jato correm o risco de serem esquecidas em breve.

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A investigação, iniciada em 2014, revelou uma rede multibilionária de propinas, cartéis e subornos, levando executivos e políticos poderosos para a cadeia, com repercussões em vários países.

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No centro de tudo estava o juiz Sergio Moro, que liderou a operação de Curitiba. O impacto foi tão grande que Moro se tornou herói nacional. Mas sua decisão imprudente de se juntar ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro como ministro da Justiça no início de 2019 não só lhe custou a reputação, como também levou ao colapso da investigação, quando os tribunais superiores consideraram suas decisões tendenciosas e em conluio com os promotores.

Desde então, houve pressão dos condenados para reverter suas sentenças e, principalmente, suspender as multas que suas empresas concordaram em fazer para reconhecer seu papel no caso e encerrar as investigações.

Essa reparação é consistente com o devido processo legal: se os juízes concluíram que as investigações não foram conduzidas de forma legal, é justo que os réus reajam às novas decisões.

Ainda assim, há o risco de que essas decisões acabem persuadindo a elite política e empresarial brasileira de que a Lava Jato é apenas um exemplo caro de impunidade.

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Mesmo supondo que as centenas de executivos que admitiram as propinas na época foram todos coagidos por promotores agressivos, seus depoimentos deram uma visão clara da cultura de corrupção arraigada no mundo empresarial e no setor público do país.

A Odebrecht e a Petrobras (PETR3; PETR4) assinaram acordos com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, concordando em pagar multas enormes no exterior. As empresas pediram desculpas publicamente. Tudo isso aconteceu, mesmo que o processo legal tenha sido considerado fraudulento.

Minha história favorita da época, que acompanhei de perto como repórter no Rio de Janeiro, foi o caso de Pedro Barusco, um desconhecido executivo de terceiro escalão da Petrobras que devolveu quase US$ 100 milhões depois de confessar ter recebido suborno e fazer um acordo com os promotores. Ele devolveu US$ 100 milhões sem mais nem menos.

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Além disso, as decisões recentes ocorreram no contexto de decisões de Lula no último ano que poderiam, na melhor das hipóteses, ser caracterizadas como controversas: sua primeira nomeação para o STF foi seu advogado pessoal, e sua segunda escolha, Flávio Dino, foi até recentemente seu ministro da Justiça e aliado próximo.

O presidente então substituiu Dino por Ricardo Lewandowski, cujas decisões como juiz do STF foram fundamentais para que Lula recuperasse sua liberdade em 2019, após ser preso por Moro. Dias Toffoli foi consultor jurídico do PT, partido de Lula, e depois nomeado para o STF durante o segundo mandato do presidente.

Essa manobra de Lula pode parecer compreensível quando você considera que ele passou 580 dias na prisão injustamente e foi vítima de uma conspiração judicial e política para impedi-lo de concorrer à presidência em 2018.

Lula pode não querer se arriscar novamente na Justiça. Mas esse é o tipo de decisão que faz parecer que o ex-presidente Barack Obama estava certo quando escreveu em sua biografia que Lula era “impressionante”, mas “supostamente tinha os escrúpulos de um chefe da Tammany Hall”, referindo-se a algumas das mais notórias e corruptas negociações de bastidores na política dos Estados Unidos do século 19 e início do século 20.

Além disso, independentemente de seus méritos legais, essas decisões começam a prejudicar a credibilidade anticorrupção do país. É aí que entra o caso da Transparência Internacional: o Brasil caiu 10 posições e ficou em 104º lugar entre 180 países no último Índice de Percepção da Corrupção da organização, que abrangeu o primeiro ano do terceiro mandato de Lula.

O órgão de controle emitiu um relatório contundente no mês passado, destacando os retrocessos nas políticas do país, incluindo as decisões de Dias Toffoli, e dizendo que a revogação em massa de sentenças era “um rico negócio” para advogados e lobistas.

“O Brasil se tornou um cemitério de provas no maior caso de corrupção transnacional da história”, segundo o relatório.

O tom agressivo e as referências pessoais no relatório podem muito bem ter desempenhado um papel na decisão de Dias Toffoli de ordenar a investigação sobre o grupo por supostamente lidar com dinheiro dos acordos.

A Transparência contra-atacou, emitindo uma declaração negando qualquer irregularidade e denunciando as “retaliações injustas que está enfrentando em resposta ao seu trabalho de combate à corrupção”.

Por enquanto, Lula parece estar acima de todo o caos com sua popularidade intacta, mas ele precisa prestar atenção porque a insatisfação dos brasileiros com o combate à corrupção é real e está ficando mais aguda: segundo uma pesquisa da AtlasIntel divulgada na terça-feira (6), 58% dos brasileiros citam a corrupção como um dos principais problemas do país, um aumento de quase 8 pontos percentuais em relação à pesquisa anterior, realizada em novembro, e atrás apenas do crime e do tráfico de drogas, que lidera a lista de preocupações com 59%.

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Há uma motivo pelo qual os brasileiros querem tanto justiça e honestidade. O governo precisa fazer mais para melhorar a transparência e garantir que os cidadãos confiem em seu sistema político e de Justiça.

O recente anúncio de um ambicioso plano industrial e de subsídios para reavivar setores envelhecidos – exatamente o tipo de política arbitrária que, em parte, ajudou a alimentar a Lava Jato – será observado de perto em busca de sinais de má administração.

Enquanto isso, o STF, que foi um baluarte crucial contra as tendências autoritárias de Bolsonaro, deve decidir sobre as controvérsias da Lava Jato como um órgão colegiado, não deixando-as para juízes individuais.

Mas, acima de tudo, o Brasil deve conduzir uma discussão honesta sobre as lições da Lava Jato: uma coisa é explorar todas as suas opções legais ou ser liberado por motivos processuais (mesmo depois de confessar irregularidades em vídeo). Outra coisa, bem diferente, é tentar reescrever a história e fingir que nada aconteceu.

Poucos brasileiros acreditarão nessa última abordagem.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista de Opinião da Bloomberg e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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