Empresas e bancos mudam planos de captação com restrição do CMN a títulos isentos

Restrição, que pegou os mercados de surpresa, ocorre no momento em que o governo busca aumentar arrecadação para cumprir meta de deficit primário zero

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Por Rachel Gamarski - Cristiane Lucchesi e Giovanna Bellotti Azevedo
07 de Fevereiro, 2024 | 01:39 PM

Bloomberg — Empresas e bancos brasileiros serão forçados a mudar seus planos de captação depois de o governo ter restringido a emissão de títulos locais isentos de impostos, que se tornaram muito populares entre as pessoas físicas.

Na semana passada, o governo proibiu empresas de fora dos setores imobiliário e do agronegócio de emitirem títulos conhecidos como CRIs e CRAs, que permitem às companhias obter recursos usando como lastro valores a receber como forma de impulsionar o investimento nessas duas áreas da economia.

É uma inversão de decisões anteriores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que desde 2016 vinha alargando o âmbito desses instrumentos, desde que os recursos fossem utilizados para financiar pagamentos de aluguéis ou de compra de produtos do agronegócio. Isso provocou uma onda de vendas desses papéis por parte de empresas como cadeias de fast-food, supermercados, empresas de saúde e até bancos.

“A isenção existia para canalizar recursos para duas indústrias, e depois a regra ficou superflexível”, disse Leonardo Ono, gestor de carteira de crédito da Legacy Capital. “Em termos de fundamentos, esta mudança faz sentido.”

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A restrição, cuja extensão pegou os mercados de surpresa, ocorre no momento em que o governo busca aumentar a arrecadação para cumprir a ambiciosa meta de deficit primário zero do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Ao mesmo tempo, faz também parte de um plano para corrigir o que o governo vê como distorções nos mercados financeiros, disse à Bloomberg News uma pessoa com conhecimento do assunto, que pediu anonimato. Como parte desse esforço, o governo já começou a tributar fundos offshore e exclusivos, e planeja tributar dividendos em uma reformulação do Imposto de Renda.

Os bancos tinham acabado de começar a usar CRIs para pagamentos de aluguéis e CRAs vinculados às suas subsidiárias agrícolas. Só no ano passado, o BTG Pactual (BPAC11) emitiu R$ 15 bilhões em CRAs, e o Itaú (ITUB4) emitiu cerca de R$ 2,5 bilhões em CRIs, de acordo com a Uqpar, uma empresa sediada no Rio de Janeiro que fornece dados sobre securitização no Brasil.

Fora do setor financeiro, a operadora de saúde Rede D’Or (RDOR3) foi um dos maiores emissores, com cerca de R$ 2,26 bilhões no ano passado, disse a Uqbar. Dasa, Zamp – que controla as operações brasileiras do Burger King – e a rede de postos de gasolina Ipiranga também emitiram dívida semelhante, gerando debate entre os participantes do mercado em torno do alcance desses instrumentos.

A Rede D’Or disse em comunicado enviado por e-mail que os CRIs vendidos a partir de 2018 permitiram a construção de mais de 300.000 metros quadrados em áreas que abrigam cerca de 2.000 leitos hospitalares, gerando milhares de empregos, “o que a posiciona entre as maiores incorporadoras imobiliárias do país.” Ipiranga e Dasa não quiseram comentar, enquanto a Zamp não respondeu a pedidos de comentários.

Sede do BTG Pactual, em São Paulo

Em sua decisão de quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional (CMN) também ajustou a estrutura para títulos bancários isentos de impostos chamados LCIs, LCAs e LIGs, bloqueando, por exemplo, a utilização de crédito subsidiado como garantia.

“Esperamos um aumento no custo de financiamento dos bancos, uma vez que eles não conseguirão renovar alguns desses instrumentos de baixo custo: é negativo para o perfil de crédito”, disseram analistas da Moody’s liderados por Daniel Girola em nota esta semana.

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O BTG não quis comentar. O presidente do Itaú, Milton Maluhy, disse na terça-feira (6) em uma teleconferência de resultados que os títulos incentivados representam cerca de 15% da captação total do banco.

A mudança, segundo ele, afeta um “porção pequena dos lastros que são utilizados”. Embora haja “migração eventual” para outras fontes de financiamento após a mudança, isso “não deve afetar de forma material o custo de captação do banco,” disse ele.

Combinados, o mercado para estes títulos — incluindo CRAs, CRIs e as letras dos bancos — aumentou para mais de R$ 1 trilhão, segundo a associação de mercado de capitais Anbima. As pessoas físicas têm cerca de R$ 854 bilhões investidos em LICs, LCAs e LIGs, enquanto os CRIs e CRAs atingiram R$ 158,6 bilhões. De 2022 a 2023, esse número aumentou 40%.

Novas regras

O CMN decidiu que apenas as empresas cujas receitas provenham em grande parte do setor imobiliário podem emitir CRIs, títulos garantidos por recebíveis imobiliários, e apenas as empresas do agronegócio podem vender CRAs, que são garantidos por recebíveis do agribusiness. E apenas a dívida desses dois setores pode ser usada como garantia nessas transações.

Tanto o Ministério da Fazenda quanto o Banco Central afirmaram que as novas regras não se aplicam a instrumentos de dívida que já tenham sido emitidos. Cerca de R$ 90 bilhões em CRIs e CRAs foram vendidos em 2023, segundo a Anbima.

Atraídos pelos incentivos fiscais, os investidores locais têm aceitado prazos de vencimento de até 10 anos em algumas dessas emissões, semelhantes aos títulos de dívida global. Mas agora bancos e algumas empresas que planejavam emitir mais desse tipo de título terão de procurar outras estruturas.

Embora houvesse rumores de que uma mudança aconteceria, as alterações finais foram mais duras do que o previsto e devem causar uma queda abrupta nas vendas de CRIs e CRAs, disse Rômulo Landim, sócio e diretor jurídico da Octante Capital, uma gestora de ativos e empresa de securitização.

“Isto obrigará as empresas abertas a procurar novas formas de financiamento por meio de instrumentos de dívida não-isentos, seja no mercado local ou internacional”, disse Landim.

-- Com a colaboração de Martha Beck e Aline Oyamada.

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